quinta-feira, 21 de março de 2013

O livro do FDP



“O Livro do Filho da Puta”, de Manuel Maria Tolentino, é um guia prático dedicado a todos os filhos da puta em Portugal e não só. O que não falta por aí são filhos da puta, e esta é uma qualidade que não conhece limitações de ordem étnica ou geográfica. Todos os países têm a sua respeitável quota de filhos da puta, alguns mais que outros. Onde há alguém que ficou f…, há sempre um ou mais filhos da puta que para isso contribuíram de uma forma ou outra. É mesmo um mundo filho da puta, este em que vivemos.

Esta edição de 2007 da Casa das Letras divide-se em 11 capítulos que descrevem o filho da puta em frases curtas, directas e concisas. É um livro de leitura fácil, e não precisa necessariamente de ser lido do princípio ao fim. É mais ou menos como a Bíblia: podemos abrir no meio e ler uma ou duas passagens que nos inspirem. Para um filho da puta que compre o livro, serve quase como um manual de auto-ajuda: serve para o relembrar porque é filho da puta, e dá dicas de como se tornar ainda mais filho da puta. Para quem não é filho da puta mas pensa tornar-se num, encontra conselhos muito úteis à sua iniciação na arte da filha-da-putice. Para quem não é filho da puta e os despreza, pode servir como manual de sobrevivência, bem como facilitar a identificação de um filho da puta, e assim evitá-lo (tarefa ingrata…boa sorte em todo o caso).

Alguns leitores mais sensíveis devem estar a ficar um tanto ou quanto abananados com a forma filha da puta com que uso “filho da puta”. Ora bem, estas três palavras juntas já há muito deixaram de servir de insulto à progenitora, e passaram a definir um tipo de indivíduo matreiro, sacana, sem escrúpulos, que não olha a meios para atingir os seus fins. Exemplo concreto: “-Olha Zé, o Aníbal contou ao chefe que levamos material do escritório para casa. O filho da puta…”. Quando se censura o Aníbal por ter “bufado” os colegas ao chefe, não se imagina sequer a mãe dele a vender o corpo numa esquina, ou a gemer ao ritmo de frequentes sessões diárias de piçada. “Filho da puta” deixou de ser dirigido às putas, e passou apenas a designar esses filhos da puta que por aí andam, e que tivemos o azar de encontrar na vida.

Algumas passagens são de puro génio. No capítulo dedicado aos filhos da puta no local de trabalho podemos ler: “O filho da puta é sempre aquele que está na fotografia ao lado ou ligeiramente atrás de quem manda”. É indiscutível. No mesmo capítulo, um pouco mais à frente: “O filho da puta, com um carimbo de ‘autorizo’ na mão, pode transformar-se num grande filho da puta”. No mesmo capítulo, no início: “O filho da puta contribui para o despedimento de um colega e depois telefona-lhe a manifestar-lhe solidariedade”. E digam lá se não é mesmo assim? Não me digam que nunca conheceram alguém com estes predicados. Quer dizer, cruzamo-nos com eles todos os dias!

O mais assustador é que a medida que vamos lendo sobre estes filhos da puta, lembramo-nos que conhecemos alguém assim, e pior que isso, temos por vezes comportamentos e atitudes filhas da puta sem que tenhamos consciência disso! Eu próprio odeio Domingos porque no dia seguinte é segunda-feira, e falo mal de filmes portugueses sem os ver, mas isso não faz de mim um filho da puta por aí além. Ser filho da puta é mais ou menos como ser “gay”: todos temos uma tendência, mesmo que recalcada, e que pode ou não manifestar-se. Felizmente nem todos os filhos da puta são incuráveis, e há aspectos filhos da puta da nossa personalidade que podemos melhorar facilmente. É preciso ter em mente que ninguém nasce filho da puta, e pode fazer um pequeno esforço para não ser recordado como “um grande filho da puta” depois de morrer.

Portanto recomendo o livro, que repito, é genial, e chega a roçar o hilariante. O autor faz uma abordagem ligeira e facilmente digerível, e mesmo aqueles filhos da puta “que não gostam de ler porque acham que isso é para aqueles gajos que se gostam de armar em intelectuais” vão gostar. Como o livro saíu em 2007, talvez seja um pouco difícil de encontrar numa livraria perto de si, mas pode sempre encomendar na internet, ou pedir emprestado a um amigo, colega ou conhecido. Se for esse o caso, devolva quando acabar de ler. Ficar com as coisas dos outros é uma mania filha da puta.


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