segunda-feira, 21 de julho de 2014
Rigor e princípios
Ontem à noite assisti como é hábito ao "Contraponto", programa de debate e análise do canal 1 da TDM. Ontem fizeram parte do painel moderado por Gilberto Lopes os jornalistas Emanuel Graça, Paulo Rêgo e Carlos Morais José - desde já um grande bem-haja a todos, que me conseguem sempre entreter durante aquela hora após o jantar, o que até ajuda à digestão. Sem querer estar a fazer o debate e análise do programa de debate e análise, gostaria de me pronunciar sobre alguns pontos que foram ali discutidos, com a devida vénia, e mais uma vez recordo que a minha opinião não é verbo divino. E só lê quem quer.
Primeiro gostaria de começar por um "ajuste de contas" com o Emanuel Graça, cujo trabalho acompanho com mais ou menos frequência desde a sua chegada a Macau, que se a memória não me atraiçoa, foi no ano de 2006, por altura dos primeiros Jogos da Lusofonia, organizados pela RAEM. Num dos últimos programas do "Contraponto", julgo que no anterior ao que passou ontem na TDM, o Emanuel referiu-se à Associação do Novo Macau Democrático (ANMD) como "Novo Macau Democrático", e de seguida emendou para "Novo Macau". Ora bem, de facto o nome desta associação é de facto "Associação do Novo Macau", ou em chinês, "新澳門學社", sendo o primeiro caracter "novo", o segundo e o terceiro "Macau", e os dois último significam "associação". Em rigor o seu nome português "Associação de Macau Novo", que para nós portugueses soa um pouco estranho, mas foi essa a tradução que puderam arranjar. Inicialmente a associação continha os caracteres "man chi" (民主), que quer dizer "democracia", e eram conhecidos em português por "Novo Macau Democrático". Não está errado chamá-los de uma coisa ou outra, nem há necessidade de emendar um erro que não chega a ser erro. Dizer "Novo Macau Democrático não! Novo Macau se faz favor!" é um preciosismo tão inócuo como dizer que o Vitória de Guimarães não existe, mas sim o Vitória Sport Clube, ou que os estrangeiros estão todos errados porque não temos nenhum "Sporting Lisbon", mas sim um Sporting Clube de Portugal. É completamente fútil e uma perda de tempo.
Recordo-me onde o Emanuel Graça começou a exercer o jornalismo em Macau, e recordo-me também de uma crítica que lhe fiz no extinto blogue "Leocardo" por se ter prestado a afirmar que o caso da alegada violação de uma jovem local por um atleta cabo-verdiano após o término dos Jogos da Lusofonia "não prejudicou o sucesso da organização do evento". Na altura considerei essa caixa "encomendada", e questionei a sua ética profissional, e o meu comentário caiu mal entre os leitores do blogue, que me deixaram saber isso mesmo pela caixa de comentários. Em retrospectiva considero que fui injusto, e considero o Emanuel uma óptima pessoa e um excelente profissional, e dá-me gosto tê-lo por cá e agrada-me a sua presença no "Contraponto". Contudo não posso deixar de reconhecer nessa correcção do nome da ANMD uma certa "escola" que adquiriu durante a sua primeira aventura jornalística por estas bandas, nomeadamente a astúcia com que certas pessoas fazem esse aparte com a intenção de dar a entender que a associação em causa "não é democrática", ou faz-se passar por tal, não se pautando pelos valores democráticos propriamente ditos. Penso que entretanto o Emanuel foi conhecendo melhor o território onde se radicou, e penso que há lições que é melhor esquecer, e pensar antes pela nossa cabecinha. É só.
Outro apontamento tem a ver com uma afirmação de Carlos Morais José sobre o caso que opõe a Universidade de S. José ao professor Eric Sautedé, demitido daquela instituição de ensino alegadamente por causa de comentários políticos que terá feito, e considerados desadequados pelos critérios da reitoria. Esta discussão já foi mais que esmiuçada neste espaço, mesmo havendo sempre um cantinho reservado para novos desenvolvimentos, mas foi um raciocínio do director do Hoje Macau que me deixou pensativo. A certo ponto Carlos Morais José diz que a instituição é privada e tem legitimidade para escolher o seu corpo docente - isto como princípio básico, deixando de parte a questão da liberdade académica - e que Sautedé faz acusações ao bispo e à Fundação Católica "sem apresentar provas", e finalmente "acha estranho" que tanto o professor de Ciência Política como Bill Chou, igualmente demitido da Universidade de Macau em circunstâncias semelhantes, digam que "sabem de coisas que não dizem, mas que se sairem vêm cá para fora dizer". De facto à primeira vista parece um tanto ou quanto "rasteiro" da parte dos dois docentes, e sugere mesmo alguma chantagem, mas será mesmo assim?
Do pouco que veio a público na semana passada sobre a demissão de Sautedé, e que o próprio deixou saber, enumerando os motivos do seu afastamento e nomeando os responsáveis pela mesma, há aqui uma situação em que temos a palavra do docente contra a palavra do bispo José Lai. Sautedé diz ter provas do que afirma, mas até esta altura não penso que se tenha chegado a um limite do intolerável em que seja necessário apresentá-las. Pode ser que o faça no futuro, tudo depende do que estiver a pensar em fazer em relação ao seu despedimento, que considera injusto. Vir à praça pública e mostrar as provas era mostrar os trunfos ao adversário, e pedir-lhe que o faça é como pedir um assaltante que afirma ter consigo um detonador que mande tudo pelos ares, só para termos a certeza que está a dizer a verdade. Tenho a certeza que se a situação assim o exigir, ficaremos a saber se Sautedé tem ou não as provas que diz ter, que força têm elas, e quem está afinal a falar a verdade e quem está a mentir. É só seguir com atenção a "novela".
Essa do "sei mas não digo, mas se me provocam vou dizer" é deselegante, sem dúvida, mas não é de todo um golpe baixo. Tanto eu como muita outra boa gente que ganha o pão com o suor do seu rosto e está subordinado a outrem, pode não concordar com tudo o que vai dentro do local onde dá o seu contributo, nem está obrigado a tal coisa - quem se diz 100% de acordo ou é sabujo ou trabalha para o Pai Natal (e mesmo quanto a esse levanto sérias dúvidas quanto às condições laborais a que sujeita os duendes). O que existe aqui é um dever de lealdade, que inibe, ou devia inibir, cada um de questionar decisões internas ou detalhes relacionados com o desempenho da sua profissão, levando essa discussão para fora do local apropriado para o efeito. E atenção, não confundir o dever de lealdade com o dever de sigilo, pois não creio que a demissão de Sautedé tenha sido de importância estratégica para a USJ - pelo menos ele não acha, e faz questão de o afirmar alto e bom som. Mas não posso deixar de concordar quem mais fica prejudicado com tudo isto são os próprios alunos, pois está-se aqui e mexer com a credibilidade da universidade onde estão a turar o seu curso.
E assim fico mais leve, depois deste pequeno desabafo, e só me resta despedir-me, agradecendo mais uma vez aos três pela hora bem passada, e que continuem inspirados, como até hoje. Obrigao por tudo, e espero que não levem a mal estas observações, que são apenas emanadas do local onde se situa o meu ponto de vista. Outros podem concordar com elas, discordar, ou ter as suas próprias opiniões, e isso é salutar. Por esta razão é que o programa "Contraponto" tem qualidade, e era bom que se inserisse num quadro mais largo de debate, que infelizmente não temos em Macau, e assim ficamos com a sensação de que estamos a falar sempre para os mesmos, e são os mesmos que nos respondem - quando respondem. Pelo menos estamos a fazer a nossa parte, e do contrário ninguém nos pode acusar.
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