quarta-feira, 29 de junho de 2016

Ó minha senhora, nós não estamos aqui para pensar


A notícia saiu na edição de ontem do Ponto Final, mas fique a saber primeiro pelas redes sociais, o que não é boa ideia, mas infelizmente vem acontecendo com cada vez mais frequência: comenta-se o comentário acrescenta-se um ponto, e o mais grave, fazem-se julgamentos e chegam-se a conclusões sem  se estar a par dos factos. Quando o caso envolve o Governo ou as autoridades, como é o exemplo deste, há sempre tendência para se cair no exagero - digamos que há por aí muito boa gente que é anti-poder por convicção. Mas não os censuro; em Macau, digam o que disserem, convém ser um bocado "desconfiado".

Quanto ao caso propriamente dito. Uma residente de Macau de origem vasca queixa-se da conduta da polícia com a sua filha de 13 anos, detida na segunda feira à tarde durante uma operação "stop", por se encontrar sem identificação. A detenção ocorreu dentro do autocarro onde a jovem se encontrava, sendo posteriormente levada para uma carrinha da PSP, onde se sentou na traseira com outros indocumentados, todos homens e adultos. Após conseguir contactar a mãe, esta veio buscá-la trazendo consigo a identificação da jovem, e encontrou-a em prantos. Isto não impediu contudo que um dos agentes presente no local achasse a situação cómica, rindo da aflição da adolescente - suponho que terá sentido o mesmo em relação à angústia da mãe, que pelo menos esta assim pensou, ao ponto de tirar uma fotografia do agente em questão. Tenho sérias dúvidas quanto à legalidade deste acto, mas além de se poder explicar pelas circunstâncias em que ocorreu, é acessório, senão irrelevante para o caso no seu todo.

A primeira coisa que eu pensei ainda enquanto lia a notícia foi que tudo isto podia ter sido evitado se a jovem em questão levasse consigo o BIR de Macau.  Pode parecer que estou a querer desresponsabilizar alguém, ou desviar o tema do seu ponto principal, mas pronto, analisando friamente o incidente, a primeira coisa que me veio à cabeça foi como se poderia tê-lo evitado. Se isso faz de mim má pessoa, então os bombeiros e outros agentes que zelam pela segurança pública estão a investir na vertente da prevenção para nada. Adiante: a verdade é que tinha nem BIR, nem cartão de estudante, e a partir daqui a bola passa a estar no campo das autoridades. E como resolveram a situação? Criando um problema onde não existia nenhum. Mais um exemplo da falta de tacto das autoridades, que mostraram desta forma que não pensam. Se cumprem ordens? E isso aqui interessa para o caso?  Não pensam.

Sim senhor, este tipo de acções das autoridades com vista a detectar situações de permanência ilegal no território são de louvar, mas porquê? Qual é a ideia? Ora bem,  nem mais: o trabalho ilegal, ou neste caso o combate ao mesmo. Nem consigo imaginar outro motivo para que alguém se quisesse demorar por esta pasmaceira  (vá lá, que aqui é para "cortar na casaca" ou não é?) a não ser que lhe paguem. Mesmo na eventualidade de ser estritamente necessário verificar a identidade da jovem - os pais podiam encontrar-se eles próprios em situação ilegal, porque não - seria um sempre de bom tom atender ao facto de que se trata de uma menor, e mesmo que se fosse colocada a hipótese de estar empregada ilegalmente  (duvido que uma situação deste tipo fosse detectada num autocarro público), havia que proceder conforme a pessoa, atenção, a pessoa. Um indocumentado, um trabalhador em situação ilegal e um pobre diabo que até as calças perdeu na mesa de um casino são pessoas, e não gado. Aqui estamos a falar de uma menina de 13 anos. A polícia não distingue uma menina de  13 anos de um homem adulto? Então isso é preocupante, e por mais que uma razão.

Não podemos deixar de estabelecer um paralelo entre este episódio e um outro que ocorreu há ano e meio, quando foi negada a autorização de entrada no território a um bebé de um ano de idade, que vinha de Hong Kong com os pais, apenas por ter o mesmo nome que um professor universitário da RAE vizinha, o que já por si tem muito que se lhe diga, convém referir esse pormenor. Curiosamente isto acontece no dia seguinte a uma entrevista do secretário da tutela ao canal da TDM em língua portuguesa, e por muito que seja de louvar a ideia é por mais competente que seja a forma como o jornalista Gilberto Lopes conduz a entrevista, fico outra vez com a sensação que o sr. Secretário  trouxe as respostas de casa, que usaria independente do que lhe fosse perguntado. Tudo bem, e como já disse aqui por mais que uma vez, na segurança o segredo é por vezes meia batalha ganha, mas vamos lá a agir conforme aquilo que nos permite ver os dois olhos que levamos agarrados à cara. Especialmente se for uma miúda de 13 anos e a traseira de uma carrinha para onde se atiram suspeitos.



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