segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A bomba Ung


Buenas noches! Lembram-se de um tal Ung Choi Kun? Não? Pensem lá melhor, é aquele velhote estrábico que foi deputado à Assembleia Legislativa em dois mandatos, entre 2005 e 2013. De que orgia maluca saíu tal criatura? Das eleições directas. Não, a sério, ele foi eleito como nº 2 da Associação dos Cidadãos Unidos de Macau, de Chan Meng Kam e os gajos de Fujian, e agora já se lembram? Ainda não? É aquele que ia com Chan Meng Kam bater à porta dos apartamentos do Porto Exterior, à caça de pensões ilegais, isso diz-vos alguma coisa? Embirrava de vez em quando com a TDM, e uma vez criticou o canal público de televisão por não ter feito uma cobertura intensiva do terramoto de Sichuan, em 2008. Bolas, não me digam que não se lembram do deputado que uma vez foi eleito o segundo menos popular do hemiciclo, e destacava-se pelas suas intervenções assaz oportunas, em defesa das massagistas das saunas, e contra a calçada portuguesa, coisa "pouco patriótica" ou numa que o imortalizou, queixando-se contra o teste de admissão na advocacia, por ser "demasiado difícil", e alegando que a Lei Básica "defende o direito dos residentes escolherem a sua profissão - mesmo que não "pesquem patavina" do ofício. Depois do presidente da Associação de Advogados ter sugerido que o deputado "não conhecia a Lei Básica", o seu colega de bancada Chan Meng Kam reagiu, dizendo que Ung não era nenhum estúpido, e que "tinha lido a Lei Básica". Era um fartote, o velhote, que no ano passado pendurou as chuteiras legislativas, dando lugar aos novos, nomeadamente Si Ka Lon e Song Pek Kei - e desconfio que esta última deve ser sua afilhada, a quem transmitiu parte dos seus vastos "conhecimentos".

Agora que já sabem quem é, passemos ao que interessa: o velho é uma besta. Não sei se por sede de protagonismo pelo facto de já não ser deputado e não aparecer tantas vezes na televisão, ou simplesmente porque sofre de demência (inclino-me para esta hipótese), Ung Choi Kun foi hoje demonstrar que quem sabe nunca esquece, e depois de mais de um ano sem aturar os seus disparates, veio-nos trazer um "concentrado" dos mesmos, para que possamos matar saudades e ficar com o armário cheio durante uns tempos. Esta tarde algum idiota lembrou-se de lhe passar um microfone para a mão durante uma reunião da Associação Comercial de Macau, de que Ung é membro de direito na condição de presidente das Associações de Fomento e Desenvolvimento Predial (oh, oh), e o tipo lembrou-se de uma muita boa...merda: e que tal usar a Lei relativa à defesa da segurança do Estado para impedir a organização do referendo civil, aquela pedra no sapato do Executivo e "coincidentemente" do sector empresarial, como Ung acabou de provar com a sua boca de "apa-fede"? É isso mesmo, pá! Vamos pegar na lei que o artº 23 da Lei Básica deu à luz e baptizou de Lei 2/2009, que garantiram a pés juntos que não ia interferir nas liberdades de ninguém, e "fritamos" os putos antes que eles nos estraguem o esquema, que tal?

Não sei se a distinta plateia, onde podemos ver na condição de incognito o internacional chileno ao serviço dos ingleses do Arsenal, Alexis Sanchez, concordou com a ideia. Se calhar até dava jeito, pois o referendo que anda aí desde ontem qual ratazana no galinheiro ainda é só uma parte do rastilho; esperem até à divulgação dos resultados para assistir a uma exibição de fogos de artifício nunca antes vista por estas bandas. Não é que Ung Choi Kun seja exactamente um génio, longe disso, e há quem já se tenha lembrado deste "truque", o problema é que seria o mesmo que resolver uma rivalidade bairrista largando uma bomba de neutrões no bairro rival. Mas Ung Choi Kun pintou a manta, e como já tem 67 anos, uma idade boa para se começar a "kagar & andar" nos que vêm depois, e justifica a sua "preocupação" com os efeitos do referendo - que recordemos não são nenhuns, na prática, e esta ginástica que tem sido fazer do não previsto um imprevisto que não sendo legal é ilegal, tem sido o cabo dos trabalhos. Lei da Segurança do artigo 23? Se em 25 de Maio tivemos 10 mil e foi o que foi, como seria se tivessemos 100 mil?

Mesmo assim o ex-deputado recorda que por causa desta treta dos referendos "muitos países se separaram da sua pátria original", tornando-se assim "independentes". Os velhacos! Quem é que nos dias que correm ambiciona à auto-determinação, podendo tomar as suas decisões sozinho e não precisar de depender de ninguém? Ung deu exemplos concretos, casos da Crimeia (?), e das repúblicas que compunham a ex-Jugoslávia, actualmente independentes, como o Croácia, por exemplo. Uma preocupação que pouca gente tem, mas é para isso que está cá o Ung Chou Kun, para nos lembrar: o que seria se Macau resolvesse regressar ao estatuto de nação soberana e independente de que usufruía antes dos piratas portugueses a integrarem na bacia hidrográfica do Tejo em 1557, e depois a ter devolvido em 1999 à China, onde nunca pertenceu? Já imaginaram? Isto requer conhecimentos de História só possíveis de adquirir nas melhores escolas secundárias de Fujian. Não é para qualquer um.

Felizmente na hora de dizer o que muita gente pensou (ou temeu), a responsabilidade ficou a cargo de um pateta, a partir daqui não há diluente que apague a nódoa em cima de uma solução desta natureza. Mas imaginemos que seria como este infeliz propõe, e aqui desta Gibraltar arraçada de Quebeque com um cheirinho a Escócia se lembravam de atirar com o barro da lei da segurança do Estado à parede do referendo civil?

Primeiro passo: ler a lei, e não custa nada, pois são apenas quinze artigos, e destes só sete ou oito falam de qualquer coisa de concreto, sendo os restantes acessórios.

Artigo 1º, Traição à Pátria: os organizadores do referendo são cidadãos chineses, pronto, de uma ou outra forma são mesmo. Se as "tablets" utilizadas ontem são de fabrico estrangeiro desconheço, mas dificilmente poderão ser consideradas propriedade de "forças armadas estrangeiras".

Artigo 2º, Secessão do Estado: Aqui não sei se podemos considerar alguma das perguntas do referendo civil uma forma de "tentar separar da soberania do Estado ou submeter à soberania estrangeira parte do território", e certamente que não foram usados atentados contra a vida ou à integridade física de outra pessoa, mas em termos atentados contra a liberdade pessoal, acho que o galo do outro lado da cerca. Ooops, é melhor não mexer aqui, que tem espinhos.

Artigo 3º, Subversão contra o Governo Popular Central: não tenho visto violência, e mesmo que se possam discutir estes "meios ilícitos graves" de que ninguém se queixou, não se tentou "derrubar o Governo Popular Central". Essa é uma tarefa épica, e para chegar lá nem com mil referendos.

Artigo 4º, Sedição: não, não creio que algum dos elementos da Guarnição em Macau do Exército de Libertação do Povo Chinês tenha participado do referendo civil, e nem podiam, mesmo que quisessem.

Artigo 5º, Subtracção de segredo de Estado: lá tentar, tentaram, mas o Gabinete de Protecção de Dados Pessoais não conseguiu que o número do BIR fosse incluído na categoria de "Segredo de Estado". Se calhar com mais tempo, iam lá.

E o resto são "potências estrangeiras" e não sei quê. A ideia de Ung Choi Kun, ou melhor, a expressão vocal de um expediente em que certamente alguns dos opositores ao referendo já pensou, é um "long shot", e para interpretar isto para causar um efeito dirimente nos organizadores do referendo seria preciso desfiar e voltar a tecer. Candidatos?

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