sexta-feira, 30 de novembro de 2012
O abismo
Texto publicado na edição de quinta-feira do Hoje Macau.
I
Se olhares demoradamente para dentro do abismo, o abismo olhará para dentro de ti – Friedrich Nietzsche, “Para além do bem e do mal”.
Estão a decorrer por estas calendas as Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2013. Tempos houve em que eu seguia com muita atenção esta espécie de programa do Governo para o ano seguinte. Interessava-me, porque pensava que tinha a ver com o meu futuro próximo. Com o nosso, com o de todos, em suma, é suposto ser uma coisa séria. O que vai fazer o Executivo da RAEM para resolver os problemas com que Macau se debate? O que vai fazer para melhorar a vida da população? Acabei por me desiludir, e deixei de acreditar nas LAG. Passaram a ser uma parada de amanuenses enfatiados que debitam promessas vazias, recitam textos que não são da sua autoria, e nos quais nem eles próprios acreditam, e nem chegam a prometer mundos e fundos, tal é a ambiguidade daquilo que papagueam. As tais perguntas dos deputados, que têm supostamente um papel fiscalizador da acção do Governo, são um espectáculo que se repete ciclicamente. É como ver o mesmo filme muitas vezes, já sabemos o que vai acontecer a seguir, e às vezes até decoramos as falas. O problema é que este não é lá um filme muito bom. Algumas perguntas parecem coreografadas, as críticas parecem mordazes mas não chegam para ser levadas a sério, enfim, são tudo bons rapazes e raparigas, cada um com o seu monopólio na barriga. Esta é uma das poucas situações em que não me resta senão concordar com aquela fatia da população amorfa que não liga a política, porque “tem mais que fazer”. As LAG deixaram há muito de servir o seu propósito, que seria de elucidar os cidadãos para o que os espera. Todas as decisões que realmente interessam são urdidas espaçadamente ao longo do ano, ao sabor dos ventos, ou dos assomos de generosidade do Governo. Os intérpretes são sempre os mesmos, tanto que a situação já chegou ao ponto do tédio. Macau deve ser, depois da Coreia do Norte (ou nem isso) o lugar do mundo onde os dirigentes mais tempo se mantêm no poder. Se saem é para outro cargo idêntico, superior, recém e especialmente criado como um fato num alfaiate, ou simplesmente simbólico – caso o menino se tenha portado mal e precise de ser posto na “prateleira”, sem que no entanto “perca a face”. Uma autêntica dança das cadeiras. Por muito mau trabalho que façam, por muito que sejam criticados, por mais escândalos, gafes ou nepotismo que se evidencie, estão ali de pedra e cal. E parece que estão para ficar, “no matter what”. A única excepção a este carrossel das vaidades foi a de um certo ex-secretário que foi transferido para o Estabelecimento Prisional de Macau, em Coloane, e não foi para um cargo administrativo. Mas isto não se volta a repetir não senhora, e é melhor não falar nisso. Chiu que estamos a ser filmados e escutados.
E o que pode afinal a população esperar, não destas LAG, mas do próximo ano civil? Mais do mesmo. Os cheques (sempre anunciados antes do 1 de Maio, para esfriar os ânimos), os subsídios, as “injecções” no tal fundo de segurança social, essa miragem distante, os descontos e as esmolas. As mesmas migalhas que sobram do banquete dos faustosos. Resolver os problemas imediatos como a habitação e a especulação imobiliária – problema que podia muito bem ser resolvido com a construção dos milhares de fogos anuais que o Governo vem prometendo desde 2000 – a inflação e outros, “moah”. Desculpem lá mas não pode ser, isso é muito difícil, é mais complicado que resolver um cubo de Rubick, e pronto, sei lá, boa sorte na próxima reencarnação. E o povo lá vai, cantando e rindo, de ombros descaídos e um sorriso amarelo, agradecendo a esporádica generosidade destes senhores que afinal “sabem o que fazem”. Uma população lá no fundo descontente, mas que sofre de falta de um par deles no sítio para dizer basta e dar um murro na mesa. Se a sociedade de Macau fosse representada por um corpo sólido, seria um cone. Uma extremidade aguda onde cabem os poucos elitizados e as suas famílias, e uma base de desenrascados que vai ficando cada vez mais larga. Perdoem-me o pessimismo, mas assim caminhamos para o abismo, e cairemos nele sem que demos por isso – se é que já não estamos a cair. Perdoem-me ainda o desinteresse pelas LAG, que afinal são as “linhas por onde nos cosemos”, usando o bordão jornalístico, mas o que me preocupa é que cidade vamos deixar para os nossos filhos, engolindo estes sapos, sempre os mesmos, todos os anos. Mas pronto, com anestesia, que sempre dói menos.
II
Depois de amanhã, dia 1 de Dezembro, passam cinco anos desde que dei início ao “Bairro do Oriente”, um espaço que chegou a ser de referência na blogosfera de Macau. Herdeiro do blogue anterior, o “Leocardo” (que teve início em Março de 2006), o BDO é a menina dos meus olhos, o meu jardim à beira-mar plantado, o espaço onde exteriorizo tudo o que sinto por esta terra que amo e dou asas aos meus devaneios sobre os mais diversos temas. Quando há alguns meses dei a cara e saí debaixo da capa do anonimato, foi um alívio. Já não precisava de fingir ser o que não sou, e podia encarar de frente as inúmeras ameaças que recebi, entretanto nunca concretizadas. Quando o director deste jornal me convidou para assinar este espaço semanal, não pensei duas vezes. Este jornal foi sempre, na minha opinião, o espaço mais livre na imprensa do território – sem querer menosprezar a restante imprensa em português, que se destaca da imprensa em chinês, que não só muitas vezes falha em informar condignamente o grosso da população, que só entende a língua chinesa, como ainda pactua com o poder, em nome da manutenção de subsídios e outras vantagens.
Sempre fui e sou aberto a todas as opiniões, correntes de pensamento e ideologias, desde que não vão apenas pela via do insulto gratuito. O que me incomoda mesmo é o mono-pensamento, a concordância absoluta, a unanimidade que por aí grassa. O contraditório excita-me, faz-me subir a adrenalina. Contudo, tanto no blogue como no dia-a-dia, continuo a sentir o desprezo e a encarar a arrogância de certos senhores, auto-intitulados donos da razão. São sobretudo pessoas mais velhas, muito “old school”, que julgam que a idade ou o tempo de permanência no território é um posto, e que lhes dá autoridade para serem tidos e ouvidos antes de mais ninguém, e que ainda tratam a coisa como muito natural, muito noblesse oblige. Para estes senhores dinossauros, a figura do Leocardo vai contra as suas convicções, sejam lá elas quais forem. Isto foi gente que viveu no tempo da ditadura, da censura, podiam ser presos por dizer o que pensavam, sim senhor, têm “estórias” muito giras para contar ao netos, se eles estiverem mesmo interessados. Talvez por essas e por outras a minha pequena brincadeira caiu-lhes mal, ou quem sabe se não me reconhecem legitimidade, ou como um deles uma vez disse, falta-me “formação técnica”. Sim senhor, que isto é gente não só com uma vasta experiência, mas ainda por cima com um currículo e habilitações dignas de um Nobel. Para estes ilustres sabichões tão senhores do seu nariz, deixo-vos com uma passagem de “Rei Lear”, da autoria de um dos vossos contemporâneos, o tio Shakespeare: “Os velhos desconfiam da juventude porque foram jovens”. Neste caso foram há tanto tempo que se calhar já nem se lembram…
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
Macau perde com Inglaterra
Macau perdeu ontem em Canelones, no Uruguai, frente à Inglatera por 1-3, em jogo dos quartos-de-final do mundial B de hóquei em patins. O cinco macaense foi assim afastado da decisão da subida, restando agora jogar para o quinto lugar. Depois de algumas surpresas na primeira fase, foi um : regresso à Terra" na fase a eliminar, com Inglaterra, Áustria e África do Sul, os grandes favoritos, a eliminar Macau, Egipto e Israel, respectivamente. À hora que escevo este post falta conhecer o resultado do jogo Uruguai-Holanda, mas os europeus são favoritos.
Nota: a informação sobre o formato da prova não foi deixado claro; qualificavam-se os quatro primeiros de cada grupo, havendo de seguida quarts-de-final e meias. Ao contrário da informação inicial, onde apenas os dois primeiros de cada grupo se qualificavam. Pela confusão, e da minha parte, as minhas desculpas.
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Não querem saber de nós
Aí está o novo vídeo de Diogo Sena, autor do célebre "This is not the Sporting that I used to know", quem tem já 1,5 milhões de visualizações no YoUTube. "Não querem saber de nós" é uma versão de um tema dos One Direction, e como não podia deixar de ser, é crítica do governo de Pedro Passos Coelho. Criticar o nosso PM é como apanhar peixe num barril.
Macau vence finalmente
A selecção de hóquei em patins de Macau obteve a sua primeira vitória no mundial B de Canelones, no Uruguai, ao bater Israel por 6-5 - uma vitória bem suada, a julgar pelos números. O cinco macaense garantiu assim o 3º lugar no Grupo B, e vai agora discutir o 5º lugar da prova.
terça-feira, 27 de novembro de 2012
Tenham frio, tenham muito frio
Macau tem sido assolado desde um último fim-de-semana por uma frente fria, que fez com que as temperaturas baixassem até aos 13/14º C. Isto levou a população do território a tirar dos armários os casacões, os cachecóis, as botas, as meias grossas, as luvas, os barretes e os gorros. Imagino até a festa que será quando chega uma pontinha de frio. É altura de mostrar as aquisições da moda Outono/Inverno. O frio tem sido acompanhado por uma chuva miudinha, que foi mais intensa durante o último Sábado de madrugada, e o guarda-chuva passou a ser um utilitário obrigatório - mesmo que chova muito pouco, ou não chova de todo. Hoje levei o guarda-chuva de manhã, e nem precisei de o abrir.
Ouvi alguém comentar "parece que o Inverno chegou mais cedo este ano", qual ermitão cuja dor no calo do dedo grande do pé esquerdo anuncia a mudança das estações. Meu Deus, calafetem portas a janelas, artilhem os pneus dos carros com correntes, pichem os telhados, preparem as pás para retirar a neve dos acessos às portas. Não façam muito barulho por causa das avalanchas e encham as despensas de víveres, não vá um nevão mais forte encerrar os mercados e outros postos de abastecimento. Preparem-se para o pior, e não se esqueçam que falta menos de um mês para o fim do mundo previsto pelos Maias. Aproveitem os últimos dias para irem ao ta-pin-lou, comerem um guisado de carneiro ou provar o macaense Tacho, todos ideiais para o frio glaciar que se aproxinma.
Em Macau a chuva é dirimente da actividade social. Quando saí à tarde para almoçar alguém me disse: "Vais sair para almoçar? Mas está frio e chuva lá fora!". O que seria da civilização britânica e germânica, das mais avançadas do mundo, se uma simples chuva e o frio fossem uma razão para não sair de casa? Para eles o estranho é estar calor. Aí é que ficam mesmo desorientados. A produtividade desce nos países nórdicos à medida que as temperaturas sobem. Muito tinha esta gente a aprender com eles. Nunca ouviram falar em "trabalhar para aquecer"? Em vez disso é o pânico - "ó meu Deus, está tanto frio, vou morrer".
A verdade é que o tempo vai continuar assim, frio e chato até sexta-feira, e no próximo Sábado e Domingo vamos ter sol e temperaturas máximas de 23 graus. Mesmo o Natal costuma ser ameno, e o frio a sério chegará em Janeiro e Fevereiro, com os termómetros a baixar até aos sete graus, e quem sabe menos. Talvez nessa altura estes cidadãos tão cuidadosos vistam roupas de esquimó, e vão viver em iglos. Por enquanto isto é uma "corrente de ar", que uma simples camisola mais grossa resolve sem problemas. Por esta lógica neste fim-de-semana, quando as temperaturas subirem e o astro-rei imperar glorioso no céu límpido, vão voltar às ruas as t-shirts, os calções e as sandálias. A moda impera e esta não é parva, não senhor.
Nazismo? Quem lhes dera...
O escritor português José Luís Peixoto, que passou por Macau várias vezes, deu uma entrevista ao Jornal i onde diz que a Coreira do Norte "tem mais de nazismo do que de estalinismo". Isto a propósito do seu novo livro, "Dentro do segredo", inspirado na sua visita ao país mais isolado do mundo.
Percebo muito bem o que o José Luís Peixoto quis dizer, e não vou aqui armar-me em esquisito ou fazer segundas leituras, mas sinceramente, quem dera aos norte-coreanos que aquele país fosse um regime nazi. O nazismo foi um episódio negro da história, um erro que não se deve repetir, um regime diabólico, mas os nazis não deixavam o seu povo passar dificuldades nem morrer de fome.
Conseguiram mesmo implementar poíticas que hoje são consideradas positivas; baniram a vivisecção de animais, tinham espécies protegidas, foram pioneiros no combate ao tabagismo (o JLP diz na entrevista que os norte-coreanos "fumam muito, em todo o lado"), tinham um dos maiores sistemas de segurança social de toda a história, criaram uma invejável rede de auto-estradas e investiram na segurança rodoviária, inovaram no cinema e na moda, e contribuiram para muitos avanços na medicina. Os alemães não viviam no isolamente nem na ignorância durante o terceiro reich.
O que acontece na Coreia do Norte é algo de muito original, diferente do estalinismo propriamente dito. Estaline era um louco homicida, enquanto os Kim são apenas uns loucos negligentes e teimosos. Sinceramente a pobre população norte-coreana teria muito mais a ganhar se o regime que vigora no seu país fosse o nazi. Agora que deixei isto claro, recomendo a leitura da entrevista, e ficarei à espera do livro.
Macau volta a perder
Macau está afastado das meais-finais do mundial B que se disputa no uruguai, depois de ter somado esta madrugada a segunda derrota frente à Holand, por 8-5. Este era em teoria o jogo mais difícil para Macau, e tornava-se quase obrigatório fazer um bom resultado depois da derrota na jornada inaugural frente à Áustria. Holanda e Áustria seguem assim em frente, depois dos austríacos terem vencido Israel por 4-0. Portugal discute com os israelistas o terceiro lugar do grupo.
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Da harmonia e da pedra lascada
1) Foi deixada cair a proposta de lei que tornaria a violência doméstica um crime público, uma vez que decidir situações deste tipo nas barras dos tribunais vai contra o princípio da "família harmoniosa". Permitam-me esmiuçar este conceito. "Violência doméstica" significa "violência em casa". Em todo o mundo temos violência, e em todo o mundo temos casas. Ora se existe "violência", não existe "harmonia". São conceitos díspares. O que existe em "casa" não é "harmonia", mas sim "violência", também conhecida por "porrada". Portanto, "desarmonia". Em muitos países e territórios civilizados a violência doméstica é um crime público, não só em Portugal, onde por acaso até vigora um adágio popular que diz "em briga de marido e mulher, não metas a colher". E deixemos de fora disto alguns países islâmicos, onde ainda se vive no tempo da pedra lascada, do neolítico. Mas a sociedade chinesa quer-se harmoniosa, portanto dois dentes a menos e um olho roxo a mais não têm importância. O problema é que se na casa do meu vizinho acontecer "desarmonia", não posso denunciá-la, mesmo que o barulho da gritaria, da choradeira, das cadeiras e dos copos pelo ar venha perturbar a minha própria harmonia. Muitas associações criticaram esta decisão, mas se calhar estão enganadas, e foi feita por aí alguma consulta pública em que a maioria dos inquiridos até não acha mal que uma mulher refilona leve um safanão bem dado ou um pontapé nos ovários. Quem achou muito bem foi a Associação das Mulheres, esses grandes patriotas, que acha mais importante "o apoio e assistência às vítimas". Para quê meter a polícia e os tribunais ao barulho, se há pensos, ligaduras e mercuriocromo quanto baste? E viva a harmonia!
2) Centenas de pessoas pernoitaram na noite de Sábado para Domingo à porta do Estádio de Macau para adquirir bilhetes para o concerto de Eason Chan na RAEM no próximo dia 20, indiferentes ao frio e à chuva. Um dos jovens entrevistados pela TDM disse ser um grande fã do cantor, e que não queria perder "este momento tão especial". Epá segurem-me que vou desmaiar. Este não é o primeiro nem será o último espectáculo que Eason Chan faz em Macau, e quem é mesmo fanático pelo cantor pode sempre apanhar um dos vários concertos que dá por ano em Hong Kong, de onde é natural, e que fica mesmo aqui ao lado. Este é mais um caso de miserabilismo e ganância que faz corar de inveja o mais somítico dos judeus. Os bilhetes para o concerto, inserido no espectáculo de comemoração do aniversário da RAEM, custam apenas 50 patacas para residentes de Macau, e cada um tem direito a quatro bilhetes. Em Hong Kong um bilhete para um concerto de Eason Chan custa pelo menos 300 patacas, portanto é só fazer as contas: 4x50=200, 4x300=1200, o que vale por dizer que passar uma noite inteira à chuva e ao frio pode render mil patacas de lucro na revenda! Tivessem incluído com os bilhetes uma caixa de arroz, e juntavam-se à festa também mais umas centenas de velhinhas. Ai gentinha difícil de entender.
3) No programa Contraponto transmitido ontem pelo Canal 1 da TDM debateram-se, entre outros temas, as Linhas de Acção Governativa (LAG). Os comentadores residentes destacaram as críticas feitas à secretária para a Administração e Justiça, mesmo de deputados mais próximos do executivo. Realmente é injusto. A sra. secretária não tem culpa nenhuma dos problemas que mais afectam a população do território: a inflação, a especulação imobiliária, o estado deplorável da saúde, o trânsito, os transportes, etc., etc. O que os srs. deputados exigem de Florinda Chan é que faça uma tal "reforma administrativa", que demora. Reforma quê? É isso que está mal? Do que se trata essa tal "reforma" de que tanto se fala? Há por acaso alguma crise? Mas isto tem tudo a ver com a mentalidade chinesa. É claro que Chui Sai On ñão seria criticado abertamente pelos deputados em pleno hemiciclo. Isso ficava mal em termos de opinião pública. E para que serve a nº 2, então? Ela até recebe as críticas de peito aberto, e as balas resvalam suavemente na armadura. No fim eles até são capazes de ir beber um chá e brincar com o assunto. E o povão diz "sim senhor, afinal temos espírito critico na AL". É tudo tão coreografado como aquelas lutas de Wrestling americanas: não se vê mortes nem sangue. Com papas e bolos, enganam-se os tolos. Aposto que o próximo vai ser Lau Sio Io.
4) Arturo Calderon foi detido ontem à noite por suspeita de associação criminosa e posse de arma ilegal. O conhecido ex-agente da PJ era o nº 2 da seita 14K, liderada por Wan Kuok Koi, conhecido por "dente partido", e foi libertado há 3 anos depois de cumprir uma pena de 10. Calderon teria sido contactado por um trabalhador de um casino para contratar um assassino para a mulher deste, que o andaria a traír, recebendo para tal a quantia de 200 mil patacas. Isto é que é um funcionário de casino abastado. Uma história muito mal contada, e a gente finge que acredita. Em todo o caso, Calderon tinha um arsenal de armas ilegais em casa, o que já por si justificaria a sua detenção. O que faz disto notícia de destaque é o facto de Wan Kuok Koi sair da prisão daqui a menos de uma semana, e a detenção do seu antigo vice é entendida como um "aviso". O pior é que se calhar o senhor, com a detenção do seu amigo, fica agora sem boleia de Coloane para Macau. Voluntários?
Barcelona é exemplo
O Barcelona goleou esta noite o Levante por 4-0 em mais uma jornada do campeonato espanhol, mantendo a vantagem de três pontos sobre o segundo, At. Madrid, e ampliando para 11 pontos a diferença para o terceiro, o Real Madrid, que perdeu no Sábado em Sevilha frente ao Bétis, por uma bola a zero. Os catalães são assim cada vez mais favoritos para reconquistar o título, mas não é isso que é notícia. Com a entrada de Martin Montoya aos 14 minutos para o lugar do brasileiro Dani Alves, lesionado, o Barça tinha em campo um 11 completamente formado na sua "Cantera", a já famosa La Masia. A saber: Valdés; Puyol, Montoya, Piqué, Jordi Alba; Fabregas, Iniesta, Xavi e Busquets; Messi e Pedro Rodríguez. Parabéns ao Barça, um verdadeiro exemplo que devia senão seguido, pelo menos inspiracional.
Vettel tri-campeão mundial
O alemão Sebastian Vettel sagrou-se esta madrugada (hora de Macau) tri-campeão mundial de Fórmula 1 depois da realização da última prova da temporada em Interlagos, Brasil. Uma corrida emocionante, à chuva, com o alemão da Red Bull a terminar em sexto lugar, numa prova ganha pelo britânico Jenson Button, em McLaren. O espanhol Fernando Alonso, o único que podia roubar o título a Vettel, terminou em segundo, apenas a 2,7 segundos do vencedor. Tivesse Alonso vencido, e seria ele o tri-campeão. Curiosamente Vettel tornou-se campeão vencendo apenas corridas em circuitos asiáticos: Bahrein, Singapura, Japão, Coreia do Sul e Índia, tornando-se o primeiro piloto a ganhar o título sem vencer qualquer prova em solo europeu.
Macau entra a perder no mundial "B"
A selecção de hóquei em patins de Macau entrou a perder no mundial "B" de hóquei em patins, que se realiza este ano mais uma vez no Uruguai. A equipa de Alberto Lisboa foi derrotada 3-4 com a Áustria num jogo equilibrado e emocionante, e comprometeu o objectivo de chegar às meias-finais. Na outra partida do Grupo B a Holanda bateu Israel por 3-0, e Macau vê-se obrigado a vencer os holandeses para poder aspirar à qualificação. No Grupo A destaque para a surpreendente vitória do Egipto sobre a Inglaterra, também por 4-3.
sábado, 24 de novembro de 2012
Soneto do Pau Decifrado (outro poema de Bocage)
É pau, e rei dos paus, não marmeleiro,
Bem que duas gamboas lhe lobrigo;
Dá leite, sem ser árvore de figo,
Da glande o fruto tem, sem ser sobreiro:
Verga, e não quebra, como zambujeiro;
Oco, qual sabugueiro tem o umbigo;
Brando às vezes, qual vime, está consigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:
À roda da raiz produz carqueja:
Todo o resto do tronco é calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-santo mais negreja!
Para carvalho ser falta-lhe um V;
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar meta-o no cu.
Desfado
Aí está o novo disco de Ana Moura, "Desfado". Um disco muito giro e original que bebe do fado clássico, mas num estilo muito mais refrescante. Fica aqui o tema que dá o nome ao álbum, escrito por Pedro da Silva Martins, dos Deolinda.
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Máquina do tempo
Durante esta breve brisa que é a vida, tive a sorte de ser contemporâneo do Dr. Henrique de Senna Fernandes, o mais celebrado (o único?) escritor macaense. Um homem que descreveu esta terra que amo como ninguém, e de cujo o passado tenho saudades. Mesmo aquele que não presenciei, aquele que faz parte de uma memória longínqua e que fico deliciado quando amigos macaenses mais velhos me descrevem. Foi isto que senti quando li e reli “Os Dores”, a obra póstuma do advogado e professor que em boa hora o Instituto Cultural lançou em Setembro último. Passar os dedos por este livro é como embarcar numa viagem ao passado. Para quem conhece as ruas e os caminhos de Macau, ler “Os Dores” é como entrar numa máquina do tempo, que nos transporta à cidade colonial do primeiro quartel do século XX.
É fácil identificar-me com todas as localizações que o escritor escamoteia no livro. Imagino como seria a “cidade cristã”, desde a Calçada de Sto. Agostinho, onde viviam os Policarpos, passando pela Rua do Padre António (onde vivo), localização da luxuosa mansão dos Madruga, terminando na espelunca imunda na Travessa de Sancho Pança, onde residia o decadente José Lucas Pernes, a imagem do boémio português que mesmo ainda nos nossos dias vai persistindo num tom mais sofisticado. Macau foi sempre uma cidade apetecível para aventureiros, devassos e promíscuos, dependendo do modo e do tempo. Para gente que sabe contar uma boa mentira e iludir os mais inocentes. Agradou-me sobremaneira a forma como Senna Fernandes descreveu a parada de entrudo de 1920, que terminava na mansão do abastado Celidónio Ventura, que dispunha o salão de baile aos mascarados e foliões. Vem-me à memória os gloriosos tempos dos carnaváis festejados no Teatro D. Pedro V nos anos 60, onde o saudoso Adé apresentava as suas récitas em patuá apoiado pelo seu grupo de pândegos transvestidos, muitos deles respeitosos pais de família. Era tudo em nome de uma tradição que tinha como pano de fundo a quaresma, que para os macaenses, tementes a Deus e adoradores dos santos como ninguém, era cumprida à risca. Aliás em “Os Dores” o patuá é apresentado como o terceiro idioma de Macau daquele tempo, ombreando com o português e o cantonês. Encantou-me a descrição da farta mesa macaense, ao ponto de me deixar água na boca, com algumas iguarias mesmo já extintas, infelizmente.
A personagem principal do livro, Leontina das Dores, é o protótipo da mulher macaense, da mestiça obediente e submissa, desconhecedora ela própria da sua origem, amarrada a um mundo de preconceito que levava as mulheres de boas famílias a encontrar um bom partido com quem casar, e às restantes que fossem simplementes boas donas de casa ou que aprendessem um ofício tipicamente feminino para poderem sobreviver. Àquelas concebidas fora da santidade do matrimónio era atribuído o epíteto de “enjeitadas”, e eram condenadas à institucionalização e ao degredo. Esta terra era uma terra de homens. É curioso observar como a Igreja Católica desempenhava um papel fulcral, mesmo esmagador, na sociedade macaense. Era ela a encarregada de todo o tipo de função social. Ora tratava dos casamentos e baptizados, funções sem as quais era impossível ter direito à existência, dos orfãos, dos bastardos e das viúvas, e tinha um papel incontornável na escolaridade. O ensino público, o laicismo ou a irreligiosidade eram uma miragem. Quem ficava fora dos círculos das paróquias era um pagão ou um demónio. Quem não era cristão ou budista simplesmente não tinha lugar. É uma influência que se sente ainda hoje, se bem que mais diluída com a modernidade e o passar do tempo. Mesmo o conservadorismo da sociedade chinesa é retratado no livro, e nos dias de hoje não é muito diferente. Macau foi sempre uma cidade tripartida: pelos portugueses, pelos chineses e pelos macaenses, todos donos do seu sentido próprio.
Em “Os Dores” está presente tudo o que podíamos esperar do autor de “A trança feiticeira” e “Amor e dedinhos de pé”. Confesso que fui acometido de preconceito, pois antes de ler as obras anteriores do autor vi os filmes, e verdade seja dita, a transposição para o celulóide não faz justiça às obras originais. É verdade que é preciso sentir Macau para que se entenda a paixão da escrita, o cuidado com o detalhe, a descrição promenorizada de um tempo em que parece que o agente esteve presente, mesmo que o seu conhecimento tenha sido fruto de muita atenção, investigação, e sobretudo curiosidade. A cidade do início do século XX que Senna Fernandes descreve, com todas as suas particularidades, desde os sítios de lazer, de férias ou de pesca, não é mais que um sentir muito próprio do macaense, da busca das suas origens, da determinação e da paciência, do cuidado de escutar os mais velhos. Imagino o Dr. Henrique de Senna Fernandes enquanto jovem como um curioso obediente, um homem completamente integrado nas suas tradições e ávido de conhecer as suas raízes. Um atento ouvinte.
O ser feminino em Senna Fernandes é também o fruto de uma observação cuidada; não sendo um estranho nos labirintos da paixão, da sedução e do erotismo, Senna Fernandes nunca deixa de relatar os encontros sexuais entre os seus protagonistas como uma vontade mútua. Muita boa gente em Macau ainda considera que o prazer sexual é um exclusivo dos homens, e que as mulheres são as vítimas do desejo masculino. Senna Fernandes cuida em deixar claro que, no que toca ao amor, as mulheres têm as mesmas ambições e os mesmos desejos que os homens, nunca descurando o imperativo do falo sobre o que a certa altura define como “o triângulo negro de tufo áspero”. Não é deixada de parte a dialéctica do macho dominador sobre a fêmea submissa, sem que isso signifique a superioridade de alguma das partes. Para quem era assumidamente conservador e religioso, a sua visão da cópula surpreende, romântica com uma dose de erotismo quanto baste, sem nunca entrar pelo facilitismo da pornografia, se bem que algumas referências (“mastro real”, “entrada apertada”, “gruta fervilhante”) lembram o misticismo erótico de Henry Milller no seu melhor. Quem sabe um pouco além do que seria de esperar para quem sempre foi conhecido por um respeitoso patriarca e devoto católico, como era o Dr. Henrique Senna Fernandes.
Em suma, recomendo “Os Dores” como uma leitura introdutória a quem só agora começou a amar Macau, ou a quem tem esta terra como uma amante recente, ou mesmo uma mera meretriz. A todos que cultivam o gosto pela leitura, no fundo, e especialmente aos que querem saber mais sobre a cidade do santo nome de Deus. A obra póstuma de Senna Fernandes é o testemunho de uma cidade viva, de uma cultura rica, que hoje se vai apagando. Os irredutíveis macaenses vão-se agora estrategicamente integrando no regaço da grande China, bebendo a sua cicuta, e assim extinguindo a cidade que Leontina das Dores conheceu. Viram-lhes as costas, como a própria Leontina fez com Floriano Policarpo na última página do livro. Uma pena.
PS: Há algumas semanas o director deste jornal chamou a atenção para o pouco cuidado que o Instituto Cultural vetou a esta edição de “Os Dores”. É certo que o Dr. Senna Fernandes nunca deixaria a sua obra passar com erros gramaticais ou pontuação dispersa, mas toda a essência da sua escrita está ali presente. É um mal menor. De certeza que ele perdoa.
Vídeo da semana
Imagens recolhidas por um vídeo-amador no último dia 15, durante o Grande Prémio de Macau. Nele assistimos ao acidente fatal do piloto português Luís Carreira durante os treinos da prova de motos. Imagens impressionantes, em que é bem perceptível a gravidade do impacto.
Razia na Liga Europa
As equipas portuguesas na Liga Europa estão todas eliminadas, quando ainda falta realizar uma jornada. O Sporting foi goleado na Su''ica frente ao Basel por 3-0 - mesmo tendo jogado contra 10 durante meia-hora - e terá realizado a pior exibição da época. A Acafémica estava obrigada a evencer os checos do Viktoria Plzen em Coimbra, e não foi além de um empate a uma bola, enquanto o Marítimo conseguiu um empate em Newcastle, mas continua sem vencer. Um ano para esquecer nesta competição da UEFA.
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
Comunistas comodistas
Deliciosa a reportagem de Sónia Nunes para o Ponto Final da última segunda-feira, Macau e os primeiros comunistas. Um artigo cheio de episódios deliciosos, e que conta ainda com a útil ajuda do historiador e presidente do Instituto Confúcio em Portugal, Moisés da Silva Fernandes, especalista em assuntos sínicos.
Em primeiro lugar gostava de deixar claro que não nutro qualquer simpatia pelo comunismo ou pelos Partidos ditos comunistas por esse mundo fora, mas contudo dou-lhes mérito pela sua capacidade organizativa, pela forma como faziam da clandestinidade um modo de vida, pela força das suas convicções. Uma ideologia feita do homem para o homem, e que no seu tempo serviu para chocalhar com o marasmo vigente imposto pelo grande capital e a hegemonia da Igreja. São absolutamente condenáveis os excessos praticados pelos estalinismo, o maoismo e outras escolas, que levaram à morte e à ruína de milhões de pessoas. Um equívoco trágico.
Macau só começou a sentir os ventos da revolução chinesa nos anos 60, especialmente depois do início da Revolução Cultural, a tal que subverteu todo o tipo de valores e que é um poço sem fundo de relatos e curiosidades, ainda hoje. O regime colonialista português estava enfraquecido e a braços com a Guerra Colonial, e os eventos do "1,2,3" - assim chamado por causa do início da data dos eventos, 3 de Dezembro (12/3, na datagem inglesa) de 1966. Foi o início do fim do domínio português em Macau. Os "patriotas" de Macau sabiam muito bem que uma eventual mudança do poder em Macau seria sempre a favor do PC chinês, e quem tinha interesses a defender deveria estar sempre do lado certo da barricada. Do lado do único vencedor possível.
O equilíbrio do poder em Macau foi sempre muito agridoce, partilhado por dois polos completamente divergentes. De um lado os comunistas, extremistas e radicais, do outro lado os portugueses, ou a elite macaense, então dedignada por "portugueses de Macau", ala católica e conservadora. A revolução de 25/4 de 1974 nunca se fez sentir em Macau. Aqui todos os verões são quentes, e já agora húmidos. Para quê trazer para o território o Gonçalvismo, se o maoismo já se fazia sentir em todo o seu esplendor? Duvido que Cunhal, entretido com os seus amiguinhos sovietes, alguma vez se tenha preocupado com Macau. Nem convinha meter a sua colherzinha comuna na China, que na altura estava de costas voltadas com os ursos da URSS.
O artigo do Ponto Final dá uma descrição cronológica dos acontecimentos e das cogitações da sociedade macaense. É interessante notar que estes "patriotas", com destaque para Ho Yin e Ma Man Kei, eram homens de negócios, tendo muito pouco a ver com os princípios marxistas de base. Foram, e são, bem como as suas famílias, pessoas com um vasto ramo de negócios que vão para além das fronteiras do continente. Um relato divertido é assinalado, e passa-se com o pai do primeiro Chefe do Executivo da RAEM, que terá adquirido um porta-aviões e tentado vendê-lo por um preço astronómico ao regime chinês, e isto não terá caído nas boas graças de Pequim, o que abriu espaço para que O Cheng-peng, "muito mais patriota", se tornasse no líder de facto dos comunistas de Macau.
É mais que sabido que os empresários e homens de negócio de Macau são pessoas que têm interesses patrimoniais em países "capitalistas", como os Estados Unidos, Reino Unido, Canadá ou Austrália, o que nos leva a questionar a validade da sua ideologia. É também um facto que nos dias que correm, ter um cartão do partido na China é garantia de uma vida confortável, com muitas portas abertas para si e para os seus familiares. Os escândalos e os excessos sucedem-se, e no seu discurso de saída o presidente Hu Jintao chamou a atenção para o facto da corrupção poder significar num futuro próximo o próprio fim do regime. A ambição tornou-se desmedida, e os princípios socialistas foram praticamente esquecidos. Os Ferraris, as vivendas e as amantes não caem bem a quem tem que labutar de sol a sol para pôr o arroz na mesa da sua família. Os que batem o peito e juram fidelidade à República Popular e ao seu povo vão tendo cada vez menos credibilidade, e o povo - essa massa gigantesca - vai tendo cada vez mais consciência disso. Afinal, sois comunistas, ou comodistas?
Braga eliminado, Benfica tremido, Porto confirmado
Decorreu ontem e na terça-feira mais uma jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões, com sortes diversas para as equipas portuguesas. No Grupo H deu-se a eliminação do Sp. Braga, depois de uma derrota por 1-3 em Cluj, na Roménia. Os guerreiros do Minho nao podem sequer aspirar à Liga Europa, uma vez que ocupam o último lugar do Grupo, com menos quatro pontos que Cluj e Galatasaray, quando só uma falta apenas um jogo. Já no Grupo G o Benfica bateu o Celtic por duas bolas a uma, subiu ao 2º lugar e depende apenas de si para passar. Mas para garantir os "oitavos" sem depender do que passa no jogo de Glasgow entre o Celtic e o Spartak é preciso vencer...em Barcelona. Os catalães já estão apurados, mas isso não significa que dacilitem a tarefa aos encarnados. No Grupo A o Porto confirmou o apuramento com uma vitória desafogada frente aos croatas do Dinamo de Zagreb, por três bolas a zero. O Paris SG também venceu em Kiev, por 2-0, e segue no segundo lugar a um ponto dos dragões. O FC Porto precisa apenas de um empate no Parque dos Príncipes para garantir a vitória no grupo.
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Os filhos do Sado
Ontem abordei a Margem Sul, e para a encomenda não ficar pela metade, hoje gostava de falar do resto do distrito de Setúbal. Este distrito, o meu distrito, estende-se do sul de Lisboa até ao Baixo Alentejo. Chega mais a sul que os distritos de Évora e Portalegre, Alentejo propriamente dito. Se aquela coisa da regionalização fosse mesmo para frente, no limite da loucura gostava de ver criada a República Popular do Alentejo, que englobasse os distritos de Setúbal, Évora, Portalegre e Beja, e governada pelo PCP, obviamente. Seria interessante. Uma área de 28000 km2 – mais de mil vezes a área de Macau – e pouco mais de um milhão de habitantes – apenas o dobro da RAEM. Espaço era coisa que não ia faltar. Dava para um montão de aeroportos, aérodromos e heliportos, ó Mário Lino, seu ignorante.
Quem deixa o meu Montijo e se dirige para sueste, dá com o concelho de Palmela, introduzido pela refrescante freguesia do Pinhal Novo, cujo nome faz lembrar uma marca de desodorizante ou um sabor dos rebuçados Halls. Apesar de ter apenas 25 mil habitantes, o Pinhal Novo tem cinco jornais, uma rádio, três ranchos folclóricos, três grupos corais, seis clubes desportivos, um grupo carnavalesco, um moto-clube e até um centro de paraquedismo e uma sociedade columbófila! É um pequeno mundo, que deve envolver todos os habitantes daquela pequena freguesia palmelense. De tédio é que eles não se devem queixar. Depois chegamos à histórica vila de Palmela, com o seu castelo altaneiro. O que não falta em Palmela é o que se coma, e à fartazana: sopa de favas, sopa caramela (uma “prima” da sopa da pedra), coelho à moda de Palmela, fogaças de Palmela, palmelenses, santiagos e lá está, o ilustre queijo de Azeitão, fabricado em série na Quinta do Anjo, outra das freguesias do concelho. E tudo regado com Moscatel do bom. Existe ainda a vila da Marateca, que rima com “queca” (“dei uma queca na Marateca”) . A origem deste nome é curiosa. Diz uma lenda que um príncipe lusitano se apaixonou por uma princesa mourisca, e trouxe-a até Palmela através do Rio Sado, levada por homens da sua confiança. Quando perguntaram à moça como tinha ali chegado, ela respondeu “pelo mar até cá”. Daí o nome Marateca. Leiam isto ao estilo do saudoso Prof. José Hermano Saraiva, e vão ver como fica mais charmoso.
Já aqui falámos do queijo de Azeitão, que levou o nome de uma região que compreende várias localidades: Vila Nogueira de Azeitão, Brejos de Azeitão, o célebre Portinho da Arrábida, entre outros. Em Vila Fresca de Azeitão fica a célebre Quinta da Bacalhoa, e o palácio com o mesmo nome. Diz-se que esta quinta foi baptizada em homenagem a D. Maria Mendonça de Albuquerque, filha de D. Afonso de Albuquerque, proprietária do palácio e da quinta e casada com um tal D. Jerónimo Manuel, que tinha a alcunha de “bacalhau”. Humor medieval, portanto. Hoje esta região ficou integrada no concelho de Setúbal, depois de se ter separado de forma litigiosa do concelho de Sesimbra no século XIV. Quase acabava em guerra!
E já que falamos de Sesimbra, eis aí um concelho bastante bonito, arejado e agradável. Em primeiro lugar um grande abraço aos cagalêtes, como são carinhosamente chamados os sesimbrenses. Conhecido sobretudo pelas suas praias, este concelho engloba as freguesias da Quinta do Conde (onde fica o Pinhal do General) , Santiago e Castelo. É nesta última que ficam localizados os maiores motivos de interesse, desde o castelo de Sesimbra, a Lagoa de Albufeira, o Cabo Espichel, a Gruta do Zambujal e a celebérrima Praia do Moinho de Baixo, mais conhecida por “Praia do Meco”, famosa pela prática legalizada do naturismo. Moinho de baixo…pois, pois. Quando era miúdo ouvia dizer que no Meco “era obrigatório andar nú”. Tudo ao léu. Fui lá pela primeira vez quando tinha 13 anos e na realidade não era nada assim. O nudismo só é permitido na parte da duna sul, e é facultativo. Confesso que nunca pratiquei. Gosto de ir à praia nadar e tenho receio que os peixinhos confundam com isco alguma parte que depois me venha fazer falta. De resto em Sesimbra (ou “Chesimbra” como dizem os cagalêtes) come-se bastante bem. Um deleite para quem gosta de marisco e peixe grelhado. Mesmo em épocas de crise como a actual, as marisqueiras estão sempre a rebentar pelas costuras no Verão.
E finalmente chegamos a Setúbal, cidade maravilhosa. Berço da cantora lírica Luísa Todi, do poeta Bocage, dos cantores “pimba” Toy e Clemente e do treinador José Mourinho. Terra do “carrapau” e do choco “frrito”, carralho! “Vames emborra Vitórria!”. À beira-Sado plantada, cosmopolita e única, sempre um prazer em visitar. É em Setúbal que fica o famoso hospital ortopédico conhecido por “Hospital do Outão”, localizado no Forte de Santiago de Outão, na barra norte do Sado. Quando éramos miúdos e alguém dizia “Então?”, respondíamos na brincadeira que “o Outão é em Setúbal”. E é mesmo. Existe na freguesia do Sado um local que se chama “Faralhão”. Isto tem que se lhe diga. Imaginem que alguém se engana e troca o “F” por um “C”? E as duas letras estão perigosamente próximas no teclado. Mas voltando a Setúbal, e já que aqui estamos, porque não ir à praia? Depois de passar a cimenteira da Secil, chegamos à Figueirinha, linda praia com as suas gélidas águas. Quem quer mais sossego (ou não…) pode optar por um piquenique no Parque das Merendas, onde se realizam faustosas sardinhadas e faz-se a apanha do caranguejo. Foi lá que vi em carne o osso o cantor António Variações, a bordo de uma pequena lancha. Há em Setúbal mais praia, e da boa. Podemos apanhar uma espécie de “jetfoil” e chegamos à Península de Tróia, e já estamos fora do concelho da sede de distrito. Muita gente não sabe isto, mas Tróia fica já no concelho de Grândola. Fiquei a saber isto quando acampei lá uma vez e li nas latas do lixo “Câmara Municipal de Grândola”.
E assim chegamos à vila morena, à beira do estuário do Sado, e entramos na parte alentejana do distrito. Grândola não deixa os seus créditos abrilescos por mãos alheias. Existe ali um monumento a José Afonso, outro à Liberdade, outro aos poetas populares a ainda outro ao 25 de Abril. Não tenho bem a certeza, mas acho que em todas as sedes de concelho do distrito de Setúbal existe pelo menos uma rua, largo ou praceta José Afonso e 25 de Abril. Quanto à origem do nome da vila, conta a lenda que existia ali denso mato onde se escondiam vários animais de caça grossa. Era ponto de encontro de príncipes e nobres, e D. Jorge de Lencastre terá mandado ali edificar uma casa, ao que se seguiram outros caçadores, formando uma pequena aldeia. Um certo dia, depois de mais uma caçada, cozinhava-se um robusto javali num caldeirão, e um dos caçadores terá exclamado em espanto: “Que grande, olha!”. O local ficou a ser conhecido então por “Grandolha”, mais tarde “Grandolla” até à forma actual. Descendo por Grândola e junto àquela auto-estrada infinita que liga o Alentejo ao Algarve encontramos o Canal Caveira, que apesar do nome tenebroso é famoso pelo cozido à portuguesa. Nada como encher a barriga no Canal Caveira antes de seguir a longa viagem até ao sol Algarvio.
A norte de Grândola temos o concelho de Alcácer do Sal, com a sua linda ponte ferroviária, e a sul temos o concelho de Santiago do Cacém, onde fica a estação arqueológica de Miróbriga, onde se encontram umas das mais significantes ruínas romanas do país. Neste concelho existe uma aldeia da freguesia de Vila Nova de Santo André com um nome que até parece brincadeira: Deixa-o-Resto, localizada perto do famoso (?) “Badoca Safari Park”, e onde habitam os…deixarrestenses? Será isso? Por detrás da origem deste castiço nome, conta-se que terá chegado a uma povoação um homem pobre a quem os aldeões ajudavam, trazendo alimentos e outros bens, e diziam-lhe quando sobrava qualquer coisa: “deixa o resto”. Faz todo o sentido. Fico esclarecido. Existe outra aldeia no Cercal que se chama “Teimosas de Cima”, e a sua correspondente “Teimosas de Baixo”. Ora estas não requerem qualquer explicação. Todos sabemos quem elas são, e normalmente são as sogras. O dsitrito encerra-se na costa Vicentina, em Sines e na sua famosa freguesia de Porto Côvo, e a partir dali temos Odemira, e o Alentejo profundo, a cortiça e a bolota. Vale a pena conhecer o distrito de Setúbal, quem sabe o mais rico e diverso de Portugal.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Falhas
Falhas, todos temos. Dedicado à organização do Grande Prémio de Macau. Mas pronto, se agiram mal, cortem essa, e tentem pensar melhor da próxima vez. O importante é que não se deixem cair em tentações melancólicas, porque rebolar no lodo só serve para se sujarem. Um abraço especial ao Engº Costa Antunes.
O vídeo da bronca
Deu pano para mangas, a "bronca" de ontem durante a cerimónia do pódio da corrida de Fórmula 3 do GP de Macau. Neste vídeo tão gentilmente enviado por um leitor podemos ver o ar de estranheza do jovem piloto António Félix da Costa quando começa a escutar o hino sueco em vez do português, e ouvir os apupos de desagrado dos nossos compatriotas com toda a situação. A organização ficou "às aranhas" e lá desencatou o hino do YouTube, ligando-o ao equipamento de som, apenas oito minutos depois. Antes disso os portugueses cantaram o hino em uníssono - e a afinação foi o que menos importou - foi um momento inédito na história do Grande Prémio. E tudo graças a uma azelhice onde a culpa parece ir morrer solteira. Não acredito que a responsabilidade seja exclusivamente do Dr. Costa Antunes. Fará parte das suas funções garantir que o hino português esteja disponível e não falhe? Já agora todas as noites tem que se certificar que todos os elementos da equipa que lidera vão para a caminha cedo.
Um incidente lamentável, e hoje comentado tanto por portugueses, como chineses. Houve quem tivesse ficado mui indignado com tal afronta ao nosso símbolo nacional, houve quem tivesse achado graça, mas mesmo assim não encontrei ninguém que achasse isto "normal". Vou deixar bem claro: como português não fiquei ofendido nem magoado. Ficaria sim se por acaso encontrassem alguma forma de retirar o mérito ao Félix da Costa, que fica na história recente do certame como um dos vencedores mais espectaculares. Quero acreditar que foi um caso de incompetência e laxismo, e não uma provocação, como tantas a que já tive oportunidade de assistir da parte de alguns agentes desde a transferência de soberania. São maçãs podres que encontramos sempre num cesto de maçãs sãs.
A nossa margem
- Epá ‘tás porreiro ou vais pró Barreiro?
- Não pá, vou p’ra Almada, não pagas nada?
Os leitores que me conhecem pessoalmente, especialmente os amigos e conhecidos mais próximos, sabem que sou originário da margem sul de Lisboa, distrito de Setúbal, onde sempre vivi antes de vir para Macau. Resumindo, sou um “manes” do Montijo, onde cresci, mas, e com alguma pena, não adquiri aquele sotaque giríssimo. O meu pai tinha uma musiquinha, a minha irmã que ainda lá vive também, e tinha uma tia que tinha um “montijense” tão carregado que ainda hoje me divirto a imitá-la. Curiosamente cresci a pensar que o nome “Gertrudes” era na realidade “Estrudes”, que era como se pronunciava no Montijo. Temos uma palavra própria para definir uma pessoa suja, asquerosa ou leviana: um “mandongo”, ou na sua versão feminina, uma “mandonga”. Uma porca, portanto. Nunca ouvi mais ninguém em sítio nenhum usar esta palavra. A um indivíduo indigente, vadio ou com tendências criminosas chamávamos de “gandim”. Existem ainda outras especificidades do ser montijense, mas não é disso que quero tratar neste post. É claro que como aldeano convicto (o Montijo chamava-se até aos anos 40 do século passado Aldeia Galega do Ribatejo), os meus heróis são os meus conterrâneos: os futebolistas Paulo Futre e Ricardo “Labreca”, o guardião herói das balizas lusitanas no Euro 2004 e mundial de 2006, a cantora Dulce Pontes, o compositor clássico Jorge Peixinho, o apresentador José Fialho Gouveia, estes dois últimos já falecidos, e epá, e mesmo aquele gajo dos D’ZRT, o Paulo Vintém, tem a aura de ter nascido naquela terra maravilhosa, que fica apenas a meia-hora de barco de Lisboa.
Mas do eu queria mesmo falar era da Margem Sul propriamente dita. Fiquei comovido com esta homenagem do Rui Unas aqui há uns anos, pois esta região, que conheço como a palma da minha mão, tem muito que se lhe diga. É um encanto. Isto são mais do que dormitórios de Lisboa; são terras com um orgulho e uma cultura muito próprios. Todas as localidades da Margem Sul têm os seus “índios”, malta que deixa a pele para defender a sua zona. É conhecida a rivalidade entre o Montijo e Alcochete, concelhos vizinhos que distam apenas 7 quilómetros um do outro. Vastas vezes assisti a cenas de porrada no parque do Montijo entre “aldeanos” e betinhos alcochetanos. Até ao início dos anos 90 a Escola Secundária de Alcochete não tinha o ensino complementar (ia só até ao 9º ano), e os alcochetanos sub-18 vinham estudar no Montijo. Era um autêntico regime de apertheid. Um dos maiores motivos da rivalidade era o facto de que em tempos longínquos a linha de comboio (entretanto já extinta) ter passado pelo Montijo, em vez de Alcochete. Até aos anos 80, uma simples referência ao “comboio de Alcochete” era suficiente para levar o mais pacato alcochetano aos arames, arrancando da cabeça o seu famoso barrete verde. Ir a Alcochete e perguntar onde ficava o comboio era quase suicídio. Eles levavam aquilo muito a peito. Hoje Alcochete é uma vila (ah ah o Montijo é cidade desde 1985) desenvolvida, pacata, e que tem mesmo uma praia onde a família real portuguesa ia a banhos, antes de se tornar numa porcaria.
O que é mesmo giro são os nomes, especialmente as freguesias dos concelhos. O concelho do Montijo, por exemplo, tem lá uns Sarilhos Grandes, um local onde pouca gente gostaria de viver – fica mal escrever na morada “Sarilhos Grandes”, ou em inglês “Big Trouble”. Existe ainda um Sarilhos Pequenos (“little trouble”?), que fica já no concelho da Moita. Ironicamente Sarilhos Pequenos (onde os seus nativos e residentes são conhecidos como “xarecos”, e de onde é originário o ex-avançado e ex-treinador do Sporting, Manuel Fernandes) é maior que Sarilhos Grandes. Sabiam disto? Ah! Mas voltemos a Alcochete, que simpaticamente designávamos por “Alcoshit”. Este patético concelho engloba o Samouco, um sítio deprimente onde se diz que se vai “meter água”. Nunca percebi a origem desse bordão, “ir meter água ao Samouco”. Samouco (ou “sámoque”, como se diz no Montijo) deve ter sido baptizado em homenagem a algum indivíduo de apelido Sá que era duro de ouvido. Sá+mouco. É um lugarejo que não interessa nem ao menino Jesus. A outra freguesia do concelho de Alcoshit é S. Francisco, que fica entre o Montijo e a vilinha dos bois. Posso dizer com algum orgulho que passei muitas vezes por S. Francisco, e nunca precisei de ir à Califórnia. S. Francisco, que em tempos idos se chamava Sabonha (fizeram bem em mudar o nome), fica localizado na auto-estrada que liga o Montijo a Alcochete. Os seus habitantes vivem todos à beira da estrada. São uns “borda-da-estrada”, coitados.
Vamos então à Moita e ao Barreiro, dois concelhos super-giros. No concelho da Moita do Ribatejo (que fica na Estremadura, estranhamente) pontificam, além do anteriormente referido Sarilhos Pequenos, outras localidades com nomes hilariantes. Na própria freguesia da Moita encontra-se um Penteado, onde não deve ser difícil arranjar um barbeiro, mesmo num Sábado à tarde. Temos ainda nesta apetitosa ementa Alhos Vedros, que foi sede de concelho até 1855, e tem uma história riquíssima, Vale da Amoreira, que apesar do nome convidativo é uma espécie de gueto habitado pela pior espécie de gandins, Gaio-Rosário (também conhecido por Rosarinho), onde se realizam as famosas largadas de touros na praia, e a minha favorita: a Baixa da Banheira. Sabem como se chama o bairro rico da Baixa da Banheira? Baixa do Jacuzzi! Estou a reinar. Na Baixa da Banheira não vive ninguém rico. Uma coisa é a Quinta da Marinha, outra é a Baixa da Banheira. Talvez este nome absurdo se consiga explicar com uma das suas designações antigas: Terras Baixas da Banheira do Tejo. Assim era melhor. Menos vergonhoso para os banheirenses, pelo menos.
Passemos ao Barreiro e vamos logo ao lugar com o nome mais surrealista: Coina. Este sítio assim baptizado pelo rio Coina, que nasce na serra da Arrábida, tem um nome que não lembra ao diabo. Ninguém pensou que um sítio chamado Coina seria no futuro motivo de chalaça? Existe no concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, o lugar da Picha. Quem sabe se este não devia ser geminado com a Coina? Ficava o par ideal. Além da Coina, o Barreiro conta ainda com o Lavradio, onde fica o amplo e muito bonito estádio Alfredo da Silva, baptizado com o nome do empresário português da indústria fabril, e onde jogava a gloriosa ex-CUF e ex-Quimigal (actualmente Fabril Barreiro). Nos anos 60 e 70 os concelhos da Margem Sul eram pródigos em futebolistas talentosos, e chegava a ter três ou quatro equipas na divisão principal. Seguiu-se a falência, a decadência e mesmo a extinção de alguns clubes. Depois há freguesias com nomes mais ou menos normais: Palhais, Santo André, Verderena ou Alto do Seixalinho. Existem algures entre a Moita e o Barreiro duas localidades com nomes mesmo “rasca”: a Barra Cheia, e não sei porquê, mas a simples menção do nome dá-me vontade de urinar, e o Chão Duro, onde não é recomendável cair de cabeça.
E já que falámos do Alto do Seixalinho, vamos ao concelho do Seixal, assim chamado por causa dos inúmeros seixos encontrados nas praias ribeirinhas adjacentes. Curiosidade histórica: sabia que foi no Seixal que Vasco da Gama e o seu irmão Paulo construíram as naus que os levaram às Índias? Aposto que pouca gente sabe que foi no Seixal que começou uma das maiores proezas dos descobrimentos. Podemos mesmo dizer que o Seixal é parte fundamental na génese da globalização. Penso até que o próprio Vasco da Gama queria mudar o nome de Goa para “Novo Seixal”, mas não deixaram. Hoje em dia o maior motivo de orgulho dos seus 30 mil habitantes é ter lá a Academia do Benfica. Orgulho ou vexame, depende do ponto de vista. Foi violentamente afectado pelo terramoto de 1755, mas os bravos seixalenses arregaçaram as mangas e há 100 anos o Seixal era o principal centro corticeiro do país. Ena. Dos seixalenses, que etnicamente são semelhantes aos almadenses, tenho uma recordação engraçada. Antigamente só haviam barcos para o Seixal durante a semana (o Vasco da Gama adoptou a semana inglesa, portanto), e eram apanhados no extinto cais da Praça do Comércio, no mesmo sítio dos barcos do Montijo. Um Domingo vinha eu a voltar de Lisboa e estavam dois jovens casais de seixalenses no barco comigo, a pensar que estavam a ir para o Seixal. Disse-lhes que não, que só havia ligação ao Seixal no dia seguinte e eles ficaram meio sem saber o que fazer. Como bom samaritano que sou meti-os numa camioneta para o Barreiro e disse-lhes para fazer daí a ligação ao seu tão amado Seixal. Já nesse tempo era eu um gajo muito fixe e prestável. E bonito, também.
O concelho do Seixal é riquíssimo em freguesias com nomes engraçados, e cuja origem aguça a curiosidade. Assim temos a Aldeia de Paio Pires, que levou o nome do conquistador medieval Paio Peres Correia, que tem honras de estátua no centro da localidade e tudo. Este pelo menos tem uma explicação mais ou menos plausível para o nome de “paio pires”, e não tem nada a ver com um enchido e um pratinho. Além de Paio Pires temos a Amora, um nome fresco e doce, a Arrentela, e uma outra criada por desmantelamento destas três: Fernão Ferro, que como dizia a rábula do Herman José (aquela do “eu é mais bolos”), “é um senhor muito simpático”. Há ainda uma tal localidade chamada Cruz de Pau, na freguesia da Amora. O nome de “Pau” não fica bem em nada, sinceramente. Depois não querem que os brasileiros se riam de nós. Há ainda na Amora um tal Fogueteiro, uma homenagem àquela flatulência matinal mais ruidosa. Finalmente temos a Vila de Corroios, que acreditem ou não, tem mais de 600 anos de história. Corroios, que parece uma adulteração de “correios”, engloba entre outros um sítio chamado Miratejo, que conheço bem, e que apesar do nome bonito não passa de um aglomerado de prédios sem imaginação nenhuma.
Finalmente chegamos a Almada (do árabe al-ma’adan, ou “a mina”), a cidade mais próxima de Lisboa na Margem Sul. Fossem para ali mandar os génios que mandam em Macau, e já tinhamos aterros que davam para ir de Lisboa a Almada a pé. Em Almada vivia a minha saudosa avó materna, e conheço bem esta cidade e o seu concelho. Quem chega de Lisboa numa viagem de dez minutos no cacilheiro, e como o nome indica, chega a Cacilhas. Esse nome tem origem no tempo em que chegava de Lisboa de barco para a Margem Sul, e nesse local haviam burros que se podiam alugar para fazer passeios por Almada. Quando se preparava o burro dizia-se frequentemente “dá cá cilhas” (cilha é a cinta que prende a sela e a albarda). E Cacilhas ficou. Existe um bordão muito engraçado a este propósito. Quando se quer mandar alguém para tal sítio, levanta-se o dedo do meio e diz-se “monta aqui e vai para Cacilhas”. Eu até gosto de Cacilhas. Tem lá umas marisqueiras e cervejarias bem catitas. Fica ali também o estaleiro da Lisnave, que nos seus tempos mais prósperos empregava operários que iam trabalhar com a mesma alegria com que os sete anões iam minar diamantes. Depois, e isto é a opinião generalizada, “vieram os comunas e deram cabo daquilo”. O concelho de Almada é um bastião comunista por excelência, e a presidente da câmara é uma tal Maria Emília de Sousa, uma “camarada” que se eternizou no poleiro, um reinado que só carece de renovação de quatro em quatro anos em forma de eleições, e estas são apenas uma mera formalidade. Não me lembro de outro autarca a mandar em Almada além desta senhora.
O maior cancro deste concelho é um lugar chamado Cova da Piedade. Só o nome já assusta, e até dava um bom nome para um filme de terror, e é mesmo um sítio muito pouco recomendável. Os piedenses – assim são chamados os coitados que ali vivem – que me desculpem, mas tenho muito más recordações desta freguesia apensa á cidade de Almada (dá para ir a pé). Na freguesia do Pragal fica o Cristo-Rei, o Corcovado português. É lamentável terem feito uma estátua do nosso Salvador num sítio com um nome destes, “Pragal”. Existe outra freguesia chamada Feijó, que mais parece assim o nome de um cigano anão e maneta. Coincidência ou não, o “mercado dos ciganos do Feijó” é assaz conhecido e bastante popular. As vendedoras ambulantes ciganas chamam toda a potencial freguesia ora de “meu amor” ou de “filha”, dependendo do género. Temos ainda o Laranjeiro, a Sobreda e a Trafaria, todos sítios tristes e desinteressantes, apesar de “Laranjeiro” ter um nome apelativo. Mas no fim é uma desilusão. O concelho redime-se com a Costa da Caparica, a Pattaya portuguesa e morada do restaurador benfiquista “Barbas”, o Zézé Camarinha da Margem Sul, mas sem o mesmo “sex appeal”. Mas depois fica tudo estragado com a existência de umas tais Charneca da Caparica (onde viveu a minha tia) e o Monte da Caparica. (Monte de Caca Rica?). E é assim a Margem Sul, o lugar onde são feitos os sonhos.
domingo, 18 de novembro de 2012
A paz voltou a Macau (ah sim, e parece que Félix da Costa ganhou)
António Félix da Costa tornou-se hoje o primeiro piloto português a vencer a corrida de Fórmula 3 do Grande Prémio de Macau. André Couto, também ele português, venceu em 2000, mas sob a bandeira da RAEM. Pela primeira vez tocou-se A Portuguesa no pódio da corrida mais apetecível do certame. Tocou-se? Bem, não foi bem assim, devido a uma "falha técnica" o hino não soou nos altifalantes do circuito da Guia. Se calhar não fazia parte do CD da organização. A melhor classificação de um pioloto lusitano tinha sido o segundo lugar de Pedro Lamy em 1992, então atrás do sueco Rykard Rydell. Félix da Costa tem 21 anos, foi terceiro este ano na GP3 series, e se conseguir os devidos patrocínios, poderá chegar longe. Haja dinheiro.
De resto foi mais do mesmo, Alain Menu venceu no WTCCe Robert Huff sagrou-se campeão mundial, Tiago Monteiro subiu ao último lugar do pódio e André Couto não foi alé do 11º lugar - mas pelo menos completou a prova. Michael Rutter venceu nas motos, tal como se esperava, e Edoardo Mortara venceu a GT Cup, e bateu o recorde da volta mais rápida. O fim-de-semana ficou marcado pela morte dos pilotos Luís Carreira, de Portugal, e do honconguense Phillip Yao, o que é de lamentar. A paz volta agora às estradas do território, pelo menos até para o ano por esta altura.
sábado, 17 de novembro de 2012
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
A morte saíu à Guia
Depois de dois dias de treino, a 59ª edição do Grande Prémio de Macau tem sido marcada pelo signo da morte. Ontem foi o português Luís Carreira a perder a vida no treino das motos, e hoje foi o honconguense Philip Yau a perecer nos treinos dos carros de turismo. Dois acidentes mortais nos primeiros dois dias do evento, algo que não se assistia há muito tempo. Não quero aqui questionar as condições de segurança; quem anda à chuva molha-se, e todos os pilotos - sobreviventes - enfrentaram as mesmas condições. É sobretudo uma perda para as famílias. Que descansem em paz.
O Grande Prémio é em Novembro, ó palerma!
Fica aqui o artigo publicado na edição de ontem do Hoje Macau, sobre o Grande Prémio. Por lapso, o último parágrafo do artigo ficou omitido na edição impressa, pelo que vos deixo a versão integral do texto.
Arranca hoje e até ao próximo Domingo a 59ª edição do Grande Prémio de Macau. E quando digo “arranca”, quero mesmo dizer que arranca. Não podia ter escolhido uma palavra melhor. A partir das sete da manhã e até ao final da tarde vai ser uma azáfama com os bólides a fazer roncar os motores pelo circuito da Guia num barulho ensurdecedor. “Vrrrummm….vrrrruuummm….vrrrrruuum” todo o santo dia, durante quatro dias. Quando era pequeno – e vejo Fórmula 1 mesmo desde antes de saber ler – tinha ouvido falar deste Grande Prémio de Macau, e pensava que se tratava de algum “meeting” entre os pilotos do Grande Circo. Era bastante ingénuo, confesso, mas pensava mesmo que o Nélson Piquet, o Alain Prost ou o René Arnoux, os “lobos” daquele tempo, vinham aqui a Macau e competiam numa espécie de corrida especial, ao estilo da banda desenhada de Michel Vaillant, de que era também grande adepto. Como no “Rendez-vous à Macao”, de 1983.
Ainda me lembro quando a Fórmula 1 voltou ao Estoril, em 1984, da minha avózinha ter ficado escandalizada por haver alguém que pagasse qualquer coisa como 15 contos “para ver os carros a passar”. Hoje concordo plenamente com esta visão simplista da minha saudosa avó. Mesmo aqui em Macau há quem pague mais de 1000 patacas para passar o dia inteiro ao sol a ver os bólides e as motos a passar, apertado entre centenas de outros curiosos comendo buchas inflacionadas. É verdade que o GP de Macau é um certame de respeito no calendário automobilístico internacional, mas aqui entre nós, ou se ama, ou se odeia. Há quem passe o ano inteiro a suspirar pelo Grande Prémio, e há quem simplesmente saia do território durante este fim-de-semana. Eu não sou um adepto do Grande Prémio. É uma coisa que polui, faz barulho e atrapalha a vida normal do mais pacato cidadão. Duas semanas antes das corridas já se torna impossível atravessar em frente ao Hotel Lisboa ou andar pela Avenida da Amizade. É como se vivessemos numa cidade sitiada. Há uma curiosidade que ainda não vi satisfeita: o que acontece com os residentes dos prédios da Estrada do Visconde S. Januário ou da Estrada D. Maria II? São indemnizados por terem os carros a passarem-lhes à porta às sete da madrugada durante o fim-de-semana ou quê?
Há quem só veja vantagens nesta coisa do Grande Prémio, e que se orgulhe dele. Mas na realidade Macau passava bem sem esta invasão de turistas grunhos ostentando casacos com marcas de pneus, motores e óleos, que vêm pensando que fazem cá muita falta. Na prática não existe em Macau qualquer negócio que dependa do Grande Prémio, e mesmo para a indústria hoteleira não iam ser estes quatro dias que iam fazer grande diferença. Atendendo a quem existe uma tradição de quase 60 anos e uma história respeitável, há quem ainda veja no Grande Prémio o “trampolim” para a disciplina máxima do automobilismo, a Fórmula 1. Isto já foi mais verdade. Dos vencedores dos últimos 10 anos, apenas o brasileiro Lucas di Grassi lá chegou, e temos que admitir que não é um bom exemplo. É verdade que Ayrton Senna, Michael Schumacher ou David Coulthard ganharam o GP de Macau, Vettel foi terceiro em 2005 e Button segundo em 1999, mas todos sabemos o que realmente interessa para que se chegue à F1: ter dinheiro e patrocínios. Tem muito pouco a ver com o talento. Ganhar o GP de Macau deixou de ser um requisito. Que o diga André Couto, vencedor em 2000 e eterna esperança do automobilismo de Macau, que nunca chegou à disciplina máxima.
Além da corrida de Fórmula 3, sem dúvida o prato forte do evento, temos ainda a decisão do mundial de carros de turismo, ou na sua sigla inglesa os WTCC. Yupi! Que é em Macau que se decide esta emocionante competição. Mas agora a sério, quem no seu perfeito juízo acompanha o mundial de WTCC? Seja como for, F3, WTCC ou Corrida da Guia, basta que um carro fique atravessado na curva Melco para que a festa acabe. Aí entra o pace-car e o GP de Macau torna-se um passeio de carros caros com indivíduos extra-pagos lá dentro. Curiosamente existe no território uma espécie de psicose que nem Freud explica. À medida que nos aproximamos da data do Grande Prémio, há uma tendência para que alguns residentes acelerem nas ruas. É o síndrome do GP de Macau. Pelo menos durante o resto do ano, posso dizer de viva voz cada vez que dou com um acelera: “O Grande Prémio é em Novembro, ó palerma!”.
Quarta-feira em Libreville
Portugal realizou na última quarta-feira um prticular no meio de África, mais exactamente no Gabão. Um jogo patético, com uma arbitragem a condizer, que terminou empatado a dois golos. A selecção nacional apresentou-se bastante desfalcada, sem Cristiano Ronaldo, Hélder Postiga, Fábio Coentrão ou Bruno Alves, mas foi o suficiente para receber o cachê de 800 mil euros pago pela Federação (pelo presidente da República?) do Gabão. Fica aqui o resumo da chanchada.
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Mais dinheiro, algum dinheiro, muito dinheiro
1) O Chefe do Executivo lançou ontem e hoje as Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2013. Como sempre, foi de "massa" que se falou. Enquanto em Portugal os subsídios andam a ser cortados a torto e direito, em Macau "dá-se" dinheiro. Ou será mesmo assim? A compensação pecuniária, vulgo "cheque" passa de 7 mil para 8 mil patacas, os vales de saúde passam de 500 para 600 patacas, o subsídio de electricidade (eheh) passa de 180 para 200 patacas, redução do imposto profissional (um imposto que faz cada vez menos sentido) e serão injectadas mais 10 mil patacas no plano de Segurança Social de cada residente. Parecem-me aumentos um tanto ou quanto tímidos, atentendo ao facto que a inflação continua fora de controlo e o preço da habitação vai continuar a subir. Perdoem-me a maldade, mas todas estas benesses poderão servir de desculpa para os senhorios aumentarem as rendas: "com que então oito mil pataquinhas, uh? passem para cá!". De medidas para combater estes flagelos que afectam a qualidade de vida da população falou-se pouco. Mais habitação pública para uns putativos aterros sabe-se lá quando, e dos aumentos para os funcionários públicos fala-se entre dentes. Aguarda-se a partir da próxima semana a visita dos respectivos secretários à AL. Não faltarão motivos de interesse, especialmente piadas vindas daqueles deputados que têm mais apetência para o humor. Ao contrário das soluções, que serão poucas.
2) O tal "caso das campas", que me tenho abstido de comentar, começa a cheirar mal. Não comento os últimos desenvolvimentos, uma vez que a maioria das pessoas que têm seguido o caso sabem exactamente do que se trata, mas deixa-me sorumbático que a situação não se resolva depressa. Se existem ilegalidades, que sejam apurados os responsáveis. Senão, que não se fale mais nisso. O que temos agora são incertezas, vinganças, intrigas palacianas, jogos de poder e facadas nas costas. Serviços públicos que se beliscam e arranham, e tudo isto debaixo das barbas do Executivo, que simplesmente assobia para o lado. Não fica nada bem às partes envolvidas.
3) Macau continua a ser alvo preferencial para todo o tipo de malandrins e amigos do alheio. Na segunda-feira foi um jovem de 16 anos de Hong Kong que tentou trocar fichas falsas no casino, e...mas esperem, 16 anos? Não entrou em vigor no dia 1 a proibição de entrada nos casinos a menores de 21 anos? Se calhar o rapaz era desenvolvido para a idade. No mesmo dia, e lia-se hoje no JTM, mais um conto do vigário, com uma idosa enganada com o esquema do "dinheiro abençoado". São às dúzias os casos deste tipo todos os anos, e a população ignorante e supersticiosa nunca mais aprende. São casos uns atráas dos outros, alguns que chegam mesmo a desafiar a imaginação. Macau dava para um volume de obras "pulp fiction". E já agora, o Grande Prémio de Macau tem o seu início amanhã. Cuidado com as carteiras...
O que diz Maomé deste presunto?
A expressão "dizer o que nem Maomé disse do toucinho" vai deixar de fazer sentido em breve. A Universidade de Ourense, em Espanha, criou o presunto halal, feito com perna de cabra. Como é sabido, o consumo de carne de porco e seus derivados é proibido pelo Islão, mas graças a esta invenção do Departamento de Tecnologia dos Alimentos daquela universidade, vai ser possível ao tio Abdul mamar uma sandoca de presunto - já agora acompanhada de uma Sagres Zero, porque não? O projecto foi realizado em conjunto com a Universidade de Tânger, onde foi feita a salga e a secagem, e as cabras usadas são de origem marroquina.
Tem diabo!
Um homem que visitava o Museu de Filadélfia não ganhou para o susto quando encontrou uma pintura italiana de um cavaleiro do século 16 completamente idêntica a si. Parente distante ou apenas coincidência (e não são todos os símios idênticos? ahah), a verdade é que "pepesilva", como é conhecido no Reddit, já recebeu mais de 3000 comentários naquela rede social. Um caso de sucesso que durará alguns dias, certamente.
terça-feira, 13 de novembro de 2012
E agora a serenidade
Está de saída o cônsul-geral de Macau, Manuel Cansado de Carvalho, que depois de um consulado de três anos é substituído por Vítor Sereno. "Sai Cansado, entra Sereno", lia-se na imprensa em português do território na passada semana. Quero acreditar que esta coisa dos nomes é apenas uma (engraçada) coincidência, e nem me passa pela cabeça que a malta dos MNE esteja a brincar com a malta aqui em Macau.
Que balanço faço dos 3 anos de consulado de Cansado de Carvalho? Na prática o mesmo que faço dos anteriores: discretos, cumpridores e diplomáticos. Trata-se de diplomacia, uma coisa que não está ao alcance de muitos. Se calhar às vezes apetecia-nos que o nosso representante diplomático partisse a loiça toda, que nos ajudasse a resolver os nossos problemas, sei lá, que interferisse em decisões políticas que nos maçam ou que nos prejudicam, tudo isso. Mas não é para isso que aqui está. Serve apenas para representar a República, tratar disso dos passaportes, receber as individualidades da República e pouco mais.
Se há quem faça um balanço negativo deste consulado que agora finda, fico sem perceber bem a razão. Se por acaso uma das funções do cônsul-geral é de atraír investimento português para o local onde se encontra (desconheço se é) terá estado ao nível dos anteriores. Aliás lembro-me aquando da saída de Pedro Moitinho de Almeida alguém lhe ter tecido loas, sendo "muito difícil substituí-lo". Não sei porquê. Não foi grande admirador de Pedro Moitinho de Almeida e se havia algo em que Cansado de Carvalho tinha vantagem era em ser mais humano, mais simpático, mais sorridente, mais sociável. Fui o único cônsul com que conversei por mais de dois minutos.
O deputado José Pereira Coutinho, que como se sabe é também presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas, apontou como falha o facto de alguns cidadãos de etnia chinesa que se deslocaram ao Consulado terem encontrado obstáculos na comunicação, uma vez que "não percebem português". Por acaso queixo-me exactamente do contrário; a última vez que estive no Consulado-Geral todas as informações dadas às pessoas que esperavam na fatídica fila das 8 da manhã para obter uma das 20 senhas do dia eram dadas em chinês, o que me irritou, naturalmente. Quem se desloca ao Consulado-Geral de Portugal, que é território português onde vigora a lei portuguesa, só pode esperar que a língua em que se comunica seja o português. E então depois o chinês. Entendidos?
Quanto a Vítor Sereno, é mais um ilustre desconhecido, como eram Carlos Frota, Moitinho de Almeida ou Cansado de Carvalho. Passou por sítios tão díspares como a Argentina (onde deixou muitos amigos, ao que parece), Guiné-Bissau ou Alemanha, e antes de Macau chefiava o gabinete do (polémico) Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas. Desconhece por completo a região onde vai agora exercer funções, precisará de tempo para se integrar e inteirar da situação do Consulado-Geral, e pronto, só me resta desejar-lhe boa sorte. É ainda um jovem, e isso pode jogar a seu favor. Daqui a três anos sairá, e outro entrará. E é assim a roda-viva dos consules em Macau. É bom que não nos afeccionemos muito a eles.
Sangue na arena
Bateram no nosso menino. No jogo da Liga espanhola do último Domingo, C. Ronaldo saíu ao intervalo depois de ter perdido a visão em ambos os olhos, depois de uma agressão cobarde de um castelhano que dá pelo nome de David Navarro (que já tinha fama de caceteiro). Mesmo assim o nosso CR7 ainda conseguiu marcar o primeiro golo dos merengues, que venceram por 2-1. São assim os estratagemas para eliminar o melhor jogador do mundo; no vídeo dá para perceber que o lance é tudo menos acidental - o futebol não se joga com os cotovelos. Ronaldo está assim afastado do jogo particular da selecção portuguesa amanhã frente ao Gabão. E contra este Navarro? Não se procede criminalmente?
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
Ó pra nós, coitadinhos
Aí está o célebre vídeo idealizado por Marcelo Rebelo de Sousa e dirigido aos nossos patrões alemães. O filme foi publicado na edição de hoje do Expresso (em versão portuguesa e alemã, mas fica aqui a portuguesa) e por incrível que pareça leio na secção de comentários da página online daquele semanário que "está bem feito". Isso depende do ponto de vista. Para mim não passam de cinco minutos de esforço patético a tentar agradar aos alemães e pedir-lhes que tenham pena de nós, coitadinhos. Ah, comprámos carros alemães...electrodomésticos alemães...submarinos alemães (erm)...e mesmo a construção das infra-estruturas do Euro 2004 foi adjudicada a empresas alemãs. A balança comercial entre os dois países é claramente favorável à Alemanha. Mesmo assim fizemos cortes na despesa, aumentámos impostos, aumentámos a idade da reforma, e ainda por cima "trabalhamos" mais horas por semana que eles, e até temos menos férias e feriados, que injustiça! E ainda levamos com a fama de "mandriões". Ah mas eles sabem que não somos, pois afinal os 150 mil portugueses residentes na Alemanha são uns tipos que trabalham que se desunham. Pudera...trabalham na Alemanha!
Ora bolas, dêm-nos lá um desconto, pá! Tende misericórdia de nós, ó altos e louros. Um bocadinho de comiseração para o tuga baixote, seboso e de bigode. Ainda bem que os gajos não deixaram passar lá isto, senão era uma barrigada de riso para eles. Lá tinham de interromper o que fazem durante apenas 35 horas por semana ou o conforto de que usufruem na terceira idade depois de uma vida de gestão competente e decisões sensatas para rir durante cinco minutos dos pobrezinhos engraxadores. Mas pronto, quem pensa que isto foi bem feito e acha que os alemães deviam ter visto, isso é lá consigo. Têm direito ao contraditório, as opiniões são diversas, e ainda bem. Só que depois quando eu fosse outra vez à Alemanha tinha que dizer que era de outra nacionalidade...turco, talvez, até porque já me confundiram com um. Nota negativa, professor Marcelo.
Extra: o Sporting ganhou!
Foi difícil mas já está: o Sporting venceu um jogo depois de 48 dias de jejum. Depois da série mais negra de sempre, os leões tiraram a barriga de misérias, e logo contra o Braga. O golo apareceu logo aos 4 minutos por Wolfswinkel, mas os minhotos venderam cara a derrota. Um jogo quezilento, emocionante e com um punhado de boas intervenções do guardião sportinguista, Rui Patrício. O Sporting sobe assim ao 10º lugar da Liga, a sete do seu adversário de ontem mas ainda a 13 de Porto e Benfica, que venceram ontem no Dragão a Académica (2-1) e em Vila do Conde o Rio Ave (1-0), respectivamente.
domingo, 11 de novembro de 2012
Viva o S. Martinho
(...) Foi nessa época que ocorreu o famoso episódio do manto. Um dia um mendigo que tiritava de frio pediu-lhe esmola e, como não tinha, o cavalariano cortou seu próprio manto com a espada, dando metade ao pedinte. Durante a noite o próprio Jesus lhe apareceu em sonho, usando o pedaço de manta que dera ao mendigo e agradeceu a Martinho por tê-lo aquecido no frio. Dessa noite em diante, ele decidiu que deixaria as fileiras militares para dedicar-se à religião.
Hoje comemora-se no calendário cristão o dia de S. Martinho de Tours, bispo daquela cidade francesa, nascido na Hungria. Assim como S. Sebastião, um soldado romano que se converteu ao crisitanismo. Coisas de há quase mil anos, hoje em dia pouca é a gente que vê Deus, ou conversa com Ele, e depois converte-se. Quem sabe se Deus desistiu, ou tem mais que fazer. Imaginem que Stalin, Hitler ou Mao tinham "conversado" com Deus? As vidas que se poupavam, os horrores que se evitam. Duvido que muita gente saiba a origem desta celebração que se assinala a 11 de Novembro. O S. Martinho é normalmente uma desculpa para se dedicarem a coisas sazonais, como comer castanhas ou bacalhau, beber água-pé ou jeropiga. Sobretudo é um pretexto para a bebedeira, que é o que a minha gente gosta. Duvido que muita gente vá à igreja neste dia prestar homenagem ao santo.
Recordo os S. Martinhos passados com um sorriso. Iamos a casa de uma das avós, comíamos castanhas (cozidas, domage, temperadas com erva-doce), e bebíamos jeropiga, água-pé ou aniz escarchado. Sim, mesmo os mais novos. Quando o dia de S. Martinho caía num dia de semana, no dia seguinte a malta estava de ressaca na escola. Uma colega minha vomitou uma vez na aula de Ciências - e tinhamos qualquer coisa como 11 ou 12 anos. Isso mesmo. Em Portugal é giro que pré-adolescentes bebam álcool. É uma coisa cultural. Fica bem. É festa. É uma homenagem - mesmo que inconsciente - a S. Martinho de Tours. Se bem que pouca gente saiba de quem se trata.
Quando estudava na primária, fazíamos um magusto, e a nossa professora pedia-nos para "trazermos castanhas de casa". E trazíamos. Depois fazíamos uma fogueira no pátio da escola e comíamos as tais castanhas, junto com as professoras. Alguns colegas queixavam-se que "as professoras 'mamavam' as castanhas que comprávamos". Eram os deliciosos tempos do pós-PREC, em que se sentia ainda na margem sul onde pontificava a Aliança Povo Unido (APU), uma das metamorfoses do Partido Comunista depois do 25 de Abril. São recordações que me fazem sentir que a festividade de S. Martinho tem o cheiro do povo, do sebo e do chulé, a mesa suja das cascas de castanhas e do tintol entornado. Que viva o S. Martinho, portanto.
Soneto do Epitáfio (outro poema de Bocage)
Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia — o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:
Não quero funeral comunidade,
Que engrole "sub-venites" em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:
Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:
"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".