Crianças

Hoje é Dia Mundial da Criança. Quando era miúdo, eu e os meus irmãos adoravamos este dia, que era para nós o mais importante depois aniversário. Era um dia em que os pais nos estragavam com mimos, davam-nos prendas e uma mesada melhorada - era o nosso 13º mês, por assim dizer. Os meus filhos também gostam de me recordar que é Dia da Criança para fazer o velhote abrir os cordões à bolsa, ou tolerar um ou outro disparate que nos dias ditos normais não passava sem um puxãozinho de orelhas.

Fico emocionado com as iniciativas que se levam a cabo por esse mundo fora. Na escola dão-lhes docinhos, uma folga, vão à praia, ao cinema ou ao zoo. Comovo-me quando vejo nas notícias crianças que vão pela primeira vez ver o mar. Ou crianças deficientes que pelo menos uma dia, com uma certa dose de hipocrisia, são tratadas como quaisquer outras, e convivem com meninos "normais" da idade deles, em circunstâncias iguais, num clima de confraternização e amizade. Comove-me ainda ver os miúdos que aparecem na televisão neste dia, com um ar tão inocente, que dizem o que lhes vai na alma, e que nós nem os levamos a sério, de tão "ingénuos" que são.

O mais importante neste dia para nós, adultos, é reflectir sobre a verdadeira condição da criança nos dias de hoje. Para que nos recordemos tão pragmaticamente que existem no mundo crianças com fome, crianças-soldado, crianças vítimas do trabalho infantil, dos abusos sexuais, das loucuras dos adultos. Ainda há quem pense que as crianças precisam de "sofrer" para aprender no mundo dos adultos, e só isso serve para justificar muitas atrocidades que são cometidas um pouco por esse mundo fora.

É preciso não esquecer que a condição das crianças não mudou muito desde que se proclamou o dia 1 de Junho como Dia Internacional da Criança em 1925. Instituir um dia mundial dedicado aos mais pequenos não foi uma panaceia para resolver os problemas das crianças no mundo. Longe disso. Muitas crianças continuam a ser objecto da ganância e da loucura dos adultos porque são mais frágeis, porque são indefesos, porque são verdadeira carne para canhão. As crianças têm medo, as crianças calam, as crianças sofrem em silêncio. Para bem da nossa sanidade mental, preferimos esquecer que no mundo morre uma criança de fome a cada três segundos. Enquanto escrevo esta linha terão morrido algumas centenas. Por dia são cerca de 30 mil. É triste, mas é verdade.

Todas as crianças têm direito a uma identidade, a uma educação e uma vida condigna, a uma infância. Muitas nem sabem que têm esses direitos. Muitas trabalham para sobreviver, são analfabetas, prostituem-se ou são obrigadas a prostituirem-se, vivem nas ruas e alimentam-se de lixo, morrem em guerras que não são deles, matam e deixam-se matar sem perceber porquê. É neste dia, mais do que nos outros 364 do ano que nos devemos lembrar como é bom que os nossos filhos tenham acesso a tudo que tanto faz falta a milhões de crianças por esse mundo fora. Graças a quem ou ao quê, cabe ao leitor decidir. Para mim foi mera obra do acaso. E uma grande dose de sorte.