domingo, 31 de agosto de 2014
O dia D (de Dome) D日(D代表體育館)
Macau, 31 de Agosto de 2014, data da eleição do IV Chefe do Executivo da RAEM. No recinto construído para acolher os Jogos da Ásia Oriental estavam os (quase) 400 elementos que compõem o Colégio Eleitoral que escolhe o dirigente máximo da RAEM para os próximos cinco anos. Enquanto isso um grupo de democratas pertencentes a três associações (uma por todas, todas por uma, sendo impossível determinar quem é de onde) protestavam em frente ao palácio do Governo contra aquilo que consideram "perseguição por motivos políticos). Os pró-democratas organizaram durante a última semana o que ficou conhecido por "referendo oficial", uma espécie de consulta pública com vista a saber a opinião da população sobre o método de escolha do Chefe do Executivo. O referendo tinha duas perguntas, e hoje a organização prometia divulgar o resultado da primeira, bem como os números da participação. Não sendo uma iniciativa ilegal, pois não se encotra prevista na legislação a modalidade de "referendo", coincidia com a eleição do CE propriamente dita, durante as últimas semanas a nomenclatura tentou de tudo para dissuadir os organizadores, desencorajar a população, e já com o referendo em marcha fazer uma "marcação cerrada" aos democratas. Neste protesto simbólico faltou Jason Chao, o promotor do referendo, detido no último Domingo e apresentado ao Ministério Público na manhã seguinte, onde seria indiciado do crime de "desobediência qualificada". Jason Chao seria libertado de seguida com termo de identidade e residência, e não é visto desde quarta-feira. Bill Chou, que liderou o grupo durante as actividades do dia de hoje, diz que o promotor "está a descansar num local seguro", e contou ainda que as autoridades tentaram em vão retirar-lhe os dados dos participantes do referendo, e esses dados foram agora destruídos.
E estes são os primeiros resultados do referendo civil. O total cumulativo de participantes foi de 8688, divididos pelos sectores etários de maiores de 18 anos e maiores de 16. À pergunta "Deverá o Chefe do Executivo ser eleito por sufrágio directo em 2019" responderam que "Sim" 8259 participantes, que "Não" 231, abstiveram-se 189 e outros 9 não responderam à pergunta. Uma vitória esmagadora do "Sim", mas como é possível verificar, o "Não" era uma das opções, ao contrário do que davam a entender os opositores ao referendo.
Duas actividades de protesto levadas a cabo pelos democratas durante a hora de eleição, ambas repletas de significado "simbológico". Em cima, na Ruínas de S. Paulo "chutava-se" a bola do actual método de eleição do Chefe do Executivo, e junto ao Macao Dome, onde Chui Sai On se preparava para ser reeleitos, realizou-se um "Fu Hang Chong" (苦行中) uma cerimónia religiosa chinesa semelhante ao nosso "pagamento de promessas", e reservado a pessoas que "estão a sofrer bastante". Bill Chou diz ter sido uma manobra arriscado levar a cerimónia até perto do Dome, e temia ser detido. Mas hoje o momento era solene, e não houve qualquer detenção.
Enquanto cá fora se "pagavam promessas", no Dome processava-se a eleição do Chefe do Executivo, e há alguns episódios caricatos que gostaria de deixar registados. Dos 400 votos possíveis, Chui Sai On recebeu 380, ou seja, 92% do total. Dos restantes 20 há 14 que se explicam (um deles mais ou menos), e 6 que não consigo entender. Contaram-se 13 votos em branco, o que era apresentado como a única alternativa a votar em Chui Sai On, 3 votos nulos, e 4 membros do Colégio Eleitoral que simplesmente não apareceram. Falta justificada para José Pereira Coutinho como "forma de protesto" pelo método eleitoral, que "não representa a vontade da maioria da população de Macau". Interessante que Coutinho aderido recentemente à causa do sufrágio universal, fica-lhe bem mesmo que não partilhe do sentimento, mas ficava-lhe melhor se tivesse simplesmente recusado o "convite" quando foram eleitos os 21 deputados que fariam parte do Colégio Eleitoral. Quanto aos três nulos e aos restantes três ausentes, não dá para entender, mesmo. Depois de tanto barulho, e do evidente sentimento de desconforto que pairava no ar, a população de Macau é representada na eleição do Chefe do Executivo por três criaturas que não sabem votar, e outras três que se estão nas tintas. Lamentável. Outros dois momentos caricatos: a leitura dos votos, com o nome de Chui Sai On a ser lido...380 vezes. No fim a presidente da Comissão Eleitoral, Song Man Lei, anuncia solenemente o nome do vencedor. Adivinhem quem foi? Pois. Procurei obter algumas reacções, especialmente à primeira "curiosidade", e a maioria das respostas desta minha "consulta" foram: "palhaçada". De facto o processo podia e devia ter sido simplificado. No Telejornal registei ainda as afirmações de Carlos Marreiros, que entra para a galeria dos "cromos" desta novela. O arquitecto disse que "Chui Sai On venceu com mais votos que há quatro anos, o que significa que tem o apoio incondicional da população". Não, não riam, isto é muito triste. Um minuto de silêncio, se faz favor.
E agora a sobremesa. Quem gostou de ouvir 380 vezes o nome do novo que é mesmo Chefe do Executivo (assim de certeza que não se esquece) é o director do Jornal Tribuna de Macau, José Rocha Dinis, que é a única pessoa que conheço que tenta sempre exceder-se na sua função. Qual? Ahh...hmm...esta, pronto. Ora bem, JRD começa por congratular o Dr. Fernando pela vitória, passando depois a apresentar o vencedor, numa pequena nota introdutória, e assim ficamos a saber quem é. Obrigado. A seguir fala da transparência com que decorreu a eleição, dentro da legalidade, como na lei, e tal, presidido...ahhh..desculpem foi só um bocejo. Não interessa, adiante. Depois comenta os resultados, manda uma "boca" a Pereira Coutinho e passa ao referendo civil. Perdão, o auto-denominado referendo civil, que para ele é um "inquérito online", que ainda por cima foi sem preservativo: não houve controlo em nenhuma das fases. Que chatice. Aí também apresentou os números, perdão, aos auto-intitulados números, e conclui dizendo que "há quem ache que abriram a porta a uma nova vivência democrática". Não sei quem disse isso mas sei duas coisas: 1) o director do JTM foi quem mais falou do referendo civil, de entre todos os media portugueses, e 2) A previsão dos 98% falhou, pois o "Sim" ganhou com 95%, e limpinhos, limpinhos foram os 92% de Chui Sai On no Macau Dome. Como era o mesmo o título do editorial no outro dia? Ah, já me lembro: "Falta de unânimidade é útil para Macau". Rocha Dinis termina com um incentivo ao Chefe do Executivo, dizendo que há muito por fazer, e que é dele que "se esperam as respostas". Bem, se não for ele, pode ser que seja o Vong Hin Fai a responder, não?
Boa tarde, o Chefe já chegou?
Chui Sai On foi reeleito Chefe do Executivo da RAEM, numa eleição realizada no Macau Dome onde era único candidato e recebeu 380 votos do total de 400 membros do Colégio Eleitoral. A eleição ficou marcada polémica realização do "referendo civil", nome dado a uma consulta popular realizada por algumas associações do campo da pró-democracia, e que visava recolher opiniões exactamente sobre o método de eleição do Chefe do Executivo. Isso fica para depois, e olhemos portanto para quem vai dirigir os destinos do território nos próximos cinco anos, até 2019. A expectativa era enorme há cinco anos, e volta a ser enorme agora, mas com carácter de urgência. Mais importante do que olhar para os cinco anos que temos pela frente, o que seria um exercício de futurologia, convém analisar antes o que ficou para trás.
O primeiro mandato de Chui Sai On fica marcado por uma espécie de hiato governativo, que não tendo sido exactamente intencional, acabou por surtir efeitos negativos. O III Chefe do Executivo teve o mérito de não ter cometido erros graves, mas isso foi ao mesmo tempo o seu maior defeito: parece ter havido primeiro hesitação, depois demora, e no fim adiamento - mais cinco anos para se fazer o que não feito nos cinco anteriores e o que vai ser preciso fazer até 2019. O Chefe agora eleito foi Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura no I e II Executivo da RAEM, ambos liderados por Edmund Ho, um líder consensual, que teve um desempenho praticamente imaculado durante o seu primeiro mandato, demonstrando uma capacidade de liderança extraordinária perante os desafios que uma região jovem com o ónus da inexperiência teve que enfrentar: primeiro a pneumonia atípica, ou SRAS, e depois a liberalização do sector do jogo. Ambos os desafios, o primeiro uma epidemia, e o outro um importante passo no futuro do território, que lhe poderia garantir, com a ajuda da R.P. China, uma confortável almofada financeira.
Reeleito sem oposição, Edmund Ho era tido como um "mestre" na arte de concretizar o segundo sistema idealizado por Deng Xiaoping para Hong Kong e Macau, mas os problemas começaram a surgir logo após o escândalo de corrupção envolvendo o Secretário para as Obras Públicas e Transportes, Ao Man Long, estávamos em Dezembro de 2006. O ano de 2007 foi extremamente complicado, com a popularidade do CE a descer vertiginosamente, e em Maio, no Dia do Trabalhador dava-se o primeiro sinal de alarme. Existia uma "sombra negra" sobre o Executivo, uma convicção de que Ao Man Long era o ponta do novelo de um esquema de enriquecimento ilícito muito maior. A chegada dos americanos pode ter gerado empregos, e a política de vistos individuais levava aos novo casinos do território os jogadores, mas a sociedade parecia cada vez mais desumanizada, presseguindo apenas o lucro, e a inflação começava a tornar-se um problema novo, pelo menos em dimensão. Talvez atentendo a esses dois aspectos, Edmund Ho junta-os e avança com uma política que chamou de "distribuição da riqueza", atribuindo a cada residente um cheque anual inicialmente no valor de cinco mil patacas, como "medida para aliviar os efeitos da inflação". A oferta foi bem recebida pela população em geral, mas pecava por falta de sustentabilidade - não resolvia os problemas essenciais. Feita esta fuga para frente, anunciada exactamente em vésperas de mais um Dia do Trabalhador, passou-se ao mercado imobiliário, e se o preço da habitação começava a tornar-se preocupante para quem não tinha casa própria, foi um "eldorado" para quem tinha mais que uma.
Chegamos a 2009, ano de eleições para a Assembleia Legislativa e para o Chefe do Executivo, que já não seria Edmund Ho. Apesar da política dos cheques ter tido continuação em 2008 e nesse ano, era visível que faltava cumprir algumas promessas constantemente adiadas. A habitação económica demorava a chegar ao mercado, "injectando" um número de fogos que travasse a especulação imobiliária, a necessidade de um segundo hospital público, identificada praticamente desde o início do primeiro mandato, era cada vez mais notória, e dentro da Administração existia uma cisão e um desgaste desde o caso Ao Man Long, com departamentos a "isolarem-se" e outros a encontrar problemas de comunicação, e muitos funcionários públicos iam saindo para os casino. Fechado em copas, o Executivo pensava no que fazer, enquanto cá fora avança-se com o nome de Ho Chio Meng para futuro Chefe do Executivo, o que poderia levar a uma mudança de um sistema mais centrado na economia para outro mais "administrativo", e teoricamente dando mais garantias do cumprimento escrupoloso das leis. É aí que se avança com o nome de Chui Sai On, que lentamente vai ganhando consenso, e acaba por ser esse o sucessor de Edmund Ho. Depois de dois anos terríveis para o II Executivo, podia ser que uma mudança de elenco dentro da continuidade fosse a solução. Houve quem levantasse dúvidas, pois Chui Sai On tinha sido durante dez anos responsável por uma tutela que ficou ligada à organização de eventos desportivos que deram origem à construção de infra-estruturas feitas sem muita atenção aos orçamentos, e a partir daí entraram para o anedotário local os famosos "orçamentos excedidos" - só nos Jogos da Ásia Oriental foram 162%.
Apesar de tudo, Chui Sai On seria eleito sem oposição, o que era considerado um tanto ou quanto estranho, atendendo à insatisfação, que ganharia força nas eleições de 2009 para a AL, onde os democratas conseguiam três mandatos e os operários dois, sendo as duas forças mais votas. O último acto de Edmund Ho como Chefe do Executivo foi a nomeação dos sete deputados da AL pela via indirecta, e seria com essa composição no hemiciclo que o novo CE teria que trabalhar. Inicialmente introduziram-se algumas novidades, com a criação da figura do porta-voz do Executivo, cargo de que Alexis Tam ficaria encarregado, e algumas alterações cirúrgicas. Primeiro para o lugar de Secretário da tutela que havia deixado vaga entrou Cheong U, vindo do CCAC, entrando o juíz Vasco Fong para Comissário no combate à corrupção - uma decisão estranha na altura, pois Vasco Fong teve uma actuação desastrosa um mês antes, como Comissário Eleitoral para as eleições da AL. Dos restantes secretários nada mudou, e a outra alteração teve a ver com o Instituto Cultural, que passou a ficar a cargo de Ung Vai Meng, uma mudança bem recebida (Heidi Ho aparentemente "eclipsou-se"). Esperava-se um pouco mais, e já então se falava na divisão de algumas pastas e a entrada de novos secretários, o que nunca chegou a acontecer, e seria mais tarde fácil perceber porquê.
Mesmo desde o início, quando gozou um "Estado de graça", era perceptível que Chui Sai On era menos pró-activo que o seu antecessor. Enquanto Edmund Ho era filho de Ho Yin, líder da comunidade chinesa desde o pós-guerra até aos anos 80, altura do seu falecimento, e o próprio Ho foi deputado na AL durante vários anos, Chui Sai On era filho do construtor Chui Tak Seng, próximo de Ho Yin e Ma Man Kei na Associação Comercial, mas o filho tinha pouca experiência nos meandros da política, e foi durante o período da transição director de uma escola secundária. Dos problemas que iam ficando por resolver, alguns acentuavam-se, e outros novos apareciam - ou passavam de incómodo a problema. Os primeiros tinham a ver com a inflação e sobretudo com o imobiliário, e ficou famosa a declaração do CE de que "o governo não deve interferir no mercado" - leitura algo esquisita, pois o que se pedia realmente era um papel moderador. A habitação económica e social, uma promessa antiga, foi finalmente concretizada, mas timidamente e sem efeitos na especulação. O trânsito passou a ser outra dor de cabeça, com a recém-criada DSAT a tornar-se rapidamente o departamento mais inapto da Administração, e o serviço de táxis passou a ser controlado por uma espécie de máfia, que deixou a população apeada, ou dependendo do serviço de autocarros. Aí também se deu uma "bronca", com a Reolian, uma nova concessionária que muitos consideraram "desnecessária" a iniciar as operações em 2009 e a falir pouco mais de três anos depois. Alexis Tam e Ung Vai Meng desiludiam, deu-se o caso das campas, e a partir daí os dois anos finais de Chui Sai On seriam de pesadelo.
A partir de 2012 passou a ser evidente que Chui Sai On não enfrentava de frente os problemas, e se no início isto parecia algum laxismo, um "não mexer para não estragar", isso começou a ficar menos claro à medida que o sector empresarial ia ganhando mais força. Nas eleições para a AL em 2013 o eleitorado parece dar um sinal a esse sector de que confiava no estímulo da Economia como solução para os problemas, e para ajudar nomeia sete deputados todos com ligações aos grandes grupos económicos do território, e ficava-se com uma força de bloqueio reduzida a 4 deputados de fora do sector empresarial. Isto não só não ajudou a resolver nada, como ainda complicou mais as coisas. Julgando ter juntado o controlo da economia ao da sociedade, os empresários ganham "asas", e o inconstante Fong Chi Keong dá uma entrevista em Outubro assumindo que os residentes de Macau estavam nas suas mãos. Chegados a 2014, ano de eleições, e na nomenclatura tudo parecia preparado para reeleger Chui Sai On em Setembro, quando surge o maior de todos os problemas: o problema político. Em Fevereiro, logo aqui ao lado em Hong Kong, os democratas ameaçam paralisar a cidade com o movimento "Occupy Central", e aqui em Macau iam ganhando força depois da derrota eleitoral seis meses antes, e aguardavam mais um deslize do Executivo. O deslize aconteceu em Maio, e depois foi o que se sabe. Falou-se de "perda de confiança" da parte de Pequim, na possibilidade de "outro candidato", mas nos bastidores tudo parece ter ficado resolvido, e hoje Chui Sai On ganha mais cinco anos.
É evidente que toda a gente quer que Chui Sai On faça um bom trabalho, mas sobretudo que o faça, e bem ou mal logo se vê. Os acontecimentos dos últimos três meses deixaram muitas feridas abertas, nomeadamente a dificuldade da nomenclatura em lidar com as crises, e a forma arcaica como ainda afasta o diálogo com a oposição, tabelando todos pelo mesmo: são subversivos e a soldo de potências estrangeiras. Esta concepção serviria que nem uma luva caso os problemas da população fossem atendidos, mas não sendo fica difícil ignorar outras vozes, quando as vozes de comando não se ouvem. A última fase do primeiro mandato de Chui Sai On revelou o seu pouco à vontade com a confrontação, não se sabe muito bem o que pensa para lá dos discursos oficiais, não contacta com a população, e mesmo durante a sua campanha pareceu desfazado da realidade, sempre debaixo da asa do seu mandatário Vong Hin Fai, deixando inclusivamente escapar uma expressão de admiração pela quantidade de gente que encontrava nas ruas. Uma vez que do seu programa não consta nada de concreto sobre a reforma política, manteve o mesmo elenco por "falta de alternativas" (leia-se "alternativas de confiança"), e tudo o que de materializável se pode encontrar ali é mais habitação económica, dou-lhe uma sugestão: oiça David Chow. De todos os conselhos que ouviu o dele (coreografado ou não) foi de longe o melhor. Os olhos vão estar todos postos em si, e vai ser necessário um "tour de force" para levar a cabo tudo o que ficou por favor. E já agora boa sorte, que também vai ser preciso.
Como estou? Mal, e sabe porquê?
O Dr. Jorge Neto Valente é para mim uma pessoa merecedora dos maiores encómios, sempre foi. Não o conheço como pessoa, não sei como é o seu carácter, não me interessa se fulano gosta dele, ou se outrano o detesta, ou sicrano o bajula, e muito menos me interessa o seu passado, se é um anjo, um demónio, um bom samaritano ou um patife, o que fez ou o que deixou de fazer. Julgo ter trocado uma ou duas palavras com ele numa ou noutra ocasião, mas dá a entender logo à primeira impressão de que se trata de um cavalheiro e um homem educado. Cumprimenta-me sempre que me cruzo com ele, o que só por si já o distingue de outros da sua classe que pensam ser "elegante" não se recordarem das pessoas que "não interessam", pergunto-lhe como tem passado, ele idem, e isto mesmo duvidando que ele saiba o meu nome, quem sou eu ou o que faço - e nem precisa de saber, pois aqui a figura pública é ele. É nesse papel de figura pública, nomeadamente como causídico e presidente da Associação de Advogados de Macau (AAM), onde tem dignificado a presença portuguesa no território depois da passagem para a Administração chinesa, e penso que muita gente concorda comigo quando digo que o Dr. Jorge Neto Valente faz-nos falta na posição onde está, de uma espécie de baluarte do segundo sistema, da jurisprudência, do Direito de matriz portuguesa que tem salvaguardado de interferências que o poderiam colocar em xeque, assim como ao nosso modo de vida e pleno gozo das liberdades expressas não apenas na Lei Básica, mas em toda a legislação vigente no território, que a bem ou a mal, é tudo o que temos como garantia. Ou será que é mesmo assim? Se ele me perguntasse hoje como estou, respondia-lhe "mal". Não precisava de lhe dizer porquê, e penso que muito boa gente terá hoje ficado com alguma "azia" do "banquete" que nos foi sendo oferecido a contragosto durante toda a semana, mas como dizem que faz bem desabafar, aqui vai. Com a devida vénia.
Não vou discutir Direito com o Dr. Jorge Neto Valente, pois isso para mim seria suicídio - metaforicamente, é claro, do ponto de vista argumentativo. O melhor mesmo é ser claro e deixar tudo muito bem explícito, que na letra, quer no "espírito". No outro dia conversava com um estagiário seu e dizia-lhe "sim senhor, parabéns, o Dr. Jorge Neto Valente entra sempre em qualquer partida já a ganhar por um a zero". Penso que não é necessário dizer que esta afirmação pode ser mal interpretada por alguns, aliás é mais passível de ser entendida dessa forma, mas naquele momento o meu interlocutor entendeu muito bem o que eu queria dizer, lendo na minha expressão o respeito e até algum orgulho quando me referi ao seu patrono. A verdade é que o Dr. Jorge Neto Valente tem uma experiência, uma sabedoria e um senso-comum ímpares, e é quase impossível fazer melhor que ele naquilo que ele sabe fazer melhor (bonito oxímoro, este que inventei mesmo agora). Contudo hoje, dia 31 de Agosto do ano da graça de 2014 foi o dia em que me desengracei com esta figura que tanto admiro. Devia dizer antes "admirava"? Não sei ainda, fiquemos por "admiro", pois o que me desagradou não foi o lado do Dr. Jorge Neto Valente que eu conhecia, foi o outro lado, o lado que não é o do jurista, do advogado ou do presidente da AAM.
Nesta semana que passou, e entendamos aqui semana pelo período dos últimos sete dias, assistimos em Macau a um sem número de acontecimentos inéditos, quer na história recente, desde a criacção da RAEM, quer da antiga, antes da transferência de soberania. Certo, pode ser que alguém venha com algum exemplo de algo de atroz ocorrido há 20, 50 ou 100 anos, mas certamente que não se terá passado à revelia de tanta coisa que dávamos garantido mas que afinal parece não ser bem assim. Aquilo a que assistimos, basicamente, foi a uma distorção do sistema, a um conjunto de interpretações tão vis, tão torpes e tão denunciadas que nem é preciso ser jurista para perceber que "aquilo não é assim" - ou se é, então estamos bem arranjados. Em vez de sete dias digamos nove, nove dias a contar sa sexta-feira, dia 22, quando algum "génio da lamparina" desencantou um artigo de uma norma jurídica abstracta como o da Lei da Protecção dos Dados Pessoais, e subverteu-o para a norma imperativa como propósito de servir um fim político: eis uma daquelas coisas que eu imaginava fazer o Dr. Jorge Neto Valente subir pelas paredes furioso. Mais sete dias negros, tivemos detenções que noutras jurisdições seriam consideradas arbitrárias, uma acusação de crime tão grave como o de desobediência qualificada e cuja medida de coacção foi a mais leve, e ainda ontem mais uma subversão do Código Penal que levou à detenção de duas pessoas por um período superior a 24 horas, e tudo isto envolvendo polícia, directores de serviços, juízes, enfim, uma lama para onde tudo e todos foram arrastados. Entendi o silêncio do Dr. Jorge Neto Valente como tácito, e seria sensato da sua parte, dadas as circunstâncias, mas hoje esse silêncio foi quebrado, e tudo o que ele tem para nos dizer é: "obedeçam às autoridades".
Se o Dr. Jorge Neto Valente me estiver a ler (não sei se tenho a honra, mas se for para lhe contarem preferia que lesse pessoalmente) certamente estará a pensar: "Mas porque raio havia eu de me pronunciar quanto à legalidade disto ou daquilo se quando tudo o que me perguntaram foi o que pensava das detenções". Exacto, e é por isso que eu admiro o Dr. Jorge Neto Valente, que é um exímio jurista e como tal entende o espírito da lei, mas não espírito da pergunta que lhe foi feita. E não, não se devia pronunciar especialmente atendendo ao espaço e ao tempo onde se encontrava situado, e quem sabe, se estiver para aí virado, nos venha um dia brindar com pérolas de sabedoria em relação à sua perspectiva jurídica dos incidentes que marcaram o final de Agosto de este Verão que tem sido quente. É por demais evidente que o Dr. Jorge Neto Valente não simpatiza com os democratas do Novo Macau, e isso ficou patente desdos os tempos da Assembleia Legislativa, aquando das suas inflamadas discussões com o deputado Ng Kwok Cheong. Deixe-me dizer-lhe uma coisa: se pensa que eu sou um grande adepto deste tipo de chincana política ou simpatizante do Novo Macau (como "case study" são uma delícia, confesso), não sou, de facto, mas aqui entre nós, o que mais lhe aborreceu a si e a muita gente foi eles terem deixado exposta a fragilidade do sistema, diga lá se não foi? Aceito que esteja "farto" destas pessoas que insistem em atrapalhar o funcionamento das instituições. Compreendo, acredite. Mas se quiser saber o que eu penso, prefiro que as instituições não funcionem do que funcionem desta forma. Se pensa que os democratas, essa nódoa no lençol branco da "harmonia" gostam de ser presos, fazem de propósito, e como tal "já tinham cartas preparadas" para entregar a associações de direitos humanos, deixe-me fazer-lhe esta pergunta: quem gosta de estar detido? Sabia que um dos dois activistas detidos no Sábado um deles tem 19 anos? Se já tinham cartas escritas, ainda mais grave se torna, pois sabiam que o sistema ia claudicar e detê-los sem acusação válida ou baseada em pressupostos facilmente desmontáveis. Esse é o papel deles, é isto que eles fazem? Permita-me que o cite: "isso é outra conversa".
Tanto eu como o Dr. Jorge Neto Valente sabemos muito bem que aqui não se deu nenhuma falência do segundo sistema, como alguns apregoam. Tanto eu como o Dr. Jorge Neto Valente sabemos que depois disto não nos arriscamos a que alguém venha buscar seja quem for a casa de detê-lo sem mandato e sem acusação formada. Tanto eu como o Dr. Jorge Neto Valente como grande parte da população de Macau já viu este filme, e toda a gente sabe que o peso e a medida para quem se mete nestas altas cavalgadas da dissidência e do activismo político, quem se opõe abertamente ao regime, é diferente de quem se porta bem ou apenas manda de vez em quando umas "bocas", ou refila nos blogues como eu, que sei até onde vai a corda que estou a esticar. Mas e então o que é suposto pensarmos daquilo que ficou expresso, preto no branco, nas leis que nos diferenciam do primeiro sistema e em que fomos ensinados (ludibriados?) a acreditar, e que fica sempre tão bem nos discursos oficiais? Se os democratas têm uma agenda maligna, era interessante que nós, que só vemos aquilo que nos dão ver, ficássemos a saber, para entender melhor tudo o que se passa à nossa volta. Se as tais garantias do segundo sistema são um logro, e não é suposto levá-las a sério, seria ainda mais útil, pois assim saberiamos com o que contar. É que não é tão definitivo como o Dr. Jorge Neto Valente afirma, que no caso de as autoridades agirem mal temos a possibilidade de contestar; meses de processo, litigação, adiamentos e todo o resto que o Dr. Jorge Neto Valente conhece bem não são nada quando já se passaram um ou dias na cadeia, e agora com o "jeito" que se tem para dar a volta ao texto, e ao espírito, convém lembrar o espírito, muito importante, da lei, pior fica. E é por isso que estou mal, olhe, desculpe, que eu sei que essa pergunta "como está" é meramente retórica, e que é suposto eu responder apenas que "estou bem, obrigado" e ir à minha vida. Portanto desculpe ter feito perder o seu tempo, e já agora deixe-me que lhe devolva a pergunta: "e você, como está?".
Quanto mais conheço as pessoas...
...mais gosto do meu cão. Esta é uma frase atribuída a Blaise Pascal, matemático, médico, pintor, inventor, canalizador e filósofo do século XVII, que cunhou outras frases que se tornaram imortais, como "O coração tem razões que o coração desconhece" (desconfio que "roubou" esta de Camões", e "Escrevi esta carta longa porque não tive tempo de a fazer curta". Genial, o tipo, e gostava mais do cão dele do que das pessoas. Não o censuro, as pessoas são em geral uma merda, e parece que esta preferência fez escola, pelo menos a julgar pela página Direitos dos Animais, do Facebook.
Eu adoro animais, nos dois sentidos: gosto de comer os que se comem, e de me armar aos cucos com os outros (por "cucos" não quero dizer as aves com o mesmo nome, obviamente). Simpatizo com as associações e pessoas que em nome privado lutam pelos direitos dos animais - e lembremo-nos que em Macau não existe uma lei que os proteja contra a crueldade das pessoas - e sem dúvida que o mundo seria muito melhor se todos os seres vivos com sentimentos não fossem agredidos estupidamente, e tantas vezes sem razão nenhuma. Posto isto gostava dizer que a minha simpatia com os animais se resume a isto que ainda agora deixei expresso, e sou contra todas as espécies de fanatismo. A página Direitos dos Animais é fértil em fanáticos que entenderam mal a frease de Blaise Pascal: quem maltrata um animal merece ser castigado, mas não posso concordar que o ponham numa trituradora, que o moam lentamente e antes disso lhe arranquem a pele para fazer um par de pantufinhas e um barrete para o vosso "poodle". Lamento desiludi-los, mas um ser humano que mata um animal, mesmo com crueldade, não merece ser morto por isso. Outra vez, lamento, sei que me vão odiar, mas para mim isso não faz sentido.
A este ponto gostava de referir que esta página é do Brasil, bem como praticamente toda a gente que a frequenta. Temos aqui um caso lamentável, em que um sádico agride brutalmente um cão, batendo-lhe na cabeça com um pau, rapando-lhe o pêlo e queimando-o com um cigarro, antes de o abandonar - isto fazendo fé na descrição de uma das gerentes da página. Desconheço a lei brasileira neste particular, mas não deverá ser muito diferente de outras jurisdições, mas o indivíduo que cometeu esta atrocidade merece ser castigado, sem dúvida. Multa elevada, no extremo pena suspensa de prisão, qualquer coisa que o leve a não reincidir, e podia-se juntar à pena algumas horas de trabalho comunitário num canil ou num abrigo de animais para que se lembrasse do mal que fez. Não concordo é que lhe façam o mesmo que fizeram com o cão, que o mandem 20 anos para a cadeia ou que o matem, como sugere aquele utilizador. Vá lá, é por causa de extremismos deste tipo que muitas pessoas hesitam em apoiar estas causas.
Reparem como a radicalidade sobe de tom, e este é apenas um dos muitos exemplos. Um cão que guardava uma oficina foi morto por dois assaltantes, e os membros do grupo propõem soluções para os castigar; uma apela ao linchamento, acrescentando que "também gostaria de participar", outra queixa-se de terem deixado o cão a guardar a oficina, e por isso "o mundo está perdido", e outra ainda é mais pragmática, sugerindo que os autores do cruel acto "deviam ser mortos", pois caso fossem presos, ela teria que os sustentar com os seus impostos (penso que a lógica e essa), e recusa-se a sustentar "favelados, assassinos, bandidos, drogados, desgraçados". Este é o esquadrão da morte dos direitos dos animais.
E os racionais-irracionais defensores dos somente irracionais não se inibem de marcar o seu território, são o que são. Bom, por muito tentadora que seja a proposta, não vou começar a abandonar ou maltratar animais, não se preocupem. Como vou fazer mal a algo que não tenho?
Mas no fundo eu até os compreendo, pois isto é gente traumatizada que viu muito mal neste mundo - ou mesmo não vendo, gosta de se auto-torturar sabendo desse mal. Reparem nesta tragédia: em Santa Eugénia "havia um terreno baldio onde viviam muitos gatos", e na hora de se iniciar a construção, "passou uma draga que provocou uma carnificina", e no fim "só restaram um gato, duas caipivaras e alguns gambás". Conhecendo a malta do Direitos dos Animais, os responsáveis da construtora Jodif não se vão ficar a rir.
URGENTE! URGENTE! Estão a ver onde quero chegar? Este simpático amigo de quatro patas precisa de quimioterapia. Porquê? Porque "o seu pénis está infectado e com bichos". Ohhh...coitadinho. E por isso "querem abatê-lo", para que "não sofra mais". Boa ideia? Não, nada disso! Contribuam para aquela conta ali em baixo no Banco Itaú, e vão ver que ele sobrevive e ainda fica com uma história para contar aos netos.
Este é um momento de chantagem emocional que, diga-se em abono da verdade, é de génio. Reparem como "alguém" (pode ser ou não o dono) fala pelo animal, diz que se chama "vovó", que "não vai viver muito mais tempo", e que está "renal". Eu sei o que isso é, pois às vezes sinto-me "renal", e é uma chatice, para não falar quando me sinto "hepático". Depois pede paparoca, latas da "hills", peito de frango, enfim, melhor do que muitas pessoas comem. Mas se "não vai viver muito mais tempo", será que vale a pena? É que depois com o tempo que os correios demoram, não sei. Os residentes do Direitos dos Animais acham que sim, e há os outros que rezam, e ainda os que choram, e ainda...
E aí está. Temos desde sugestões dietéticas pós-quimioterapia, muita gente com vontade de contribuir, quer em dinheiro (e não falta a continha bancária, obviamente), géneros, ou simplesmente boa vontade. Pessimistas os que já fazem da "vovó" um "anjinho", quando a cadela ainda está viva - mal, mas viva. Além disso, eu não vos queria aborrecer, mas a Igreja ainda não alterou aquele dogma de que os animais "não vão para o Céu", por muita pressão que o Papa Francisco tenha feito. Ainda tentaram pôr lá os cães a título experimental, mas os bichos corriam atrás dos anjinhos a pensar que eram perús, e no Céu não há jornais, portanto nem foram precisas duas semanas para S. Pedro abandonar os cães num limbo. Vão lá pedir-lhe contas. Olha, e que tal "linchá-lo". Reparem como no fim uma utilizadora sugere que se façam "rifas dos electrodomésticos". Genial, e por mim a minha amiga podia até vender a sua casa! Que tal?
Este tipo de "activistas" dos direitos dos animais, coisa que se saúda e é sinal de progresso encontram-se um pouco por todo o mundo desenvolvido, e não mudam muito de país em país no que toca ao radicalismo com que tratam os cães, gatos, piriquitos e peixinhos dourados melhor que os outros seres humanos - não era isso que Pascal queria dizer exactamente. Como são do Brasil, vou mudar de norma para ver se me entendem melhor: "Aê, seus zés ruelas, suas perua, é assim: cachorro, vive aê, o quê, 14, 15 anos? Algumas raças menos? Éééé...éééé. Escuta aê, agora, você já não pediu essa droga de ter pai, mãe, tia, tio, avô, tudo isso morrendo à sua frente, um saco, ainda quer andar aê chorando morte de cachorro? Ah se liga, valeu? Morou, fui".
Crime de lesa-berço
Uma notícia curiosa, que apesar de não considerar "triste" ou "lamentável", é sem dúvida desagradável. Passou-se ontem à noite em Guimarães, berço da nação portuguesa, e infelizmente teve a ver com esse título que normalmente se atribui àquela cidade minhota. Um grupo de três "jovens" (esta palavra é importante) encontrou a pior forma de "cozer a bebedeira" e foi "brincar" para junto da estátua de D. Afonso Henriques, o Conquistador, primeiro rei de Portugal nascido há 903 anos naquela cidade. Um deles pendurou-se no monumento, e por causa do peso a espada de bronze empunhada pelo rei "matamoiros" partiu-se: "F...-se", terá dito o "jovem". Tanto ele como os seus amiguinhos, outros "jovens" foram identificados pelas autoridades e levados para a esquadra, mas apenas um deles ficou detido, pois encontrava-se na posse da parte da estátua que havia partido. Agora o mais interessante: o "jovem" que está detido tem...26 anos. "Brincadeira de miúdos", alguém terá pensado quando ouviu pela primeira vez a notícia. Com esta idade só consigo pensar num propósito para ter ficado com a espada - adivinhem. Um vimarenense entrevistado a propósito do incidente disse estar "chocado", ainda mais porque "é imigrante" e hoje "ia deixar a cidade onde passou o mês de Agosto de férias", e depois começou a choramingar. Realmente, fosse aquele o D. Afonso Henriques, o original, e tinha cortado os chungas ao meio com aquela espada de cinquenta quilos de peso que ele empunhava como se fosse uma folha de papel. E mesmo que eles não tivessem feito nada.
Ganda jogo, c...!
O Chelsea foi ontem a Goodison Park em Liverpool bater o Everton por 6-3, um resultado que já não se usa, e que diz tudo sobre quão emocionante foi a partida. A equipa de José Mourinho já estava a ganhar por 2-0 aos 3 minutos, graças aos golos de Diego Costa, logo na primeira jogada do encontro, e do defesa sérvio Branislav Ivanovic, mas o belga Kevin Mirallas reduziu em cima do intervalo, deixando tudo em aberto para o segundo tempo. E aí foi uma autêntico "ping-pong", com cinco golos em dez minutos; primeiro foi o defesa do Everton Seamus Coleman, a marcar na própria baliza aos 67 minutos, dando de novo vantagem de dois golos ao Chelsea, mas dois minutos Steven Naismith voltaria a reduzir. Foi preciso esperar cinco minutos para que Nemanja Matic, ex-jogador do Benfica, repusesse a vantagem dos londrinos, e dois minutos mais tarde o camaronês Samuel Eto'o, agora ao serviço do Everton, "vingou-se" da sua ex-equipa, mas nem conseguiu saborear, pois na jogada seguinte Ramires fazia o 5-3. O resultado ficou feito já nos descontos, com Diego Costa a fazer o seu segundo na partida, e quarto na Premier League, em 3 jogos, isolando-se assim no topo da lista de melhores marcadores. O hispano-brasileiro vai justificando o preço que o Chelsea pagou por ele ao Atletico Madrid, e os londrinos lideram com 9 pontos, tantos quantos o sensacional Swansea City. Os galeses somaram a terceira vitória noutras tantas partidas, ao derrotarem em casa o West Bromwich Albion por 3-0.
A grande surpresa desta ronda de Sábado foi a vitória do Stoke City no reduto do campeão, o Manchester City, um resultado que se pode considerar escandaloso. O único golo do encontro foi apontado pelo senegalês Mame Diouf aos 58 minutos. A outra equipa de Manchester, o United, não fez muito melhor ao empatar sem golos no reduto do recém-promovido Burnley. A equipa agora orientada pelo holandês Louis Van Gaal soma dois pontos resultantes de dois empates em três jogos, e todos contra equipas consideradas acessíveis: antes desta partida com o modesto Burnley tinham perdido na ronda inaugural em casa frente ao Swansea, e na semana passada empataram em Sunderland a um golo. Sunderland esse que perdeu em Loftus Road por 0-1, que valeu ao Queen's Park Rangers a primeira vitória da temporada. A equipa de Harry Redknapp partia para esta jornada em último lugar, mas conseguiu subir oito posições, que é também o número de equipas ainda sem vitórias. Duas são Newcastle e Crystal Palace, que empataram a três bolas no reduto do primeiro . O Palace garantiu o primeiro ponto no campeonato graças a um golo nos descontos obtido pelo marfinense Wilfred Zaha. O Southampton estreou-se a ganhar ao surpreender o West Ham em Londres por 3-1, depois de chegar ao intervalo a perder. O francês Morgan Schneiderlin esteve em destaque ao apontar dois golos. A 3ª jornada fica hoje completa com as partidas Aston Villa-Hull City, Tottenham-Liverpool e Leicester-Arsenal.
sábado, 30 de agosto de 2014
A guelra fria
E agora para desanuviar um pouco, deixo-vos com o artigo de quinta-feira do Hoje Macau (edição electrónica não disponível), que parecendo que não, até vem a propósito. Tenham a continuação de um bom fim-de-semana, obrigado pela visita e continuem atentos.
Os leitores da minha geração ou mais velhos recordam-se certamente dos tempos da Guerra Fria, período que os historiadores definem como tendo início em 1947, altura da assinatura do Pacto de Varsóvia, e acabado em 1991, com a desagregação da União Soviética (URSS) e a queda do chamado “bloco de Leste”, ou “cortina de ferro”. A Guerra Fria era assim chamada pelo facto das duas potências beligerantes, os Estados Unidos e a tal URSS nunca terem declarado oficialmente guerra uma à outra, e era consensual que essa possibilidade pudesse causar um conflito termo-nuclear, e consequentemente o fim da humanidade. Perante este cenário nada animador, foi entendido como um “mal menor” que norte-americanos e sovietes intervissem noutros palcos um pouco por todo o planeta, financiando e dando apoio logístico a grupos de guerrilha, patrocinando golpes de estado e assassinatos políticos, e tudo em nome da “ideologia” – foi um mal menor menos para as vítimas destes conflitos, é lógico, e se a Guerra Fria não era propriamente uma guerra, no Vietname, por exemplo, a “napalm” não era propriamente considerada uma sobremesa “fria”. Hoje norte-americanos e russos, os ex-sovietes deste filme, continuam a ser as duas maiores potências militares mundiais, mas apesar da ideologia a menos, continuam a ter capacidade de mandar-nos a todos pelos ares aos bocadinhos – mas pelo menos já não há Guerra Fria, se isso servir de consolo.
Aqui em Macau os 44 anos que duraram a Guerra Fria foram passados sob administração colonial portuguesa, e os efeitos do braço-de-ferro entre Washington e Moscovo tiveram apenas efeitos colaterais. Pode-se estabelecer uma ligação indirecta com os acontecimentos do “12,3” ou com a Revolução do 25 de Abril em Portugal, e desta última saíu o estatuto do território que viria a facilitar a integração na R.P. China. A assinatura da declaração-conjunta coincidiu com a fase terminal da Guerra Fria, que viria a terminar ainda alguns anos antes do “handover”. Com a abertura a que a China foi obrigada devido à falência do marxismo-leninismo à escala global, muitos dos receios relacionados com factores ideológicos foram-se dissipando, e a sua versão socialista de economia de mercado começava a produzir resultados, acompanhados de outras transformações que eram bem recebidas. E assim a transição decorreu suavemente, sem que se confirmassem os receios da imposição de muitos dos males que a China ainda hoje padece, desde a opressão à censura, passando pela inibição de liberdades que sempre demos como garantidas, casos da liberdade de expressão, reunião, imprensa e a associação. Contudo propagou-se um fenómeno que muitos do que optaram por não ficar já haviam previsto: a guelra fria.
A guelra fria, nada tinha a ver com a Guerra Fria, apesar de ter aparecido menos de uma década depois do seu fim, indicando que se poderia tratar de alguma “recaída”. Este “síndroma da guelra fria”, como o nome indica, caracteriza-se por uma falta de sangue na guelra, tornando o peixe outrora fresquinho e vivaço num arenque pisado, fedorento e requisitado pelas moscas. Como pode ser que um salmão que antes trepava saltitante as geladas quedas de água do Alasca, se tenha tornado do dia para a noite num tísico carapau a boiar no Trancão? Simples: por causa da guelra fria. Mas é de gente que falamos e não de peixes, e na verdade não existe um nome científico para a guelra fria. Segundo estudos nunca realizados por cientistas que tinham mais que fazer, a guelra fria não é uma doença; é tudo psicossomático, como a gravidez histérica – dão-se os sintomas, mas nada quem um bom par de estalos não resolva. Apesar de não existir vírus, bactéria, fungo ou protozoário que causem a guelra fria, existem agentes: um activo, e um passivo, ou o “sacana” e o “parvinho”. Sendo psicossomática, um eufemismo para descrever a condição conhecida em linguagem por “com um parafuso a menos”, o seu mecanismo é despoletado por hipnose, reacção a impulsos, ou como neste caso, mera sugestão. Para deixar o “parvinho” em plena crise de guelra fria, tudo o que o “sacana” tem que fazer é dizer: “a China quer assim”, ou “são ordens da China”.
É por isso que a guelra fria é uma psicose característica de Macau, e o seu carácter de unicidade só encontra paralelo no “chu-pa bao” da Rua do Regedor, na Taipa. Para o “sacana”, o parasita da guelra fria, convencer o seu hóspede, neste caso o “parvinho”, a realizar as tarefas mais absurdas ou submetê-lo às maiores humilhações, basta dizer-lhe que “são ordens da China”. Para tomar o “parvinho” como parvalhão completo, enganá-lo, cravar-lhe metade da sandes na hora do lanche, pedir-lhe empréstimos a fundo perdido ou dar beijocas lambusonas nas bochechas da sua filha, basta alegar alguma ligação com a China, ou em alternativa com “o partido” – e nem é preciso dizer que partido é esse. No caso de se darem ordens que vão contra todos os pressupostos estabelecidos pela Lei Básica, ou no caso de testemunhar alguma barbaridade que careça de qualquer vestígio de legalidade, então atira-se com um “a China quer assim”. Quando diz isto, o “sacana” encolhe os ombros e deixas as mãos com as palmas para cima e dá um risinho sarcástico, e o “parvinho”, cabisbaixo, solta um deprimido “oh”, como quem acaba de perceber a mensagem implícita: “faz o que te mando, seu cachorro, ou faço-te a vida num inferno”.
O preconceito que leva à gestação do vírus-fantasma da guelra fria é causado sobretudo por uma tremenda ignorância. O “parvinho”, já com a guelra mais pálida que um fantasma, pensa que caso não obedeça aos delírios do “sacana”, convencido que são “ordens da China”, entram os guardas vermelhos pela sua casa adentro, obrigam-no a vestir um “zhongshang zhuang” ( 中山裝, fato igual ao de Mao Zedong), um quepe com uma estrela de cinco pontas e a marchar ao som de canções patrióticas, de livrinho vermelho na mão, enquanto o “seu dinheiro” (que é sempre menos do que alega ter) é “dividido pelos camaradas”, pois afinal “são comunas”, e o melhor é mesmo fazer “o que a China manda”. Hoje em dia a epidemia de guelra fria está controlada, e restam poucos “parvinhos”, e aqueles que antes eram os portadores assintomáticos preferem adaptar-se, expondo-se à cultura dos micróbios da guelra fria. Assim pode ser que nunca se concretizem as ameaças da China, onde se calhar até se ignora que em Macau se entre nesta histeria à conta destas fantochadas que ostentam o seu nome. Mas pelo menos nunca vão passar por parvinhos. “Ai a China quer? A China manda! É para ontem.”
Da ordem ao caos e ao contrário (e depois mais uma vez)
Escutei esta tarde o programa Contraponto, transmitido pelo Canal português da Rádio Macau, fico contente que estivessem lá estado hoje os "Três Mosqueteiros": Carlos Morais José, Isabel Castro e Paulo Rêgo. Sem desprezar os restantes (e tenho gostado também muito do dr. Frederico Rato, que suponho estar de férias fora do território) são estes três os comentadores que mais gosto de ouvir, e quando se juntam mais interessante se torna o debate. E o momento convida ao debate, sem dúvida, pois encontramo-nos agora numa encruzilhada política (finalmente, política!) de que poderá depender uma parte do futuro de Macau. Digo "uma parte" porque não acredito que esta agitação recente em torno do referendo civil organizado pelas associações da pró-democracia vá mudar algo no essencial, mesmo que depois dos eventos desta última semana se possam levantar algumas questões pertinentes, nomeadamente no que toca à aplicação do segundo sistema na RAEM. É interessante reparar como tanta tinta e tanta saliva se gasta na imprensa em língua portuguesa, e de como os incidentes que começam a levantar sérias dúvidas sobre a eficácia real da Lei Básica, nomeadamente no que toca ao respeito das liberdades e garantias tem causado revolta na comunidade portuguesa - e algumas divisões também - enquanto que para a maioria dos locais continua a ser "business as usual". Mas então o que se passa? Os residentes de Macau de etnia chinesa, em particular os "oumunyan" não querem saber das liberdades e das garantias implícitas ao segundo sistema, e que os distinguem dos seus "compatriotas" do continente, onde vigora o sistema que eles (ainda) tanto desprezam? E mesmo que optem em não se ralar com muito isso, não pensam nos seus filhos, e o que será o Macau de amanhã onde eles vão viver e trabalhar? Claro que se preocupam, mas ao contrário de nós, que somos "vacas refilonas", eles encostam-se ao divã com um balde de pipocas e assistem ao filme, e quando aparecer a palavra "Fim" no ecrã, levantam-se e vão para casa, que amanhã é outro dia.
A chave de todo este "mistério", se assim o quisermos chamar, está aqui ao lado em Hong Kong, onde se fala realmente de política, que se discutem os temas relacionados com a democratização do sistema, apregoado pelos dirigentes, quer os locais quer os do Governo Central, e existem grupos de pressão que fiscalizam o desempenho do Executivo, não lhes dando um palmo de terreno para onde se possa desviar dos compromissos que assumiu em nome da estabilidade governativa. Um dos fenómenos que deixou o Executivo honconguense em cheque e dá enormes dores de cabeça a Pequim é o movimento "Occupy Central with Peace and Love" (和平佔中), criado em Janeiro de 2013, e que ameaçava ocupar o distrito de Central, o coração financeiro de Hong Kong, caso a eleição do Chefe da Executivo da RAEHK em 2017 não fosse realizada através do método do sufrágio universal, "um cidadão, um voto", e as eleições legislativas em 2020 realizadas no cumprimento dos padrões internacionais, ou seja, os da "democracia". O Executivo da RAEHK chamou a atenção para os perigos desta forma de protesto, principalmente quanto aos efeitos que isto poderia ter para aa Economia, e em Pequim soou o alarme - soa sempre, até quando está um grupo de meia dúzia de aldeões a jogar "mahjong" sem autorização do partido. Porreiro, pá, então como é que é? Estes tipos do "Occupy Central" devem ser malucos, uns mauzões com uma agenda sinistra, pagos pelos americanos para derrubar o regime através da criação de um entreposto da democracia ocidental em Hong Kong, e que a partir daí contagiaria toda a China. Por supuesto, mas então porque é que lhes prometeram aquilo que eles vêm agora pedir que se cumpra? Olhemos para o artº 45 da Basic Law, a mini-constituição de Hong Kong:
"The method for selecting the chief executive shall be specified in the light of the actual situation in the Hong Kong Special Administrative Region and in accordance with the principle of gradual and orderly progress. The ultimate aim is the selection of the chief executive by universal suffrage upon nomination by a broadly representative nominating committee in accordance with democratic procedures"Muito bem, então diz-se que o progressivo desenvolvimento do sistema tem como último objectivo a implementação do sufrágio universal, certo? Mas isto pode ser, e pode não ser, e se for, é para quando? A questão foi levada ao Comité Legislativo da Assembleia Nacional Popular em Dezembro de 2007, de onde saíu a seguinte deliberação:
"(...) that the election of the fifth chief executive of the Hong Kong Special Administrative Region in the year 2017 may be implemented by the method of universal suffrage; that after the chief executive is selected by universal suffrage, the election of the Legislative Council of the Hong Kong Special Administrative Region may be implemented by the method of electing all the members by universal suffrage..."Não me posso pronunciar sobre a versão da decisão em língua chinesa, mas em inglês, outra das línguas oficiais de Hong Kong, lê "the election of the fifth chief executive of the Hong Kong Special Administrative Region in the year 2017 may be implemented by the method of universal suffrage". Este "may be" é diferente de "maybe"; este último quer dizer "pode ser" e interpretado acrescentando "...mas é difícil", enquanto "may be" é no sentido de "pode ser, a gente deixa". Só que os anos foram passando, realizou-se em 2012 uma eleição tripartida, com CY Leung a vencer com 57,4% dos votos, vencendo Henry Tang, que obteve pouco mais de 23%, e Albert Ho, o candidato democrata, que obteve apenas 6,3% dos votos. A eleição foi realizada pelo método vigente desde a trasferência de Hong Kong para a R.P. China, com um colégio eleitoral composto por 1200 membros. Os democratas queriam mais.
O movimento "Occupy Central" vem desde Fevereiro ameaçando cumprir a sua intenção de ocupar o centro financeiro de Hong Kong, e nem o aviso das autoridades no sentido de quem seriam presos caso o fizessem os demoveu. Para deixar as suas intenções bem claras, organizaram entre 20 e 29 de Junho deste ano um referendo não-oficial em tudo semelhante ao que se está a realizar em macau nesta última semana, mas com uma diferença: em Hong Kong participaram 730 mil residentes, quase 100 vezes mais do que a adesão ao "referendo civil" de Macau - e recorde-se que a população de Hong Kong é "apenas" 11 vezes a da RAEM. Talvez porque aqui ao lado haja o mínimo de decoro que leva a que não se inventem leis para proibir uma actividade que, não sendo legal, não é proibida. Com que então não pode ser chamada de "referendo", porque a lei "não prevê referendos". A lei também não prevê morangos com chantilly, e isto quer dizer que não os posso comer, se quiser? Mas onde não há lei, pode-se dar a lugar a interpretações de outras leis, ou a analogias. Mas até onde se pode ir nesse sentido?
Um dos protagonistas de toda esta confusão foi o Gabinete de Protecção de Dados Pessoais (GPDP), liderado pela juíza Chan Hoi Fan. Atenção: juíza. Isto leva-me a questionar a integridade do sistema judicial, supostamente independente do poder executivo. Carlos Morais José considera que esta foi uma "interpretação brilhante" do artº 5º da Lei da Protecção dos Dados Pessoais. Brilhante, só se for no sentido de que uma mosca varejeira é "brilhante" - mas cheia de vermes e nociva para a saúde. E não foi só, pois tivemos o IACM como regulamento dos espaços públicos para impedir que os organizadores do referendo montassem estações de voto na via pública, e ainda ontem o próprio Código Penal foi metido ao barulho nesta lamentável prostituição do sistema jurídico. E tudo isto para quê?
Na sua rubrica de opinião da última segunda-feira do Telejornal da TDM, José Rocha Dinis, director do Jornal Tribuna de Macau, fala do "espírito da Lei Básica", que "não prevê o referendo", mesmo que a "letra da lei" não seja específica nesse aspecto. Ora bem, não é preciso ser jurista para entender o que quer dizer "espírito da lei", que não se trata de nenhuma alma do outro mundo que sai dos códigos para assombrar organizadores de referendos. Se a letra da lei é o que está escrito, o espírito é a intenção do legislador quando fez a lei, o que tinha em mente quando a produziu, o seu fim. Mais nada. Não vale a pena vir branquear este tipo de atentado ao sistema jurídico com outro atentado à inteligência. Pode ser que isto resulte com alguns, que ouvem isto do "espírito da lei", desligam a televisão e vão para a caminha. Não estaria no espírito do legislador quando pensou a Lei de Protecção dos Dados Pessoais ou outra qualquer vigente em Macau impedir a realização de um referendo, uma vez que nem existe sequer essa figura jurídica. Associar uma coisa à outra é um malabarismo perigoso que abre a porta a muitos outros que podem ferir de morte a jurisprudência de Macau e o próprio segundo sistema. Alegar outra razão qualquer, tudo bem, mas o espírito da lei? E o espírito da Lei Básica? Recordo-lhe as palavras de Jorge Neto Valente (e penso que para si nem era necessário): a Lei Básica é sobre o que é, e não sobre o que não é. O que levou a que não se falasse do referendo na Lei Básica? A falta de espírito?
E que razão pode ser essa que levou o GPDP a manipular a lei? Uma "razão política", concorda o painel do Contraponto, e se concordam menos devem ficar preocupados com a saúde do segundo sistema, e eu próprio não estou muito preocupado: estes atropelos à lei foram feitos à medida para os organizadores do referendo. Ordens de Pequim? Certamente, mas no género, não no número, pois Pequim nunca teria engendrado esta trapalhada toda. Como teria feito, é difícil de imaginar, mas em Macau nunca o poderia fazer sem recorrer à força e à opressão, à revelia da lei, obviamente. Ao assumir o segundo sistema (e não terá sido de ânimo leve), o Governo Central sabia de antemão que estes focos de dissensão, existentes já durante as administrações inglesa e portuguesa nas duas regiões, iriam persistir e ganhar força. Não é à toa que se persistiu em políticas algo "intrusas" do sistema, como a legislação emanada do artº 23º de ambas as versões da Lei Básica, a Lei de Segurança, que seria aprovada em Macau mas não em Hong Kong, onde encontrou forte resistência e levou a concorridas manifestações, assim como a introdução da disciplina de Educação Patriótica nas escolas. E não foi apenas nestes aspectos que Hong Kong demonstrou pouca vontade para a progressiva integração no primeiro sistema, enquanto tinha sido sempre "o bom aluno". Outros tempos.
Em Hong Kong o Partido Democrata tem uma tradição muito maior que deste lado, e existiu sempre uma forte influência do Kuomitang (Martin Lee, proclamado "pai da democracia" em HK é filho de um general do Kuomitang), o partido nacionalista exilado em Taiwan desde a fundação da China popular, provocando uma cisão que levou à criação de uma "segunda China". O tão apregoado conceito de "uma só China" pode parecer estranho a quem não esteja por dentro destes assuntos, e de facto a designação oficial de Taiwan é "República da China", que era o nome do país actualmente por República Popular da China antes da vitória dos comunistas sobre as tropas de Chang Kai-Shek. A guerra acabou, a R.P. China passou por décadas de implantação do regime e solidificação do poder do partido único, enquanto do lado de Taiwan o sentimento foi sempre o de regressar à soberania da China, mas como parte soberana. A política de cooperação económica entre a China e os países ditos "em vias de desenvolvimento" levou a que muitos deles cortassem relações diplomáticas com Taiwan, e actualmente são muito poucos os países que reconhecem a ilha nacionalista, mas até inícios dos anos 90 eram quase 40. O crescimento económico, uma das prioridades da abertura protagonizada por Deng Xiaoping, levou a que o país aderisse à Organização Mundial do Comércio em 1999, e pouco depois realizavam-se em Taiwan eleições, onde o favorito (e eventualmente vencedor) era Chen Shui-Bian, que ameaçou declarar a independência, indiferente às ameaças da China. Confesso que cheguei a temer uma guerra, mas depois disso fiquei "vacinado"- aqui não há "guerras" para ninguém, e tudo é "negociável".
A afirmação da China como potência mundial foi feita um tanto ou quanto com a filosofia de "em frente é o caminho", e em nome do poder, o Partido Comunista tem adoptado uma espécie de "os fins justificam os meios", com a diferença de que o "fim" está longe. O problema é que o mundo mudou bastante desde o fim da Guerra Fria, há mais acesso à informação, e o regime chinês é actualmente muito "vintage" para a era moderna. Entende-se que o partido tema constantemente um golpe que o derrube - tem sido essa a história da China desde sempre - e o esmagamento do movimento estudantil em Tiananmen em 89 consituíu uma séria ameaça, mas desde aí, e apesar dos números, pouca coisa mudou. A censura à internet, a imposição da ordem à força, as prisões arbitrárias, a constante paranóia com as "potências estrangeiras" que pretendem derrubar o regime, todos os tabus colocam o governo chinês numa posição de contínuo estado de alerta, obliterando tudo o que se assemelhasse remotamente a discórdia das directivas, deixando fora de hipóteses a negociação e o diálogo com uma putativa "oposição". O apelo ao patriotismo, a propaganda, a retórica e tudo mais que resultou durante décadas começa a diluir-se nos escândalos de corrupção, que apesar das tentativas do presidente Xi Jinping em combatê-los, são amiúde os casos escandalosos de enriquecimento ilícito que chegam à imprensa. A (nobre) intenção do novo presidente chinês tem levantado outro problema, pois sem um sistema permanente de "luvas" cresce a insatisfação, e para perceber porquê basta lembrar que um funcionário público na China ganha em média pouco mais de 2 mil patacas.
Na história da China tudo o que sempre existiu foi quem detém o poder, e quem está do outro lado é quer usurpar esse poder, e reparem que os apelo à "harmonia", valor muito solicitado, parte sempre de quem está no Governo, como forma de apelar ao povo que não apoie grupos subversivos. O Partido Comunista conseguiu inicialmente unir a população chinesa através da ideologia socialista, mais solidária, ideal para um país grande, populoso e pobre. O totalitarismo foi a única coisa que nunca mudou; é difícil imaginar um país com estas dimensões a votar em dois ou três candidatos a assumir tanto poder, dividido por uma área maior que a Europa a oeste da Rússia, com conflitos étnicos e religiosos a leste, e uma população migrante na ordem dos 300 milhões, um quarto do total. Como vai caber aqui a democracia, uma pessoa um voto? Como vão os ricos aceitar ter exactamente o mesmo poder de decidir que os pobres, e ainda se arriscando a que o seu candidato perca para o candidato deles? E não é difícil, pois se a educação cívica já é quase nula para quem não quer dividir o poder,é inexistente para quem tem muito pouco, e basta chegar um "aventureiro" que promete um pouco mais para ter 100 milhões de votos logo "à cabeça". O poder terá sempre que ser unicéfalo, o consenso entre partidos seria impossível, e uma coligação seria algo impensável. É assim a China, sempre foi, e mudar seria um salto no desconhecido, e duvido que seja isso que eles querem.
É neste contexto que entram os activistas, a face visível da oposição ao regime, e que nas Regiões Administrativas Especiais é mais visível - na China o activismo vale prisão, e dependendo da causa pode valer um Prémio Nobel da Paz, ou qualquer outro destaque que sirva para "irritar" a China. O problema é que a China tem estado facilmente irritável, e se a forma como lida com a contestação é já por si pouco ortodoxa, os seus representantes em Macau e Hong Kong não conseguem melhor, e sem a bota cardada da opressão, os "democratas" vão somando pontos, fazendo exigências e ganhando protagonismo. Reparem como coloquei democratas entre aspas, e não foi por acaso. Para nós, ocidentais, o conceito de "democracia" é muito diferente deste que aqui se pratica. "Democracia" para os chineses é a oposição ao regime, e duvido que uma vez no poder os democratas locais fizessem as coisas de maneira muito diferente - só mudavam as faces. Os grupos considerados do campo da pró-democracia não são vistos como alguém que vem trazer democracia do estilo ocidental, pluralismo, multipartidarismo ou sequer distribuir direitos, liberdades e garantias à tripa-forra, e na verdade só aqui existem devido a direitos que na China não há, que lhes valeria a prisão - o que eles querem é "qualquer coisa", e no fundo são iguais ao que estão actualmente no poder, só que estão "do outro lado. Aqui o regime fez o seu trabalho de casa, convencendo a população de que estes grupos são compostos por "traidores", a soldo de potências estrangeiras, sendo o Japão e os Estados Unidos a opção mais usada.
Pode-se dizer portanto que os nossos critérios pouco ou nada servem aos chineses e à China. O que é para eles uma democracia parlamentar? Sabem o que significa eleições presidenciais? Sabem ler um programa político? Discutir ideias sem a percepção de quem lhes promete melhorar as suas vidas não tem na verdade uma agenda oculta? Reparem como a tendência nas últimas eleições legislativas em Macau foi em votar no sector empresarial, os que já eram ricos. Na altura fiquei aborrecido, mas agora entendo isto como uma espécie de apelo, de um raciocínio difícil para mim de assimilar e que para que estas gentes parece lógico: quem já enriqueceu tem mais disponibilidade de fazer algo pelos pobres, ou pela classe média. Foi a aposta menos arriscada, mas terá faltado o entrosamento entre os que mereceram a confiança dos eleitores e o Executivo, que se "esqueceram" de tratar dos menos afortunados. Os democratas, que nos primeiros tempos da RAEM dominavam as eleições (a primeira vitória do Novo Macau nas legislativas foi em 2001) eram vistos como um "tampão", uma garantia de que Macau mantinha as diferenças que o separavam do continente. Eram quem a população confiava para garantir que ficavam de olho na governação, mas nunca para chegar ao poder. Com o sector empresarial mais fortalecido, mas com uma evidente falta de tacto e incapacidade para reagir à contestação, a população não tem no poder legislativo um número de vozes que se faça ouvir. E agora?
Ao contrário de Hong Kong, onde a cultura democrática está enraízada, é planeada nos gabinetes, no LEGCO e nas universidades, e os activistas são apenas os "peões" encarregados de incendiar os ânimos, em Macau ainda se vão dando os primeiros passos. Ng Kwok Cheong "apareceu" no início da década de 90, não é um democrata "nato" (trabalhou no Banco da China), e tanto ele como o seu colega de campanha Au Kam San são apontados como "destabilizadores" do sistema, tentando miná-lo e não contribuir para o melhorar, ou fazer qualquer compromisso nesse sentido. E o contrário também é verdade, pois se há uma crítica que eu ouvi de muitos portugueses em Macau é que "os democratas só sabem falar mal", e "não apresentam propostas". Agora pergunto eu: queriam que eles debatessem os problemas com quem não os ouve, e apresentassem propostas que sabem à partida que seriam recusados? Outra acusação muito comum ouvir: são xenófobos. Isto porque o seu discurso se pauta pela máxima da prioridade dos residentes sobre os não-residentes no acesso ao emprego? Queriam que eles ganhassem apoio como, falando de política a quem não percebe nada de política, debitando retórica vazia? Confunde-se xenofobia com populismo, e onde não existe o debate político parte-se o activismo, que não sendo muito produtivo nem bonito de se ver, explica-se facilmente, e basta olhar para o próprio nome: activismo vem de "acção". Onde não se muda pela política, muda-se pela acção, e hoje existe uma nova geração de activistas políticos no sentido específico do termo, ou seja, mudam pela acção, e entendem de política - ou pelo menos têm formação superior que lhes permite afirmar tal coisa.
E quem são estes jovens que se alistam nas forças que se opõem ao regime através da oposição ao Governo de Macau? Têm sido muitos os recém-licenciados que engrossam as fileiras da Associação Novo Macau nos últimos anos, e alguns deles ainda bastante novos. Foram aparecendo aos poucos, primeiro Jason Chao, que foi imediatamente apelidado de "radical", apenas por aparecer na linha da frente que alguns confrontos mais "quentes" com as autoridades e com o Governo. Quem conhece Jason Chao sabe que ele é tudo menos radical, e é até uma pessoa cordata e educada, contando que não tenha quatro polícias a segurá-lo pelas pernas e pelas mãos até uma carrinha e levá-lo para a esquadra onde fica detido um dia inteiro sem acusação formada. Pelo menos não foi ele quem me pareceu "radical" quando foi diplomaticamente entregar uma petição a Wu Bangguo, presidente da Assembleia Nacional Popular que visitou o território em Fevereiro de 2013, sendo detido pelas autoridades como se viesse armado até aos dentes e com explosivos à cintura. Querem "radical"? Olhem para o tal "long-hair" ali ao lado, e que sorte não termos alguém assim entre nós - e sorte dos democratas, que certamente perderiam muita da credibilidade que vêm obtendo ultimamente.
E esta credibilidade tem vindo a chegar através de caras novas como Sulu Sou, Scott Chiang e restante sangue novo que tem aparecido no Novo Macau. Gente jovem, natural de Macau, com formação superior e muito pêlo na venta. O preço a pagar pela adesão ao activismo e à pró-democracia é elevado; são inúmeros os casos de elementos ligados aos democratas que perdem o emprego, tornam-se inempregáveis e vêem a sua vida de repente completamente virada de cabeça para baixo, portas a serem fechadas, amigos que lhes viram as costas, todo o tipo de obstáculos que ontem não existiam e que lhes começam a surgir no caminho. Quem é idealista encontra no Novo Macau a sua "praia", vai precisar de um estômago forte, aceitar ser vigiado, seguido pela polícia, ter o telefone sob escuta, um filme de terror que no fundo não passa de dissuasão e visa desencorajar outros a juntarem-se à contestação. Kam Sut Leng e Bill Chou, dois dos mais recentes membros do Novo Macau, foram despedidos das escolas onde lecionavam, e se o caso da primeira foi pouco mediático, já o professor de Ciência Política da UMAC abriu o debate sobre a liberdade académica, ou a falta dela. Para a opinião pública isto foi "normal", uma consequência da opção pelo anti-sistema. Fosse Bill Chou um indivíduo discreto e sem filiação com os democratas, o seu despedimento seria muito mal recebido, e realisticamente nunca aconteceria. Quem é inteligente e se interessa por política, tem poucas opções. Ou é próximo do poder, casos de Gabriel Tong e Agnes Lam, o "Agostinho e Agostinha", e para isso precisa de ter as "costas largas", ou o melhor é comer caladinho, e guardar a sua opinião para si. É por isto que a opinião pública não está muito preocupada com a actual situação e estas "turras" entre democratas e Governo, que é um filme de "polícias e ladrões" que já viram antes muitas vezes. Não se preocupam com a estabilidade ou com o segundo sistema, pois sabem que estas peripécias têm destinatário, nem pena dos democratas detidos, despedidos ou perseguidos têm sequer: estes estão a fazer apenas "o seu papel".
E falando de dissuasão, as tentativas de boicotar o referendo civil foram em vão, e produziram os efeito tragicómicos que se viram. Este Sábado participaram mais de 700 residentes, e o total a esta hora é 8530 participantes, provando que alguns deixaram a visita ao sítio do Macau2014 para o fim. Enquanto amanhã promete ser muito quente em Hong Kong, com o movimento "Occupy Central with Peace and Love" a levar a cabo mais uma iniciativa a favor do sufrágio directo para a eleição do Chefe do Executivo em 2017, em Macau o Colégio Eleitoral reúne-se no Macau Dome para reeleger Chui Sai On, o único candidato para esse cargo. Depois é a hora de contar as armas, e ao mesmo tempo que a Comissão Eleitoral divulga os resultados, Jason Chao e a rapaziada da pró-democracia vão retaliar com os números do referendo civil. Isto promete aquecer, e depois voltar tudo ao normal, para no futuro voltar a acontecer, e só resta saber em que circunstâncias. Fiquem atentos aos próximos dias.
Figura da semana: Scott Chiang
Scott Chiang Meng Hin é actualmente o nº 2 da Associação do Novo Macau, presidida por Sulu Sou, activista do campo da pró-democracia, e estudante na Universidade de Panchiaochen, em Taiwan, para onde foi há dois anos tirar o curso de Ciência Política. Agora algo que vos vai deixar de cabelos em pé: esta criatura que vemos ali em cima com aquele aspecto jovial, e em baixo a pôr a bófia na linha vai completar em Novembro 33 anos! Isso mesmo, e é caso para perguntar onde tem andado ele estes anos todos enquanto a luta da pró-democracia se resumiu a Ng Kwok Cheong e Au Kam San - e eventualmente Paul Chan Wai Chi. Agora Scott Chiang está por Macau, onde se assumiu como uma das principais caras do referendo civil sobre a eleição do Chefe do Executivo, e o seu nome correu o mundo nos serviços noticiosos após a sua detenção no Domingo enquanto recolhia a opinião de transeuntes na Rua da Praia do Manduco, através de "tablets". Ontem voltou a estar em destaque ao enfrentar as autoridades durante a detenção dos seus colegas "de luta", Choi Chi Chio e Leong Ka Wai, mostrando uma retórica afinada e uma veia contestatária que parece ter ganho mais acutilância durante a sua permanência na ilha nacionalista. Um nome a ter em conta, um jovem que é menos jovem que os outros que enfrentam o sistema. Merecidamente a figura da semana.
Vídeo da semana
Uma ideia dos funcionários Departamento Técnico de Planeamento e Urbanismo da Câmara Municipal de Portimão, gravado no Teatro Municipal daquela cidade algarvia em 2009. Funcionários Públicos de todo o mundo, uni-vos!
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
O Senhor e o senhor
Se há actores recentes no palco da RAEM em que não consigo perceber a direcção que leva, um deles é o Bispo José Lai, nome de baptismo de Lai Hong Seng, nascido em Macau em 1946, tornando-se em 2003 o primeiro bispo nascido no território a tornar-se a sua principal figura da Igreja Católica. Incrível como passaram dez anos desde que José Lai substituíu Domingos Lam, que durante quinze anos liderou a Diocese de Macau. Com as devidas distâncias, considero que José Lai está para o seu antecessor como o Cardeal Josef Ratzinger está para o actual Papa Francisco. Quem estivesse mais distraído, nem ia acreditar que o actual Bispo de Macau deve obediência à Santa Sé, ao Vaticano, que o nomeou. Não sendo eu católico ou seguidor de outra denominação religiosa, fica difícil analisar o desempenho do bispo de Macau como religioso, no entanto posso tentar fazê-lo como figura pública que é com um papel influente no território (nem que seja pelo avultado património da Diocese, quer religioso, quer material, quer especialmente imobiliário). Nesse particular, não sabendo eu rezar ou dizer a missa, não o posso ajudar muito.
Estes dez anos de José Lai como pastor do rebanho na cidade que um dia ganhou o Santo Nome de Deus, e se mantém como bastião do catolicismo na Ásia não tem tido a vida fácil, sobretudo fora da prática do seu ofício divino. No início não surgiram grandes problemas, rezavam-se as missas, celebravam-se os casamentos organizavam-se as procissões, davam-se os baptismos, as extremas-unções, e não sei houve algum exorcismo, mas se calhar estava na altura de pensar seriamente nessa hipótese. A estrada passou a ficar mais acidentada desde o caso Ao Man Long, em 2007, e acentuou-se com a chegada de Chui Sai On a Chefe do Executivo. E não foi por coincidência, pois José Lai tem sido muito pouco crítico quando devia ser, e muito cúmplice em situações algo delicadas, dando a entender que "abençoa" alguns excessos e certas condutas pouco "cristãs". Viu o seu nome envolvido no "caso das campas", através de um alegado acto de censura ao jornal "O Clarim", propriedade da própria Diocese, e no processo de despedimento do professor Eric Sautedé da Universidade de S. José, uma parceria da Igreja de Macau com a Universidade Católica. Houve quem tivesse aplaudido a sua aprovação da polémica placa que proibía a entrada a não-católicos na Igreja da Sé, mas prefiria que tivesse mais firmeza e mais isenção noutros temas. Até eu lhe batia palmas.
Uma nova polémica - ou não - tem a ver com a actual crise política em Macau, com a realização do "referendo civil", uma investida do sector democrata que deixa em xeque o Executivo local. Só que neste tabuleiro de xadrez o bispo dá uma ajuda ao rei (ou será ao imperador?), e em declarações proferidas ao jornal em língua chinesa Cheng Pou, José Lai apela aos residentes de Macau que "confiem no Executivo", e que "cumpram a lei", referindo-se à questão da eleição do Chefe do Executivo. O bispo afirma ainda que a Igreja Católica "respeita as leis de Macau", e aconselha os fiéis a fazer o mesmo. José Lai exorta a população a "manter o clima de estabilidade", bem como "seguir a direcção certa, passo a passo, que tem levado o território no bom caminho" - para ele, suponho. Na hora de responder a uma pergunta que já faltava, deu-se um eclipse divino; um jornalista quis saber a sua opinião sobre o referendo civil, e nesse momento José Lai retira-se sem dizer uma palavra, rodeado de segurança, que o afastaria dos microfones da imprensa. Que o referendo "é ilegal", já tinha ouvido de várias personalidades, mas será que também é satânico?
Quando penso na influência de líderes religiosos na sociedade civil em tempos de crise, lembro-me do Arcebispo Óscar Romero, que deu a vida pela conciliação do seu povo durante a guerra civil em El Salvador, ou do Bispo Dom Ximenes Belo, que confortou as inquietas almas do povo de Timor-Leste durante a ocupação pela Indonésia. Sabendo sem ter muito bem a certeza que a arquidiocese de Hong Kong deixou as batalhas políticas à consciência dos crentes, apelando apenas que se resolva tudo num ambiente sem violência, aqui não entendo José Lai. Não vejo porque não pode dar a sua opinião como representante de uma instituição supostamente independente, e continuo sem saber a sua posição, se o magnete da sua bússola aponta para Roma ou para Pequim. Católicos, amigos, esta é uma questão que deviam ponderar, e lanço-vos este desafio (não referendo): é para adorar o Senhor, ou este senhor?
It's a dirty job (but somebody's got to do it)
Esta imagem não é minha e não foi tirada nem editada por mim. O símbolo da Polícia Judiciária de Macau (PJ) não é meu, nunca foi, e por muito respeito que a corporação que combate o crime na RAEM me mereça, não o quero. E esta introdução meio "estranha" tem uma justificação, e como tudo o que de estranho tem acontecido pelo território nesta última semana, a causa é o referendo civil organizado por três associações do campo da pró-democracia. Esta tarde foram detidos dois membros da redacção da revista "Macau Concealers", uma publicação satírica cujo nome é uma paródia do jornal Ou Mun: o seu vice-director Roy Chio Chi Choi, e um estagiário (?) do jornal, Leong Ka Man. Razão?
Depois das interpretações duvidosas dadas a várias leis desde o período antes do arranque do referendo oficial, que teve início no último Domingo, eis que entra em cena o Código Penal, e o texto que é dado ao artº 296º: "abuso de designação, sinal ou uniforme". No ponto nº 1 lemos que "Quem, ilegitimamente e com intenção de fazer crer que lhe pertencem, utilizar ou usar designação, sinal, uniforme ou traje próprio de função de serviço público é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias".
E foi preciso destacar esta parte do artigo que me parece a finalidade máxima e única da lei: punir quem use um distintivo, sigla ou símbolo com o intuíto de se fazer passar por um elemento pertencente a essa associação, grupo, ou neste caso corporação. Na imagem, que estava na página do Facebook da Macau Concealers e foi entretanto apagada, vemos o "website" do referendo, e aquilo que parece ser uma notificação da PJ com o símbolo da corporação bem visível no topo. Agora a pergunta sacramental: onde está o "quem" a que se refere a lei? "Quem" aparece naquela imagem que possa ser acusado de fazer crer que aquele símbolo lhe pertence, ou que tem o direito de o ostentar? E já agora, "quem" é que se lembrou de dar esta interpretação tão "livre" desta lei do Código Penal?
Quem não se inibiu de aproveitar esta mirabolante interpretação da lei para facturar, mesmo que em evidente posição de "fora de jogo", foi a própria PJ, que foi esta tarde buscar Roy Choi e
Leong Ka Man, que se encontravam no restaurante da cadeia McDonald's junto ao Lake View Gardens, na Praia Grande, na zona dos lagos Sai Van. Juntamente com os dois detidos estavam o presidente da Associação Novo Macau, Sulu Sou, e o vice-presidente, Scott Chiang, e todos pareciam preparados para qualquer eventualidade: enquanto os agentes tentavam levar outros dois, Scott ia provocando, e Sulu filmava. Já quanto aos agentes, tive pena, tive mesmo pena. Mal preparados, pouco à vontade, e visivelmente intimidados pela reacção de quem parecia quererem intimidar. Scott Chiang foi desta vez a estrela da companhia, e parece ter voltado de Taiwan com mais do que (evidente) peso.
Esta "Macau Concealers" é uma revista periódica em língua chinesa, distribuída gratuitamente e com conteúdos satíricos, com o Governo da RAEM como alvo principal. O próprio nome da publicação é uma sátira ao jornal "Ou Mun", o diário em língua chinesa mais lido do território, e cujo nome chinês é 澳門日報, literalmente "jornal diário de Macau" (a originalidade desta gente nunca cessa de me surpreender), e por seu lado o "Macau Concealers" é 愛瞞危急, literalmente "adoramos ocultar". A revista coincidiu com o aparecimento de Jason Chao, o seu director, nas fileiras da Associação Novo Macau. Inicialmente inspirada na revista do Novo Macau, igualmente satírica mas menos radical, foi crescendo,e ganhou o seu próprio espaço.
Roy Chio é o vice-director, editor e "cérebro" desta publicação cuja página no Facebook conta com mais de 40 mil "likes", muitos deles de elementos da comunidade portuguesa em Macau. Segundo a sua conta pessoal na mesma rede social, onde é conhecido por "Roy Liberty", tem 27 anos, fez o ensino secundário na Escola da Tong Sin Tong, em Macau, e licenciou-se no continente, na "China University of Political Science and Law", em Chanping. Mas onde é que já tinhamos visto antes este Roy "Liberty" Chio?
Exacto, o nosso Roy foi um dos protagonistas dos incidentes durante a cerimónia de graduação do ano lectivo 2013/2014 da Universidade de Macau, realizado já no novo campus da Ilha da Montanha. Na condição de jornalista acreditado para o evento, foi interpelado pela segurança enquanto recolhia imagens de To Weng Kei, a jovem estudante, também ela elemento do Novo Macau, que foi o centro das atenções ao ostentar um cartaz onde se pedia que a UMAC "parasse de perseguir os académicos". Em causa estava a suspensão de Bill Chou, professor de Ciência Política, também ele ligado aos democratas. Pode-se dizer que o Novo Macau montou aqui uma armadilha, e a UMAC pôs-se a jeito.
E mesmo antes destes incidentes, Roy Choi já se tinha dado a conhecer nas últimas eleições legislativas, quando foi nº 4 da lista 2, os Liberais do Novo Macau. Liderada por Jason Chao, coadjuvado por Scott Chiang, à sua esquerda na imagem, a lista era composta por personagens agora bem mais identificáveis do que em Setembro de 2013, quando não elegeu qualquer deputado. Assim à direita de Jason Chao está o seu nº 3, Ieong Man Teng, que assumiu o seu próprio protagonismo como líder da "Forefront of The Macau Gaming", o que se pode considerar uma espécie de "braço casineiro" dos democratas, e que tem sido igualmente notícia pelas ameaças de greve da parte dos "croupiers", e o nº 5 é Envy Sio Chon Fong, um personagem de que se sabe pouco, faltando-lhe ainda um "baptismo de fogo", mas que tem estado do lado da "luta" que teve início em finais de Maio com a manifestação contra o Regime de Garantias dos Detentores dos Altos Cargos da RAEM. A apresentar o grupo considerado a facção mais radical dos democratas está Kam Sut Leng, que fico agora a saber que tem o nome inglês de "Icy", provavelmente inspirado no seu nome "Sut" (雪), ou "neve". A ex-professora ganhou protagonismo na manifestação do 1 de Maio de 2013, e passou e membro do Novo Macau a tempo inteiro após ser despedida da escola Lou Hao, e tal como Bill Chou na UMAC, as razões prendem-se alegadamente com a sua filiação política - começa a ser comum, este "mau hábito".
O último personagem desta história é Leong Ka Wai (梁家偉), ou Ray Leong, o tal estagiário da revista Macau Concealers. Este é um interessante caso de conversão; com apenas 19 anos de idade, Ray Leong fez o ensino secundário na Escola Hou Kong, conhecida pela sua forte ligação ao Partido Comunista Chinês. Em Taiwan conheceu Scott Chiang, e juntou-se à associação que luta pelo fim das restrições no regresso de alunos de Macau em Taiwan. Aqui vêmo-lo ao lado de Sulu Sou a entregar uma petição a Lu Chang Shu, director da Delegação Económica e Cultural de Macau na cidade de Taipé, a 30 de Agosto de 2013. Um ano depois, é membro do Novo Macau, enquanto ainda estuda Ciência Política na Universidade de Soochow, na ilha nacionalista. Mais um a sair em breve da "cantera" dos democratas de Macau para a equipa principal.
Na secção de opinião do jornal Hoje Macau, Carlos Morais José pronuncia-se finalmente sobre a questão do referendo, e confesso que aguardava com alguma expectativa este editorial. A análise é um tanto ou quanto inclinada para a tese de que Pequim ordenou que se lidasse com o problema, além de que o Executivo de Macau "tentou resolver a questão num tom menor, mas não conseguiu", e termina com a ideia de que o Governo Central considera a questão de Macau "menor", uma vez que a situação em Hong Kong já o deixou numa posição difícil perante a imprensa internacional. Neste último ponto concordo plenamente: a "cara" da China ganhou tanta fuligem com o problema aqui ao lado, que este nem se nota. Se estes atropelos constantes aos direitos consagrados na Lei Básica e a manipulação do sistema jurídico de Macau "têm a benção" de Pequim, talvez, mas creio de cima a ordem tenha sido apenas "resolvam lá isso". Se "não pôde" é sinómino de "foi incapaz", então concordo. Quanto ao "misterioso jurista" que "deu um jeito" no artigo 5º da Lei da Protecção dos Dados Pessoais, e que pode ou não ser português, não o considero "brilhante" de todo. Longe disso.
Isabel Castro concorda que o Executivo não sabe lidar com esta crise. Não soube desde o início, hoje ficou evidente que nada aprendeu, e dificilmente sairá dali qualquer coisa de jeito. Quanto à parte de que o referendo "é um exercício de auscultação pública", que suponho que para a Isabel será legítimo, assino por baixo. Provocação? O que é isso? É daquela sexual, ou somos todos criancinhas de colo?
Também na edição de sexta-feira do Hoje Macau, vem uma entrevista com Isaac Tong, da Tri-Decade Union, uma daquelas associações de jovens que não sabe muito bem de onde vem e para onde vai. A entrevista com este indivíduo, que tal como o Executivo anda a sofrer da "febre do referendo", deu-me vontade de vomitar. Isaac Tong diz que a a sua associação de coitadinhos não tem dinheiro, coitadinha, diz que "é cedo para a reforma política", e para Macau adoptar o sufrágio universal à boleia de Hong Kong, "devido à iminente reeleição de Chui Sai On para Chefe do Executivo. Sobre o referendo defende que "é ilegal por causa do nome", os resultados falaciosos, pois "a maioria dos participantes são jovens, e não representam a sociedade de Macau, que a sua associação "nunca faria algo semelhante", e que a polícia "não tinha outra escolha" senão prender Jason Chao e Scott Chiang no Domingo passado.. Pelo meio perguntam-lhe se participou no referendo, o que é mesmo que perguntar se comeu merda, e diz que essa é "uma questão privada". O quê? Primeiro diz cobras e lagartos do referendo, e pelo meio deixa no ar a possibilidade de ter participado? Epá ó Isaac, que não é filho de Abraão mas é um bocadinho cabrãozinho, porque é que não penduras uma placa ao pescoço onde se leia "vende-se pela melhor oferta"? Não esperes é grande coisa.
E finalmente os números do referendo civil referentes a 29 de Agosto, confirmando-se a tese de que se esgota esta fase, e realisticamente o total de participantes ficará pouco acima dos 8 mil - a não ser que os retardatários sejam muitos. Foram 257 os eleitores que deram a opinião esta sexta-feira, e entramos no fim-de-semana decisivo, com os resultados a serem anunciados no Domingo e na terça-feira.