sábado, 25 de abril de 2015
Causa, factos e paixão
A causa: Um cidadão português encontra-se detido em Timor-Leste há mais de cinco meses em condições desumanas, e sem acusação formal. O individuo em questão foi detido quando tentava sair do país com a esposa e os dois filhos com destino a Macau, onde o casal se conheceu e residiu até ir viver para Díli. A esposa foi igualmente detida e mais tarde libertada, encontrando-se actualmente em prisão domiciliaria e impedida de sair da capital timorense, enquanto os filhos se encontram a viver em Portugal com os avós paternos. O cidadão português encontra-se detido numa prisão "sem condições mínimas", onde partilha a cela com presos de delito comum e dorme no chão há cinco meses. Tudo o que sabe das razões da sua detenção é que é suspeito do crime de branqueamento de capitais, mas diz-se inocente, tese reiterada por amigos e conhecidos, todos de fora de Timor-Leste. Circula desde Janeiro nas redes sociais uma petição dirigida a diversas autoridades de Timor-Leste apelando (exigindo?) a libertação do cidadão português, e o caso tem sido divulgado nos média em Portugal no sentido de sensibilizar (pressionar?) essas mesmas autoridades.
Os factos: Em meados do mês passado (Março) o cidadão português detido em Timor foi visitado pelo secretário de estado das comunidades, José Cesário, que garantiu ainda que o seu caso tem sido acompanhado de perto pela missão diplomática portuguesa em Díli, que garantiu ainda que tem contactado quer o cidadão detido, quer a esposa, mantendo-se a par da situação de ambos. O português encontra-se na prisão de Becora, que ainda segundo declarações de José Cesário, "é a melhor prisão de Timor-Leste", ainda que, e segundo o mesmo, "esteja muito aquém das prisões portuguesas em termos de condições". José Cesário concluiu dizendo que a diplomacia vem seguindo o caso, mas com o cuidado de não interferir com as investigações, arriscando-se assim a cometer uma ingerência que Portugal nunca iria tolerar da parte de uma potência estrangeira. Do pouco que se sabe é que o cidadão português em causa é suspeito do desvio de 3,5 milhões de dólares e de participar numa rede internacional de branqueamento de capitais. O cabecilha dessa rede, um cidadão nigeriano, encontra-se actualmente detido nos Estados Unidos, e tem havido troca de informações entre as autoridades norte-americanas e timorenses, e a natureza complexa da investigação estará na base da demora e do secretismo da mesma, como aliás salientou José Cesário.
Conclusão: abstive-me de comentar este caso antes, e se o faço agora é apenas por motivos de "showcase". Não conheço o indivíduo, nem o conhecia quando passou pelo território, e fiquei a saber da sua existência ao mesmo tempo que soube do caso através do Ponto Final há alguns meses, numa pequena reportagem do jornalista João Paulo Meneses, que não adiantava mais sobre as razões da detenção. Uma coisa no entanto posso deduzir de imediato: o cidadão em causa tem queda para as más companhias - somos dois entre muitos. A petição que referi na primeira parte do artigo está aqui, se quiserem assinar, e não me levem a mal, mas eu não acredito petições e muito menos pela via electrónica, e não creio que se vá qualquer pressão sobre alguém assinando com "ilana, Portugal", como vi lá há pouco, e que me impedem de poder dizer que tem quase 5000 assinaturas. Tudo bem, entendo, é um descargo de consciência, mas não acredito que vá ter algum impacto. Confiar na justiça é a melhor solução? Estamos aqui a falar de Timor-Leste, e é o que se sabe, uma nação falhada e corrupta, e que mais uma vez comprova que a independência não era uma "causa nobre" - só alguém muito ingénuo vai acreditar que não existiam interesses patrimoniais e económicos ao mais alto nível para que chegasse à "nação maubere" enfrentando a oposição da Indonésia.
Inicialmente o caso mereceu a simpatia dos média, especialmente em Portugal, onde se encontra a família do detido, e nestes coisas adoptamos um comportamento um tanto errático. Não sei a que ponto pode ser benéfico pressionar o governo português para que sua vez pressione outro numa área que é da sua exclusiva competência, e onde as ingerências não são bem vistas por quase nenhum estado independente que se preze. Por muito "República das Bananas" que Timor-Leste seja, a justiça de lá resolveu decretar a prisão preventiva ao cidadão português, uma decisão, certa ou errada, tomada dentro do seu sistema, bom ou mau. Como ficaria aos olhos de qualquer observador uma justiça que se retraísse e mudasse de decisão porque outro país pediu, e que precedente isso abriria? Assim bastaria a qualquer cidadão estrangeiro lá detido apelar ao governo do seu país de origem e no dia seguinte estava cá fora, e a lei deixaria de ter um carácter inibitório e começava a convidar estrangeiros que quisessem cometer ilegalidades naquele país. Claro que para a família isto não diz muito, e como em todas as famílias do planeta, conhecem melhor que ninguém a pessoa de que estou aqui a falar de forma desapaixonada, e penso que todos compreendemos isso: se já é mau, se for connosco torna-se mil vezes pior. Fica é difícil ir mais além do que a simpatia ou a solidariedade, e recordo-me de ver um familiar do detido no programa "Entre Nós" da RTP a ter dificuldades em apresentar um argumento convincente a favor da libertação do seu ente querido, o que chegou mesmo a gerar algum desconforto. Sem saber exactamente o que se passou, como vamos poder alegar que se trata de uma injustiça, ao ponto de cerrarmos o punho e exigir justiça?
A visita de José Cesário, que refiro no segundo parágrafo, veio levantar um pouco o véu sobre os contornos do caso em particular, e colocou alguma água na fervura - infelizmente para aquele português e para a sua família, não há outra solução senão esperar pelo decurso das investigações, e esperar que a diplomacia acompanhe o caso de perto. Sem dúvida que seria de boa tez exigir que o português fosse libertado caso tivesse sido uma prisão arbitrária, mas sabendo agora que mesmo estando inocente não é de todo um personagem fora do enredo que se encontra ainda em segredo de justiça, isso não seria nada razoável. Entretanto no último dia 9 completaram-se seis meses desde que foi decretada a prisão preventiva, que foi renovada por outro período igual, pelo que a angústia desta família parece estar longe de ter um fim. Há uns dias procurava desenvolvimentos sobre este caso e deparei com esta entrada do blogue "Timot Hau Nian Doben" (?), assinada por um tal Zizi Pedruco, que me deixou estupefacto, e não pelas melhores razões. Se há uma palavra para definir o que ali está, fico indeciso entre "loucura" e "irresponsabilidade", com "delírio" a ficar em lista de espera, conforme a veracidade do que jaz ali escrito. E nesse aspecto estou pouco ou nada optimista, pois são afirmações feitas na base do "diz que disse" e "ouvi dizer". O mais curioso é que o autor começa por dizer que "não está a advogar a inocência ou a culpabilidade do cidadão português". Deve ser algum tipo de sarcasmo timorense, pois a partir do meio do texto começa a disparar furiosamente em todas as direcções, urdindo teorias da conspiração e apontado nomes, com destaque para um - e que um! Pode ser quem ache isto um acto de "coragem" (muita, para lá do recomendável) mas eu penso que pode vir a ser contra-producente.
O caso deste português é mais um de entre os 1678 de cidadãos nacionais detidos no estrangeiro, conforme a edição "pressreader" do Jornal de Notícias, que acrescenta que uma das acusações pendentes sobre ele é o desvio de 900 mil dólares dos cofres do governo timorense, o que vem explicar o que Zizi Pedruco queria dizer com "inicialmente os timorenses receberam bem a notícia",pois ao que parece foi esta a informação posta a circular em Díli na altura em que o português se preparava para sair do país com a família, aparentemente para não mais voltar. A teoria inicial que apontava para fuga esbarra com o facto de ter adquirido os bilhetes com muita antecedência, se bem que desconhecendo outros detalhes isso também não serve propriamente de alibi. Nigerianos à mistura, rede internacional, tudo muito baralhado, e ainda a isso se junta a publicidade feita ao caso pela família - quantos dos mais de mil portugueses detidos por esse mundo fora fazem o mesmo? Não sei quanto vale o princípio da presunção da inocência lá por Timor-Leste, mas como todo o resto não deve valer grande coisa, mas se tenho esse princípio como sacrossanto e não me atrevo a fazer prognósticos, há algo me ocorre nestas situações em que se dá a possibilidade de isso ter acontecido: mesmo não tendo envolvimento directo no ilícito tenha conhecimento deste, ou se tenha sido obrigado a cometer ilegalidades por coação ou inconscientemente, temos sempre que ver quem é o lado mais fraco. É que no caso da corda partir, será sempre esse o primeiro, senão mesmo o único.
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