domingo, 19 de junho de 2016

O meu (dele) querido tio Salazar


Salazar. Sempre que vejo ou oiço o seu nome, lembro-me dele. Mas porque carga de água lembrar de falar do beato de Santa Comba que teimou em manter as províncias ultramarinas e falava de um  Portugal que se extendia "do Minho a Timor", mas que nunca foi ele próprio para além de Espanha? Afinal não estamos em Abril, altura em que aquela malta que ainda não era nascida quando Salazar bateu as botas que usou toda a sua vida (mesmo nos momentos que requeriam mais solenidade) vem recordar que naquele tempo "vivia-se melhor que agora", que o digam aqueles tipos colaboradores do regime/devotos católicos/militaristas/malta com um parafuso a menos ou que não tem nada a perder então diverte-se a dizer disparates para aborrecer os restantes, "que ainda se lembram como era". De facto lembram-se pois, e se não for pelos motivos que acabei de referir, é porque a demência fez-lhes a memória entrar em regressão, e é só disso que se lembram, coitados. Bom, vamos ao que interessa e logo ficará resolvido o mistério .


Ora bolas, se eu me dedicasse a escrever romances policiais para viver, ia passar fome - descobria-se logo nas primeiras quem era o culpado. Reparei neste comentário ontem num artigo do FireHead  (ele agora recusa/hesita em publicar os meus comentários; deve ser porque estão "cheios de mentiras), e estranhei: de quem é que ele está ali a falar? Quem terá sido o acéfalo que afirmou tal coisa, que "pensar em sair da UE é querer regressar aos tempos do "orgulhosamente sós"? Que coisa mais retardada para se dizer,  e mesmo pensar leva a que toda a gente à volta active o olfacto e pergunte em voz alta: "quem se salazarou?". Epá queres ver que...

Ufa, que susto. É que de tanta coisa que eu escrevo não dá para me recordar de tudo, e podia ser que estivesse p'raí qualquer coisa a "salazedar". Seria improvável, contudo, porque nunca me ocorrem pensamentos "salazarentos", a não ser que o tema seja o dito cujo propriamente dito. Eu não sou contemporâneo do senhor, não tive esse "sal-azar" (ah!), mas tive a sorte de ter uns avós paternos que não sendo propriamente colaboracionistas, ou tendo qualquer intimidade com o Estado Novo, viviam confortavelmente como terceiro vértice do triângulo "Deus, Pátria e Família", e mesmo assim acharam que o 25  de Abril foi uma coisa fantástica. Uma das minhas recordações mais queridas da infância era quando eles iam votar, e vestiam-se que se estivessem a ir a um casamento - era um momento solene, aquele. O meu pai, por seu lado, esteve na Guiné já na fase final da guerra (podem vê-lo aqui, "o Crespo"), mas podia ter evitado "sair nas sortes", pois o meu avô podia ter "dado um jeitinho", que não era privilégio de qualquer um - só que QUIS ir. Se calhar pensou que a Guiné era um sítio bestial, solarengo, e de facto "salazaramente" até era, ao ponto do beirão não querer largar o território, bem como os restantes, conforme determinava a resolução 1514 da ONU, de 14 de Dezembro de 1960. No ano seguinte começou a guerra, e Portugal ficou de costas voltadas com a organização a qual só tinha aderido cinco anos antes. A propósito disto, podem espreitar este livro, "O litígio entre Portugal e a ONU (1960-1974)" (atenção: formato .pdf), que conta como o nosso país ficou..."orgulhosamente sós" - palavras do próprio Salazar, que hoje são uma espécie de memorial à nossa teimosia e casmurrice. Ah, mas esperem, que não era nada assim seus...ingratos! Maus portugueses! O Salazar viveu para a Pátria, que não era o nome de uma mulher, porque nunca casou, tal como o Paulo Portas, por exemplo, só que ao contrário deste...


...era "orgulhosamente só". Er...bom, vamos a lá falar com quem sabe:


E o FireHead é que sabe pá! Não estava lá mas "o Rangel contou-lhe", além do aspecto auto-didáctico do rapaz, que não tem nada, mas mesmo nada de parcial. Salazar era um católico devoto, um seguidor do culto mariano, e o FireHead também? E depois? Nádaver, então? Se o ridículo matasse...era preso! Como se pode ver, aquela imagem que eu coloquei no topo deste post é fiel à realidade: Salazar era um atlas, um Sansão, que "fez milhares de obras públicas", desde "estradas, edifícios públicos (segue-se a lista do que se entende por edifícios públicos, caso pensem que se tratava de uma casa de passe, ou algo desse género), bairros sociais para os pobres". A seguir lê-se que "o conceito de Estado Social nasceu com o Estado Novo", ou vice-versa, que a ordem dos factores não altera o produto, mas isto deixa-me meio intrigado; é que se estamos aqui a falar do conceito de Estado Social EM PORTUGAL, porra, os fachos estiveram lá durante o tempo TODO em que tiveram início os sistemas de "welfare" em praticamente todo o mundo civilizado - mesmo na América foi instituído por Roosevelt em 1938. Agora se o FireHead está a querer tirar a Otto von Bismarck para dar ao titio dele, olhe que isso é feio! O próprio Salazar nunca roubou um tostão, e que o diga o canalha do Mário Soares e o terrorista do Otelo, né mesmo? Nem sequer uma das barras de ouro das quais "deixou toneladas" nos cofres do país! E defendeu o país dos inimigos, dos comunas, dos que queriam o caos, dos invejosos! Ele em 36 anos fez mais pelo país inteiro do que todos os governos eleitos, ouviram? E ainda o chamaram de maldito ditador? Ah? Respondam!!! Se por ter sido honesto e governado com lucidez, foi um homem horrível, venham os homens horríveis! Os ogres! Ouviram??? Respondem ou não, traidores da Pátria!!! 

Pronto, calma jovem, não tenha aí um AVC, se bem que nesse caso teria muito mais hipóteses de sobreviver agora do que tinha no tempo do seu "herói": 

Hmm...isto só podem ser números da "esquerdalha". Da "esquerdalha da OCDE", neste caso. Mas adiante. Aquele texto está tão pleno de verve patriótica, que tivesse o FireHead nascido naquele tempo...


...e tivesse sobrevivido, podia ter escrito uma cartinha ao Pai Natal Tio Salazar...


...e ele respondia! Ena, ena, isto é mais assustador do que se o próprio Pai Natal respondesse. Mas o que digo eu, cala-te boca, que o Tio Salazar só é superado pelo Ringo Starr dos Beatles, que prometeu "responder a todas as cartas que os fãs lhe mandaram", o que ainda hoje não conseguiu acabar de fazer, mesmo 45 anos depois dos Beatles terem terminado. Assim ficamos a saber que um menino que tinha o mesmo apelido do tio Salazar escreveu-lhe em 1956 a pedir-lhe que rejache ao pai do shéu rezasse ao pai do Céu para lhe "dar muitos anos de vida", e a verdade é que hoje António Oliveira Salazar...Vilar? Ah, isso deve ter sido porque entretanto foi permitida a união civil entre casais do mesmo sexo e o sr. adoptou o apelido do esposo. "Modernices" à parte, se não fosse Salazar o homem já tinha morrido! Toma! A seguir o Carlos, que era semi-analfabeto, apesar dos seus nove anos, escreveu ao Tio Salazar a pedir material escolar, e qual DHS que ainda nem existia, poucos dias depois os cadernos estavam lá! Mas...o que aconteceu ao Carlinhos? Hmm..bom, se o Carlinhos era analfabeto, já a Isabelinha de Angola era sobre dotada! Vejam lá que ela com 11 aninhos já sabia que os "homens maus" eram os comunistas! Isto em 1953, muito antes de ser inventada a Google, portanto não a acusem de fazer batota! Assim, a menina pediu ao Sansalazar que "mandasse bombas para a Rússia", porque "o Estado tem tantas bombas" que a Rússia andava mesmo a pedi-las, os bandidos, que vetaram em 1946 a entrada de Portugal na ONU. E a Rússia pode ser grande mas não é grande coisa, e em "meses ou em poucos anos" a gente erradica a súcia comuna, pá! Pois é, Isabelinha, seu anjinho inocente, o tio Salazar não pode atender o teu pedido, porque precisou das bombas para despejar em cima dos traidores da nação. Quem? Os turras! Depois o Salazar ajudou o pai da Ana Bonança, não porque este fosse da PIDE/DGS ou algo que lhe valha, mas "porque sim". O tio Salazar era um mãos-largas, e sacava de 600 contos para pagar operações a toda a gente e ainda lhes arranjava um emprego melhor. Para acabar em beleza, ficamos a saber que o Salazar chegava a tirar dinheiro do próprio bolso pobre dele para comprar brinquedos a meninos que ficavam órfãos de pai! Chuif, chuif! Que sorte que foram só esses...


...pois se fossem os mais de 8 mil que ficaram "órfãos de filho", lá ia o ouro todo dos cofres do Estado pró galheiro. Espera lá, aquele ali não é o Carlinhos, esticado no chão "a bem da Nação". Que disparate, pfff...era muita coincidência. Era mais fácil receber uma cartinha do Tio Salazar!


Obrigado Tio Salazar! Precisamos tanto de ti como da gripe espanhola! Eia, ena!

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