sábado, 13 de setembro de 2014
A festa brava e os bravos contra a festa
O "slam-dunk" aplicado à tourada. Olé!
A última semana tem sido um corrupio de notícia sobre touradas, largadas, touros de morte, morte por touro, touro-liro-liro, touro-liro-ló. Tudo começou no início da semana quando o Estado Português anunciou o fim da subsidiação das actividades tauromáquicas, com as quais gastou apenas em 2012 cerca de 16 milhões de euros. Posto isto os adeptos deste...uh...desporto? Passatempo? Não, "passatempo" lembra sopa de letras ou palavras cruzadas, ou outras coisas sem gajos vestidos de bailarina e animais com cornos. Digamos "actividade", pronto, nem a tradição isto chega pois normalmente as tradições implicam que haja quem as cumpra, e quem fique indiferente, mas aqui há os adeptos das touradas, e os que são contra as touradas, que conseguem ser ainda mais fanáticos que os primeiros. Causa-efeito desta decisão, adeptos da "festa brava" (a sério, pensei que fosse brincadeira que chamassem isto à tourada, pois para mim "festa brava" é outra coisa) realizaram ilegalmente em Viana do Castelo uma "corrida de touros", que acabou por não produzir o efeito desejado, pois dos 2500 lugares da Praça de Touros de Viana apenas pouco mais de 300 ficaram ocupados. Chamar "corrida de touros" a isto é uma parvoíce, pois sugere que se põem os touros a correr para ver qual deles chega primeiro. Dou a minha opinião completa mais à frente, mas para já acho bem, aliás acho óptimo, maravilhoso e super-bué que não se usem dinheiros públicos para subsidiar touradas. Quem quiser tourada pague do seu bolso, que é o que eu faço, e se preferem um bovino preto com meia tonelada para o efeito, bom, vocês é que sabem, e gostos não se discutem.
Monsaraz sempre assim, ou juízo ganharás?
Dias depois, nova polémica. Na vila de Reguengos de Monsaraz, distrito de Évora (lindíssima, permitam-me o aparte) foi autorizado em regime de excepção um "touro de morte". E o que é isto de "touro de morte"? Se pelo nome não chegam lá, a imagem ali em cima diz tudo - trata-se de um...porra outra vez..."evento", er, "acontecimento", pronto, em que depois de se andar a fazer judoca com o bicho, mata-se-lho ali mesmo no meio da rua. A actividade vinha sendo realizada ilegalmente no contexto de uma "novilhada" que se realiza todos os anos na vila medieval, mas desta vez a Inspeção-Geral das Actividades Culturais (IGAC) autorizou a matança uitilizando o mesmo fundamento que foi usado em Barrancos há alguns anos. Aqui está uma situação que leva a que os ânimos de exaltem e as opiniões se extremem. Há três tipos de opiniões a respeito disto além do "estou-me nas tintas", na qual eu me posiciono: de um lado temos os totós que se divertem com isto a aproveitam a oportunidade para apanharem mais uma bebedeira de encortiçar o fígado, depois há os pseudo-intelectuais ou os tipos que têm a mania que são "justos" que dizem que "é uma tradição, e é preciso respeitar" (a diferença entre estes e os primeiros é que preferem os opiáceos à pinga), e depois há os "hippies", que se for preciso vestem-se de vaca e vão para ali protestar, como se o boi fosse um familiar seu, ou como se a matança se realizasse dentro da sua casa, no sofá da sala.
O truqui, tájaver, é a modes cajenti fica armados em valentis, e ódepois cande o boi chega, fujemes, porra!
E quando o dia em vez da caça é do caçador? Foi o que aconteceu esta madrugada na Moita do Ribatejo, local que conheço relativamente bem (fica entre o Montijo e o Barreiro), onde durante as festas da Nossa Senhora da Viagem (que saudades...) um homem de 40 anos foi colhido por um touro e fez a "viagem" para o outro mundo, quem sabe se na companhia da respectiva Nossa Senhora que estava a ser homenageada na forma de largada de touros. Este é um daqueles casos em que se apanha aquilo que se semeou, e qualquer pessoa mentalmente sã, escolarizada e sóbria (que nestes casos quase nunca acontece) sabe que ir para o meio de uma rua onde está um touro bravo com pouca disposição para conversas é perigoso, e pode até custar a vida. Uma responsável da comissão de festas afirmou a propósito da tragédia: "Lamentamos esta situação e endereçamos os nossos sentimentos à família. Quando fazemos a festa é para as pessoas se divertirem e não para acontecerem estas coisas, mas é algo que pode acontecer na festa brava". Pode acontecer, claro, nós que aqui estamos sabemos disso, mas o tipo que foi desta para melhor ainda deve estar para perceber as razões porque não se encontra aqui a concordar com essa verdade.
E também ontem à noite, mas em Espanha, o "matador" (nome que se dá ao indivíduo que mata touros numa arena, profissão que num país onde ninguém saiba o que isso é pode dar azo a uma série de equívocos) Miguel Ángel Perera foi colhido na Praça de Touros de Albacete. Miguel Ángel preparava-se para ceifar a vida a um bovino, quando este, indiferente às intenções do animal humano, lhe dá uma cornada que vira do avesso, causando o choque do público, que devia estar a pensar: "Meu Deus! Isto não era suposto acontecer, e o tipo devia atravessar de um lado ao outro com uma espada o bicho que nunca lhe fez nenhum mal, e depois deixá-lo ali a escorrer sangue até ficar inerte e sem vida no meio da arena!". Pois é, mas a lógica acabou por prevalecer, pois apesar de combalido, o "matador" viria ainda a limpar o sebo ao touro, antes de ser assistido no hospital de Albacete. Isto é que é um profissional, que coloca o dever acima de tudo.
Agora antes de passarmos às conclusões, permitam-me que recorde este vídeo do "post" que publiquei na última quinta feira com o título Sol & Touros, e que mostra um jovem forcado do aposento de Montemor-o-Novo a ser levado por um touro até às trincheiras e além, acabando mais tarde no hospital onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao fígado. Na altura escrevi no "post" as palavras "coisa tão linda", referindo-me ao momento em que a colhida acontece, o que me valeu a repreensão de alguns leitores, um deles amigo da vítima e presente no local no momento do incidente. Ora bem, por "coisa tão linda" refiro-me naturalmente à globalidade da tourada, que nem chamaria "espectáculo", pois num espectáculo todos participam a título voluntário, duvido que o touro tenha dado consentimento verbal ou por escrito de que estaria interessado. Além disso desconhecia a situação do forcado - podia ter sido pior, e se calhar a partir de agora devia-se dedicar a algo menos arriscado, como a filatelia, por exemplo. Agora atentem ao ridículo da situação, quando após a colhida que podia muito bem ter custado a vida àquele jovem, bate-se palmas, e entra um "pasodoble" e tudo. Olé, é caso para dizer.
Claro que não é "a mesma coisa", deixem-se lá de merdas.
Já tinha deixado aqui a minha opinião sobre tudo isto das brincadeiras com touros, neste "post" ou ainda neste mais antigo, de 2009, e mantenho a mesma posição: neutro. Quando tinha os meus sete ou oito anos ia por vezes com os avós às touradas lá no Montijo, e achava imensa piada à coisa, era completamente alucinante para o meu cérebro semi-desenvolvido. Entretanto cresci, ganhei juízo e não vou a touradas (mesmo que por vezes vá "em touradas"), mas não censuro quem goste, desde que não me obrigue a ir consigo, é livre até de saltar da ponte ou deitar-se no meio da linha do comboio, se quiser. Se levarem uma criança pequena a ver um evento desta natureza sem antes o influenciarem, vão ver como ele se diverte: tem cor, tem música, tem palmas, tem "um menino", em cima de um "cavalinho" e tem um "bicho", é uma alegria. É irrelevante que ao fim de duas ou três bandarilhas espetadas no lombo o animal esteja a verter sangue, pois reparem como nem parece que dá conta disso, e continua a correr atrás do cavaleiro como se não fosse nada. Tenho uma teoria que pode servir de explicação para esse fenómeno: o touro tem um revestimento epidérmico conhecido por "couro", que é duro, e talvez por isso seja usado no fabrico de cintos, malas e sapatos, entre outras coisas, uma deles dotar o touro de mais resistência à dor. Ah é isso, pois é, não experimentem é fazer o mesmo em casa. Os opositores à tourada perdem toda a razão quando usam tácticas semi-terroristas para impedir a sua realização - para quê, isso faz algum sentido? Se ainda levassem consigo um touro racional que estivesse na universidade a tirar Direito ou Engenharia, ganhariam credibilidade, mas que diferença lhes faz que um grupo de pategos esteja ali a bater palmas a uma espécie de travesti montado num cavalo com lantejoulas a espetar ferros numa besta? Não me levem a mal, é que há problemas mais importantes que este. Eu por exemplo nunca me atrasei ao serviço por motivos de "tourada" - quer dizer, já, mas da outra, e isso não serve de justificação.
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