segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Dar um "jeitinho" e um "empurrão"



Fala-se por aí do tal exame do SAFP para o preenchimento de vagas de técnico-superior na área jurídica, cujos resultados foram notícia pelas piores razões - dos mais de quinhentos candidatos, pouco mais de trezentos realizaram a prova e apenas 1 (um) passou para a prova oral. Eu quis evitar falar deste assunto porque é uma daquelas coisas que não convém mexer muito para não cheirar tão mal. Fiz alguns destes concursos, e foi essa a minha forma de provimento, e sem estar ao corrente de detalhes sobre este caso particular, parece evidente que o nível de exigência foi-se adequando à quantidade de vagas existentes, e no período que antecedeu a transferência de soberania em 1999 notou-se uma certa "pressa" em deixar os quadros preenchidos - não exactamente preparados, mas preenchidos - e optou-se por um certo "facilitismo". Este facilitismo era uma evolução natural para quem vinha do nada; até aos anos 90 praticamente não se realizavam concursos, e os recrutamentos eram feitos com base em critérios dispersos e pouco claros. É possível que se tenha feito uma transição demasiado rápida para a selecção mais meticulosa, e este não é o primeiro caso em que se dá uma "razia" nas candidaturas; desde a magistratura à Associação de Advogados, têm sido inúmeras as queixas dos candidatos, que apontam sobretudo para critérios "demasiado rigorosos", quer nos conteúdos, quer na avaliação das provas de acesso.

O primeiro problema passa pelas mentalidades, que não acompanharam esta selecção mais criteriosa, e era disto que eu queria evitar falar. A introdução desta modalidade dos concursos teve como objectivo dar ao processo de localização maior transparência, mas foi encarada por muitos como um obstáculo à entrada na Administração. Quando era publicado no Boletim Oficial o anúncio de um concurso, que normalmente tinha como primeira fase uma prova de conhecimentos, a preocupação não era tanto saber o que ia sair nessa prova, mas antes como obter a prova antes de exame, e se fosse com as respostas, melhor ainda. Isto é de arrepiar qualquer um, uma vez que, como é lógico, não eram todos os candidatos que tinham ligaç­ões com o departamento que realizava o concurso, e era tudo uma questão de conhecer a pessoa certa. Esta "patifaria" era considerada "normal", tratada como um simples "jeitinho", enquanto o concurso propriamente dito era visto como uma "formalidade", e com ou sem acesso ao enunciado da prova, estudar era quase sempre uma opção relegada para último plano - levar cábulas era considerado mais sensato. Se o exame dos SAFP reservado a juristas, e atenção que estamos aqui a falar de pessoas com uma licenciatura em Direito, era fácil ou difícil, desconheço, mas consta que o problema tinha a ver mais com o tamanho do teste do que com o nível de dificuldade das perguntas. Só continuo sem entender esta descoordenação administrativa, acompanhada da habitual falta de coerência: se "foi tudo feito conforme a lei", para que repetir o exame? Olha, e que tal desta vez optar por uma prova da 4ª classe, e de vez em quando sussurrar umas respostas no ouvido dos candidatos, para ver se estes tipos acedem a esse "direito fundamental", que é a "escolha da profissão", e que vem expresso na Lei Básica. Perguntem ao ex-deputado Ung Choi Kun, que segundo o seu antigo colega de bancada Chan Meng Kam, "sabe ler". Sabe ler o quê? Sabe ler, só, e não chega? Deixem-se lá de tretas que isto não é cardiologia; toca a dar um empurrão à malta.

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