segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Ai Atenas, que me dás pena(s)


Vi ontem o programa "Contraponto", que desta vez teve o aliciante de abordar alguns temas pertinentes e acontecimentos recentes que se podem considerar, digamos, "picantes". Penso que seria sempre irrelevante que elementos do painel do programa comentariam estes temas, que todos alinhariam mais ou menos pela mesma bitola. Mas mesmo as bitolas e os padrões mais simplistas têm pelo mesmo duas nuances diferentes, e há sempre quem discorde de um ou outro ponto dos não-essenciais, ou quem resolva exacerbar a gravidade de esta ou daquela situação, revelando uma agenda paralela oculta - e nem interessa saber qual, que não deve ser nada de jeito - e ainda por cima fingindo (ou representando) MAL! MUITO MAL! Mas defecando em plena locomoção nos detalhes, uma ou duas coisas foram ditas neste programa, e embora sendo verdades, ó grandes verdades, daria para elaborar sobre uma ou delas, até para que se possam entender melhor as coisas, atendendo às distâncias e às proporções.

Sobre aquilo que foi dito dos juízes, a propósito das declarações dos magistrados que presidem às instâncias judiciais da RAEM, considero tudo muito pertinente, e só foi pena que não se tenha ido um pouco mais longe. O que parece estar a acontecer com este "distanciamento" que existe entre o ramo judicial do sistema é como que um aviso, algo do tipo "está bem que é o Direito de matriz portuguesa, mas isto não é Portugal". Tudo velho, tudo visto - mas alguém acredita que algum dos referenciados "bad boys" do primeiro sistema quer entrar para os livros como sendo o tipo que deu cabo disto tudo e estalou com o chicote e tal? É tudo uma infusão oriental de hierarquias, burocracia e ópera chinesa. Quem vai ser parvo ao ponto de "sujar as mãos" a abrir a porta a outros, e acabar ali a fazer de porteiro sem meter a colher no pudim. Eles estão ali como que a fazer de meio-termo entre aquilo que é tolerável, e aquilo que nunca, mas nunca, ouviram? pode ser. É que na proporção de um para cento e não sei quantas cabeças que a população portuguesa tem para  a chinesa, fica-se com uma couraça menos flexível, e cujas dobradiças ainda rangem quando se tenta dobrar, ou metê-la no seu lugar. Não cabem cento e não sei quantas vezes os problemas que ainda nos cabem na bagageira. "Cento e tal mortos?! Que horror!" - dizemos nós. "Ai sim? Ainda bem que eu não fui" - dirão eles.

Ficamos chocados, sim, porque a maior parte de nós que tem uma ideia de que as pessoas são em primeiro lugar pessoas, e que têm direitos até ao ponto de mandar a polícia ou a magistratura a tal sítio, se quiser (dependendo do local e da situação, lógico), porque adquirimos isto como princípio no âmbito da nosso processo de socialização, que foi o Português - os que viveram mais tempo em Portugal ou que chegaram há poucos anos a Macau são os mais "radicais". Ainda não estão suficientemente "diluídos", portanto, e passam a vida a meter os dedos nas tomadas, ficando assim em perpétuo "estado de choque". Isto tanto se aplica a quem queira acabar com corridas de galgos porque "acha mau", e pouco importa que exista um grupo significativo de gente que "até gosta", ou "não tem opinião", que são uns bárbaros, uns selvagens e inimigos dos animais, como quem faz birrinha porque o partido que queria ver derrotado e humilhado teve o que pode considerar "uma vitória", e agora quer "inventar" uma derrota com um governo de "todas las otras frutas". O melhor comentário que li a este respeito passava por fazer um paralelo com este cenário:



Ai o Benfica foi campeão na época passada? Porquê? Porque teve mais pontos? Mau, se calhar custa a aceitar que os encornados encarnados podem ter feito mais pontos que as restantes equipas, mas nem de perto nem de longe FIZERAM A MAIORIA DOS PONTOS em jogo, que eram 918 (3 pontos por jogo vezes nove pontos por jornada vezes 34 jornadas). Só 85, de 918??? Nem a dez por cento chega. E que tal o Porto e o Sporting juntarem os pontos e "formarem um campeão alternativo"? O Sporting até se oferecia no início do campeonato, indiferente de quem fosse campeão. Mas e que tal a lagartagem dar uma de espertalhão, e sabendo que Porto e Benfica "são incompatíveis" para uma possível coligação, juntam-se ao Braga e criam o "Sportingues Campeões"? E que tal na eventualidade dos três primeiros não se entenderem, virem o Braga e o Guimarães formar o "Minho campeão"? Estão a ver a confusão que se está para aqui a criar? Portanto, quando é o PS a ganhar sem maioria, "governo minoritário, que remédio", mas quando não ganha mesmo "não perdendo", ah espera lá que a "esquerda" não sei quê. Não admira que a tal esquerda não queira nada com eles, e vice-versa. Pudera...

Vi nestas últimas semanas um grande bruaá a propósito do tempo da licença de maternidade, e ai que o bebézinho é amor, corações cor-de-rosa, patinhos amarelinhos recém-nascidos a fazer quá-quá, mãe e bebé abraçados nus num cenário a preto e branco, rodeado de estofos fofinhos, almofadas e tudo aquilo a que os anúncios de papa Milupa ou duches-vaginais tem direito. É isto a percepção de "justo" que se tem, é a melhor naquele caso particular, só tem dado alegrias e nada de desgostos, por isso é a única indicada para o resto da humanidade, quer aqui, quer na China, quer no Burundi. Se há mulheres que consideram que passar muito tempo inactivas é "má ideia", e até não se importariam de reatar a sua carreira profissional quanto antes, "estão enganadas, coitadas", talvez porque "são oprimidas", e "não viram a luz". E aquelas que temem ser substituídas durante o tempo que demoram nas "boxes" e desejam voltar? "Que disparate, é por isso que é preciso mudar este estado de coisas" - elucidariam-me as feministas, recordando-me que "o mundo é dos homens, e por isso está como está". Pois, olha, comecem por essas que optam por regressar pela simples razão de elas próprias estarem-se nas tintas se arranjam um emprego catita à pala da tal neo-mãe que acha "os primeiros dois anos muito importantes!". Xim, xim, e que tal entrevistarem antes alguém que, sei lá, não se pode dar ao luxo de desistir do emprego para ser "mãe", ou seja, a MAIORIA que não vive em anúncios da Milupa? Imaginem que existem mulheres que nunca casam e constituem família, apenas porque consideram a sua realização profissional mais importante, e ainda, pasme-se, mulheres que optam por NUNCA TER FILHOS, dando mais valor à independência, e ainda há casos de outras que NÃO GOSTAM DE CRIANÇAS. Tudo já encostado ao Campo Pequeno e fuzilado já, né mesmo?

Falando a sério, neste clima de tudo o que nos aborrece multiplicado por cento e tal, é preciso haver alguém que tenha a ingrata tarefa de garantir que tudo não descamba para a bandalheira total. Estão a imaginar o que seria autorizar manifestações na China? Imaginem por exemplo, o que seria o "buzinão" de Junho de 1994 na Ponte 25 de Abril caso acontecesse na China. Quatro dias de caos, a vida empatada para milhares, tiros, tipos que ficaram paraplégicos, Governo a desmanchar-se em diligências, e tudo por causa de 25 cêntimos! Agora multipliquem isso por cento e tal vezes, mas com gajos que têm muito mais razões de queixa do que 25 cêntimos a mais para se passar uma ponte. Sim, uma vez aconteceu algo de semelhante, que ficou conhecido por "Massacre de Tiananmen". Por acaso também foi em Julho. E é aqui que entra a figura da autoridade, para nós uma figura abstracta, que quase sempre se renova, dependente de eleições e do seu próprio desempenho, sendo substituída caso não obtenha a aprovação popular. Aqui lá há tempo para andar a escolher entre milhões e milhões de gajos de quem ninguém ouvir falar, e esperar que todos os outros "escolham livremente" entre eles? Estão a gozar, é?

Aqui entra a figura do juiz, que como disse um elemento do painel do "Contraponto" desta semana "parece ser um cargo vitalício", e o seu detentor "endeusado" e "entronado". Não parece: é, e é porque tem que ser, e nem vale a pena tentar convencer mil milhões de que "existem alternativas". Qualquer alternativa passaria sempre por ser "a única" que agrada a cada um destes milhares de milhões. Para os chineses, ser juiz implica poder decidir a sorte alheia, ter o poder para mudar destinos, e só para nós é que pesam factores como o "elemento prova", ou "presunção da inocência", que os chineses consideram um delírio derivado de alguma febre tropical.  Para eles é simples: a única coisa pior que ser preso é morrer, e se nesta última o acaso tem um papel importante, na outra tudo pode ser decidido pelo juiz. Não, segundo esta mentalidade, os juízes não são "umas pessoas quaisquer", e não vão ser uns códigos deixados por nós um dia destes que vai mudar o que jr se encontra enraizado depois de milénios, onde muita desgraça aconteceu - desgraças como em Portugal, com mortos e tudo, só que multiplicado por cento e tal, não se esqueçam. É por esta razão que se diz muitas vezes que a melhor maneira de resolver um diferendo com um chinês é acenar com o tribunal. A nossa cultura e tudo o que a nossa civilização nos ensinou permite-nos ter a noção de que ninguém nos vai cortar a cabeça por ter dado um toque na traseira do Mercedes de alguém e raspado um dedo de tinta. Aqui eles não têm esse tipo certezas. Fico por aqui quanto a isto dos magistrados, que se não são "deuses", deviam sê-lo.

Para terminar, só um pequeno aparte a propósito da candidatura de Pereira Coutinho, que como se sabe obteve um bom resultado (para um universo eleitoral tão ambíguo e disperso, claro) mas não conseguiu ser eleito. Aqui o que mais me surpreendeu foi a forma como as escamas democráticas ficaram todas arrepiadas com aquilo que chamam de "truques" que alegadamente o candidato em causa usou para obter votos - votos de pessoas que caso contrário nem saberiam da existência desta eleição, note-se. Ora bem, isto vindo de quem há vinte anos "não achou mal", ou antes pelo contrário, achou até uma certa piada que em Portugal um certo figurão tenha ganha uma autarquia no norte oferecendo electrodomésticos  a famílias - mais pobres, por isso também mais numerosas, com mais eleitores entre o agregado familiar, lá está. Isso é o que se vê, e em Portugal também se "fala", e "contam-se histórias". A diferença aqui é que fica mais fácil de detectar, e em cada esquina moram potenciais "candidatos" a quem vinha mesmo a calhar uma "trafulhice" destas. Mas não, aqui foi muito grave. Diz-se que "ficou em causa a democracia". Ah, sabem quem era ainda mais democráticos que vossemecês? Platão! E o resto do Ateneu, tipo, gregos e tal, aqueles que agora se dedicam ao calote. E ora toma!


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