quarta-feira, 20 de março de 2013

Na rampa para o poleiro


As eleições para a Assembleia Legislativa de Macau realizam-se no próximo dia 15 de Setembro, daqui a menos de seis meses. Estamos portanto em pleno período pré-eleitoral, no semestre que de quatro em quatro anos é marcado por campanhas, compra de votos, jogos de bastidores e outras situações caricatas. O que poderia ser entendido como um raro exercício de expressão da vontade popular – não existem eleições directas deste tipo no continente chinês – é visto como uma espécie de festim. Mais uma boa oportunidade para comprar, vender, especular, oferecer, dar e receber. Está montada a tendinha das eleições. Comprem, meninas, comprem.

O Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) tem por esta altura a ingrata tarefa de prevenir que não se cometem actos de corrupção eleitoral. Tanto a Comissão Eleitoral como o próprio CCAC apelam à população que façam jogo limpo, que não vendam o seu voto, que este deve ser um acto democrático. O voto é secreto, e ninguém, mas absolutamente ninguém vai saber em quem o eleitor votou. É impossível que uma lista que compre o voto a um eleitor que se certifique com toda a certeza que este vai votar nele. Se “comprarem” os votos a dez eleitores numa determinada mesa e nela só conseguirem um voto, cada um deles vai acusar os outros nove. Não há forma de provar que um eleitor “comprado” cumpre com o prometido. Com algum jeitinho um eleitor mais astuto pode ser “comprado” por quatro ou cinco listas diferentes e não votar em nenhuma delas.

O problema é que nem todos os eleitores têm consciência do secretismo do voto como eu ou o querido leitor. Aconteceu em eleições anteriores e com toda a certeza vai acontecer nestas: um eleitor que recebe um “lai-si” de uma das listas sente-se compleido a votar nesta, pois caso contrário a sua traição será denunciada ou descoberta, e poderá sofrer as consequências. É difícil convencer um eleitor menos educado que não existe forma de alguém saber em quem votou. Esta é uma cultura que não está habituada a exercícios livres da vontade própria, e muitos séculos de intrigas palacianas, conspirações levadas a cabo por eunucos e concubinas, reis e princesas envenenados, minaram qualquer tipo de credibilidade no conceito ocidental do “poder de decisão”, ou “uma pessoa um voto”. Votam em quem lhes paga, não se querem meter em sarilhos e pronto, amanhã é outro dia.

A pressão não é tão sufocante no que toca aos leitores independentes, mas o caso muda radicalmente de figura quando se é obrigado a votar no patrão. Há duas semanas o deputado no Novo Macau Democrático, Paul Chan Wai Chi, denunciou situações de coacção a estudantes universitários, a quem era indicado o sentido de voto. O incumprimento das directivas por parte de um deles poderia significar a reprovação de toda a turma. Infelizmente ocorrem situações em que não é dada ao eleitor liberdade de escolha, e não são assim tão raras. Existe uma lista que defende os interesses casineiros que faz um levantamento extensivo dos seus trabalhadores recensados, e exige que o número de votos em cada mesa não seja inferior ao número de eleitores inscritos nessa estação de voto. Um boletim a menos pode custar a todos o bónus anual, uma vez que não há forma de identificar o eventual “traidor”, ou “traidores”. A abstenção é também sancionada, e a lista em questão chega até a providenciar transporte até à mesa de voto. É um método clínico e infalível.

Em Macau as eleições têm duas faces: a séria e a da palhaçada. É claro que existem eleitores que exercem livremente o dever cívico, enquanto outros nem sabem muito bem o que vão ali fazer. Para o CCAC, a quem compete garantir a legalidade e a transparência do acto eleitoral, as eleições são uma enorme dor de cabeça. Alguns dos expedientes utilizados aproveitam-se de vazios legais ou interpretações diversas da lei – é complicado determinar se uma associação que providencia transporte aos seus eleitores está a cometer uma ilegalidade. Algumas listas andam na corda bamba do que é permitido, e aproveitam qualquer distração para fazer “jogo sujo”. Fazem lembrar uma criança gulosa e cleptomaníaca deixada a sós numa loja de doces: podemos tentar educá-la no sentido de que roubar “é errado”, mas sabemos que ela vai fazê-lo na mesma.

As eleições para a AL valem o que valem, e quem acompanha regularmente a actividade do orgão legislativo da RAEM tem consciência disso. Não é um deputado tradicional a mais ou um deputado da ala democrática a menos que vão fazer a diferença. Talvez a conversa fosse outra se estas eleições levassem à formação de um Governo, como acontece noutras legislações, ou se todos os deputados fossem eleitos pela via directa. Assim levavam-se as eleições a sério, e fazia-se um esforço suplementar para que fossem justas e transparentes, e os infractores eram severamente desencorajados, e em última instância punidos. Neste estado de coisas, aqui vai-se brincando ao jogo das cruzinhas no boletim, e é uma daquelas coisas que “dá dinheiro”, como os selos e as notas comemorativas. É mais ou menos como no Bingo. E qual é a diferença?

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