segunda-feira, 21 de julho de 2014
O horror, o caos, o referendo
O referendo que a Associação do Novo Macau Democrático pretende realizar na última semana de Agosto continua na ordem do dia, e notícias recentes dão conta de um aumento exponencial na procura de ansiólíticos, anti-depressivos e fraldas para adulto, e fala-se de um movimento anormal de capitais para as Ilhas Virgens Britânicas, ao ponto das entidades financeiras da "offshore" se terem queixado de um "overload" no sistema. A casa está em chamas, e o Executivo espera contar com o maior número de apaga-fogos que puder. Dois deles vieram hoje em auxílio do patrão, mandando mangueiradas opinativas em dois jornais da imprensa em língua portuguesa: Si Ka Lon, deputado da AL em representação da Associação dos Cidadãos Unidos de Macau, e Ho Ion Sang em nome da Associação dos Moradores.
Si Ka Lon deu uma entrevista ao JTM onde abordou, entre outros temas, o infame referendo. Eu acho o nº 2 de Chan Meng Kam uma personagem encantadora. Faz-me lembrar os homem-bala dos circos antigos, que punha uns óculos de aviador e era disparado de um canhão. No caso dele nem precisa de capacete, já que é dotado daquela cabeça aerodinamica que lhe deve fazer adquirir uma velocidade de cruzeiro com facilidade. Em relacao ao referendo, portanto, diz que toda a gente tem o direito de expressar a sua opinião, realizar consultas, estudos de opinião, sondagens, inquéritos, rifas, barracas de pipocas e algodão doce, etc. Muito bem, é democrático da sua parte produzir estas afirmações. Só que isto nunca se devia chamar referendo, pois pode causar confusão entre a população. Se calhar tem razão, o senhor. Imaginem que no dia que Chui Sai On toma posse para o seu segundo mandato, as pessoas olham para a TV e exclamam: esperá lá, não foi neste que eu votei! Foi na Branca de Neve! Vou já fazer queixa ao Feiticeiro de Oz! Si Ka Lon diz ainda que o actual metodo de eleição do CE "pode não ser o mais perfeito", mas é que temos e há que respeitá-lo, porque também foi escolhido pela população. Espera lá, foi o quê? Será que eu li bem? Será um erro de traduçãp? Olhem, lembram-se quando eu disse que ele não precisa de capacete? Afinal é melhor usá-lo, pelo sim pelo não.
Quanto a Ho Ion Sang, dos "kai-fong", falou ao Hoje Macau, onde se assumiu frontalmente e totalmente contra o referendo, alegando que "como legislador", isto "ofende a Lei Básica", e que se a ideia for para a frente, Macau arrisca-se a "tornar-se numa piada internacional". Interessante que fale como legislador, insinuando que tem formação jurídica que o habilite a se pronunciar de forma tão esclarecida. Mas pronto, o homem deve saber do que fala; isto é alguém por onde passaram milhares de talões de depósito do Banco da China. E isso da "piada" só pode mesmo ser piada, pois se ultimamente Macau tem sido notícia na imprensa internacional, tem sido por motivos que não dão vontade nenhuma de rir. O mais alucinante desta entrevista foi quando o deputado diz que os democratas "se estão a aproveitar do desconhecimento da população por assuntos da política". Ah, ah, essa é boa. Meu amigo, não cuspa no prato onde comeu: tivesse a população de Macau "conhecimentos de política", e nunca o elegeria a si, bem como a muitos dos seus "pangyaos" lá do hemiciclo. Quer dizer, a "ignorância" dos eleitores só vale na hora de comprar votos e manipular resultados? Mas se considera isto do referendo um ultraje de proporções cósmicas, porque não "tocar a reunir"? Convoca os "kai-fong" (não se esqueça é de organizar uma jantarada de borla, senão eles não vêm), e faça um discurso inflamado do tipo: "eles agora fazem referendos, amanhã abrem centros de reabilitação de toxicodependentes ao lado das vossas casas!". Vai ver que a malta pega logo nas forquilhas e nas tochas e põe-se a marchar na direcção de Santo Agostinho. No dia seguinte a sede do Novo Macau vai ficar a parecer as ruínas de Pompeia.
Continuo sem entender muito bem esta fixação com a designação que a ANMD resolveu dar à sua iniciativa. Se não conta, se não tem valor jurídico, se não decide nada, o que importa que lhe chamem referendo, inquérito, consulta, papa nicolau ou Maria Francisca. É óbvio que aqui a questão prende-se com a própria realização do tal "referendo informal", como lhe chamou Scott Chiang. Se tivessem uma base legal para impedir a sua realização, já teriam acenado com ela, mas como ao contrário do que muitos afirmam, não se pode considerar algo ilegal simplesmente porque nada diz que é legal, o maior receio é o da leitura que possa vir a ser feita: os pró-democratas levam avante uma consulta que o Governo considerou "desnecessária", e isso não agradará nada a Pequim, com toda a certeza. Não era necessário passar este atestado de incompetência à população, ao ponto de quase considerar que o eleitorado de Macau é composto por uma maioria de atrasadinhos mentais, que não são capazes de distinguir a eleição do Chefe do Executivo, de onde não lhes é dada a oportunidade de participar, de uma eleição "a fingir" organizada pelos democratas.
E isto leva-me a outra opinião que li hoje a este respeito, no editorial assinado por Carlos Morais José no Hoje Macau. O director do HM defende que caso a associação de Ng Kwok Cheong não obtenha uma participação no referendo na ordem dos 20 mil votos, arrisca-se a uma "morte política". Vinte mil votos foi o número conseguido no somatório das três listas com que o Novo Macau se apresentou na legislativas de Setembro último, onde sofreu uma derrota, e viu a reduzida a sua presença na AL para dois mandatos, menos um em relação ao que tinha conseguido em 2009. Não penso que seja Ng Kwok Cheong ou o Novo Macau que vão aqui a votos, nem isto é uma moção de confiança ou algo que se pareça. Além do mais a participação no referendo não requer nenhuma simpatia pelo Novo Macau, ou expressa qualquer tipo de apoio a esta associação: qualquer um pode votar desde que seja residente permanente maior de 18 anos, ou 16, como ainda não ficou estabelecido, e a participação pode ser feita "online", poupando o incómodo de se deslocar a uma urna de voto convencional.
Assim o facto do referendo se realizar é já uma meia vitória, e no caso da participação ser significativa, é uma "goleada" - cem ou duzentos votos já justificam toda esta controvérsia, e produzem o efeito desejado. Ainda ninguém se lembrou de projectar um hipotético cenário em que este referendo, ou consulta ou seja lá o que for aponte para um resultado oposto às pretensões dos democratas. Imaginemos que no fim fique expresso que a população não está interessada no sufrágio directo e universal para a eleição do Chefe do Executivo. Aí como é? Os que agora criticam e apontam para ilegalidades vão bater palmas? O problema aqui é que esse cenário é altamente improvável. E aqui é que a porca torce o rabo.
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