quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Provedor do Leitor


Depois do estrondoso sucesso que foi o artigo O caminho marítimo para a parvoíce, (1564 visitas e 273 partilhas), veio a sequela SOS e mal acompanhados, um epílogo na forma de comentário às reacções vindas do SOS Racismo e da jornalista Fernanda Câncio, ambos apontado as autoridades como responsáveis pelos incidentes no Centro Comercial Vasco da Gama, passa hoje uma semana. Apesar de em termos de visualizações, partilhas e comentários ter ficado aquém do primeiro (e não era essa a ideia), recebi um comentário que achei que devia partilhar, que no fundo vem dar razão aos meus argumentos - outra vez, podem discordar, se quiserem. Aqui vai:

Meu caro, gostaria de o convidar a ir a Angola, ou a Moçambique, ou ao Quénia quiçá, e a fazer um exercício: procure brancos. Sem dificuldade poderá encontrar nos melhores bares/restaurantes/lojas da cidade e não é que, sem dificuldade também, quantas vezes acontece que nesses sítios (surpresa) são a maioria em "países de negros"? Não sei se percebe que mais do que o insulto ocasional, que também deve ser discutido, a discussão do "racismo" prende-se com o quanto os preconceitos influenciam/ delimitam/ possibilitam o curso da vida de um sujeito ou grupo de sujeitos. Não me parece que os grupos que têm acesso a absolutamente tudo, às vezes precisamente pela cor da pele, precisem da ajuda do SOS Racismo, mas se algum dia se sentir muito desprotegido, imagino que será lá bem recebido.
Claramente não faz a mínima ideia do assunto sobre o qual se acha tão informado para comentar, mas "maioria", quando se fala em sociedade, não significa sempre "maior número", nem minoria "menor número", mas também, "maior poder" e "menor poder": poder em arranjar emprego estando exatamente nas mesmas circunstâncias (mesmo CV), poder em viajar livremente sem questionarem as suas intenções, poder de compra, poder de acesso a serviços, poder de tomada de decisão, poder de intervenção, e por aí fora.
Como vê, para que consiga (talvez) perceber tudinho, tenho que explicar com muitos detalhes, por isso fico-me por aqui, que não vale a pena perder mais tempo a desfazer o resto das absurdidades que para aqui diz.
Passar bem.

Aí está, adoro quando me dão tanta razão que nem tem piada comentar. Podia muito bem deixar aqui o comentário deste (afectado) anónimo, e era só tirar as devidas conclusões. Mas vamos começar por cima.

Por acaso adoraria ir ao Quénia, não tanto a Moçambique (questão de prioridades, nada de pessoal) mas certamente que gostaria de ir a Angola, mas por uma carga de água qualquer que os angolanos certamente agradeceriam devido à falta do precioso líquido no seu país, os portugueses só podem a ir a Angola caso tenham uma carta convite de um cidadão angolano, e não é tudo, vejam:


Como é mesmo? Duzentos dólares por dia??? Quer dizer, quem quiser ficar lá quinze dias tem que levar consigo 3000 dólares? Vinte e quatro mil patacas, que é quase o meu salário de um mês? Tem que apresentar a reserva do bilhete de avião? E pelo visto ainda paga 120 euros, que são 1200 lecas, e mesmo com a carta do residente de Angola, a reserva, aquela massa toda e ainda requisitos burocráticos da treta (com que então "preenchido sem rasuras"), ainda depende da aprovação do visto? U lá lá, olha quem, olha quem. Não me lembro de terem sido exigidas todas estas formalidades aos milhares de refugiados que Portugal recebeu, muitos deles sem sequer um documento que comprovasse a sua identidade. Será que o tal Edson Chipenda levou com ele 200 dólares para cada dia que ia passar em Portugal? Nem 20 euros devia levar para o CC Vasco da Gama, onde foi fazer aquele alarido todo, o pateta. Mas não é disto que estamos a falar, nem de quantos brancos frequentam os hotéis de luxo nesses países, pois aí podiamos levantar questão dos ditadores africanos, casos de Mobutu Sessesseku que tinha casa em Portugal, ou de Robert Mugabe, que num assomo de consolidação do seu poder, expropriou os fazendeiros brancos, quando durante 20 anos em que a vida lhe corria nunca lhe tinham feito grande diferença. Mas é de "racismo" que estamos aqui a falar, certo? Então passemos à frente.

O que se entende por "minorias" não tem a ver necessariamente com o menor número de pessoas. Interessante, esse argumento, mas seria ainda mais interessante se arranjassem outro nome para designar essas "minorias que não estão em menor número", e segundo o meu caro leitor que se deu ao trabalho de comentar (e eu devolvo a simpatia respondendo) estas minorias podem ter a ver com "poder de compra, poder de acesso a serviços, poder de tomada de decisão, poder de intervenção, e por aí fora". Quanto ao "por aí fora" não digo nada, mas não tenho quaisquer dúvidas que Portugal é, felizmente, um dos países que menos liga a origem, etnia ou cor da pele na hora da atribuição destas valências. O país está em crise, não é de hoje, e se quisermos combinar as noções de "minoria número" e "minoria" nos outros atributos que refere, ficamos com os ricos, que são realmente muito poucos, e não se queixam de não lhes sobrar dinheiro no fim do mês.

Se me quiser tentar convencer agora que um cidadão excluído, marginal, toxicodependente, institucionalizado, ou que sofra de qualquer outro mal social, tem o mesmo direito às mesmas oportunidades que outro completamente integrado na sociedade, seja qual for a côr da pele de cada um deles, discordo completamente. Um cidadão excluído pode procurar os meios de se reintegrar na sociedade, e esses existem, agora pode é ter mais ou menos acesso a eles, e em muitos dos casos, pode nem sequer estar interessado. Recordo-me de alguns episódios de confrontos entre as autoridades e alguns residentes de um bairro de lata que se recusavam a sair para habitações sociais com muito melhores condições porque não estavam dispostos a largar o "labirinto" onde viviam e levavam a cabo as suas operações "comerciais" ilegais, mudando-se para uma zona urbanística de acesso mais fácil à polícia. E repare que nem estou aqui a mencionar a nacionalidade ou a côr da pele dessas pessoas, que caso não tenha percebido, é o que menos me interessa.

Finalmente, para que fique claro que o comentário do meu caro anónimo prova mais uma vez que o SOS racismo não vive sem o "racismo", a questão da "igualdade", aquilo que o meu amigo designa por "mesmas circunstâncias". Peguemos no exemplo de dois cidadãos "com o mesmo CV", um branco, e o outro preto, que concorrem a uma vaga de emprego. Aqui entra a lenga-lenga do velhote, do rapaz e do burro, que não conseguem contentar todas as partes, quer vão ambos montados no asno, apenas um deles, ou nenhum - se não conhece procure conhecer. Neste caso particular se a pessoa que decide quem ocupa a tal vaga for branco, e escolher o branco, o candidato excluído tem como opção ir a correr ao SOS Racismo, e tanto a entidade empregadora como o candidato escolhido ficam, qual é o termo científico? Ah já sei: "na merda". Caso escolha o preto, e o branco quiser fazer queixa no SOS Racismo, é acusado de "racismo", pois não foi capaz de aceitar que alguém com uma côr da pele diferente da sua e "com o mesmo CV", fosse escolhido em vez dele. E em qualquer dos casos, o empregador é sempre olhado como um "racista", pois na primeira situação foi declaramante "racista", e na segunda tomou contrariado uma opção politicamente correcta, com medo de se denunciar como "racista". Caso o empregador seja preto, pode escolher qualquer um e nada lhe acontece, e pode até se dar ao luxo de contratar apenas trabalhadores pretos, pois para o SOS racismo, só os brancos são "racistas". SOS o quê? Ah, é por isso, já entendi.

Assim como no caso anterior, também as autoridades precisam de aprender este "jogo do galo rácico" para que não haja lugar a mal-entendidos. Na hora de cascar nos vândalos das claques de futebol que provocam distúrbios nos estádios, ou na tradução do SOS racismo, "jovens em pleno exercício das suas liberdades civis e dispendendo energias próprias da juventude num local público" (essa do "público" parte-me todo) a polícia vai precisar de pedir a todos que não tenham a côr da pele branca, tratando-os por "você", ou em alternativa "suas majestades", para que "por favor se retirem", pois precisam de "encher de porrada os cornos dos restantes". E mesmo assim vão precisar de se "identificar, ostendando a placa com o nome em lugar visível da farda", não vá estar lá algum representante de uma dessas "minorias de risco" que goste de levar porrada (pode ser masoquista, nunca se sabe) e se sinta "excluído", podendo a partir daí apresentar queixa das autoridades por "racismo".

Ainda bem dá o exemplo de "viajar livremente sem questionarem as suas intenções", pois no âmbito da acção do SOS racismo estão aqueles tipos que praticam a religião islâmica ou outra qualquer em que ostentem uma aparência que lembra Osama Bin Laden e seus derivados. De facto ao aparecerem num aeroporto de um país ocidental enrolados num lençol branco, com barba de bode e um naperon de Arraiolos a tapar-lhes a mona, não estão a querer ser o centro das atenções nem nada, que ideia - pelo menos se o plano é que ninguém se meta com eles, isso resulta, mas é capaz que as autoridades aeroportoárias não pensem o mesmo, porque...são racistas? Sim, porque com a desculpa de estarem a "fazer o seu trabalho", violam a dignidade de uma múmia, perdão, "senhora muçulmana" que se recusa a mostrar a face, "por pudor", e é preciso "respeitá-la", mesmo que ela não respeite as normas que foram feitas para todos - porque "está no seu direito". E o tal marido que mais parece o Al-Zarkawi nunca pode ser terrorista, porque é demasiado óbvio que alguém vestido de terrorista seja mesmo um terroristas, percebem? Aprendemos isto nos filmes e nos livros da Agatha Christie. O melhor é revistar toda a gente que esteja vestida de "jeans" e camisola, e cuidado com esses tipos de fato e gravata, que o perigo espreita de onde menos se espera.

E esta se calhar foi a lógica do Edson Chipenda naquele dia: usar "psicologia invertida" com o polícia, como se faz com os bebés quando queremos que nos dêm a chucha e dizemos-lhes "num dá tuta, num quelo". Vindo com a sua "posse", correspondendo exactamente (ou muito próximo) à descrição dos mesmos jovens que causaram distúrbios naquela tarde, e se o polícia o impediu de entrar, "agiu mal" e "foi racista". Porquê? Ora, se já tinha acontecido com jovens correspondendo à aparência do Chipenda & Lda., não ia acontecer novamente. Ora bolas, seus "racistas". Se eu tiver um comportamento irregular, e estiver a parodiar-me em frente a dois agentes, usando nada mais do que uma gabardine por cima do corpo, olhando para um lado e para o outro, metendo ocasionalmente as mãos nos bolsos, é "normal", pois seria demasiado óbvio que eu seja um tarado, um violador, um agarradinho ao "crack" em plena ressaca, e o máximo que os agentes podiam fazer era perguntar se eu preciso de ajuda: "precisa de boleia, sr. engenheiro?". É assim, estamos todos a brincar à "igualdade", e aprendemos que suspeitar de alguém apenas baseando-se na aparência, é "racismo". Pois...

É aqui que reside a falácia do SOS racismo: são eles quem mais discriminam, quem mais dá importância às questões da côr da pele, da aparência ou de outro qualquer traço distintivo, seja ele étnico ou cultural, que qualquer outra pessoa que apenas olhe e veja fulano assim, fulano assado, um mas baixo, outro mais magro, e consiga distinguir outros pelos seus traços culturais, ou que exibam símbolos que o identifiquem com uma religião específica, tudo mais. O que o SOS racismo pede é que todos sejam tratados por igual.

- Mas somos todos iguais?

- Sim.

- Como os estrumpfes ou quê?

- Não, somos todos diferentes, também.

- Mau...

- Iguais na diferença.

- Ah...quer dizer, somos diferentes, e nisso somos todos iguais!

- Exactamente!!

- Mas os irmãos gémeos são iguais, então?

- Não são exactamente iguais, e mesmo que na aparência sejam idênticos, por dentro são diferentes.

- Quer dizer, se um tiver diarreia, o outro também tem?

- Nada disso, diferentes, pensam de maneira diferente.

- Mas se estiverem a pensar, como é que vamos saber se estão a pensar diferente um do outro?

- ...


Pois é meu caro anónimo, aqui estão mais algumas "absurdidades" para o meu amigo se entreter a resolver. Porque responder a questões, já se sabe que não é consigo, mas para complicar, temos sempre o SOS racismo.

B'nôte.



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