sexta-feira, 27 de março de 2015

RIP Ironia


Desconhecia até há pouco tempo a etimologia da palavra "ironia", e efervescendo de curiosidade, fui a um "anyplace, world wide web" informar-me, apenas por merda mera curiosidade. Descubro sem surpresa que é derivada da palavra grega εἰρωνεία, ou "eironea", que por sua vez tem origem em εἴρων, "eiron", ou "aquele que finge não saber". A ironia dos gregos era sinónimo de engodo, de uma hipocrisia sem dolo, no sentido de confundir o nosso interlocutor, provocar-lhe uma reacção ou fazê-lo dizer algo que queremos saber e ele recusa-se a divulgar. Tanta coisa que abrange este sentido de ironia, e interessante a linha ténue que a separa da hipocrisia. Contudo a hipocrisia é velhaca e matreira, procura atingir fins desonestos, quer ludibriar os ingénuos, ou os apenas inocentes e puros - se ainda os há. Quando a ironia, que nas mãos certas se pode transformar numa arte, se aproxima demasiado da hipocrisia, dá-se um fenómeno quase como que de sublimação, que deixa a ironia num estado vulgarmente conhecido por "só podes estar a brincar", ou ainda em alguns quartéis por "deves pensar que és o maior e os outros todos parvinhos, não?". Antes de consultar a origem desta palavra fantasiei sobre as possibilidades de ela ter a sua raíz não no grego clássico, mas nas línguas germânicas, e por inerência no inglês moderno. Pensei nisto uma vez que as semelhanças com a sua prima inglesa, "irony", são impossíveis de ignorar. Não se pense que eu desconhecia que as influências do grego clássico chagavam também às línguas germânicas, nada disso, mas tinha graça se "ironia" tivesse a sua "mater" na palavra "iron", inglês para "ferro". Às vezes é difícil detectar a ironia por se encontrar dissimulada, o que se torna já por si irónico, uma vez que a própria ironia é a dissimulação, numa das suas ramificações. Quando damos por ela bate-nos com força, deixando-os atordoados, como quando agredidos com um ferro. Aí segura-se a cabeça, como se fosse ceder à violência e à surpresa do choque, exclamando "oh the irony", com o respectivo baque metálico a ecoar nos ouvidos.

Passando à vaca fria. Em Macau a ironia como forma de expressão artística, poética, ou aplicada ao seu uso popular, vulgo "olha-me este, a fingir-se de sonsinho", anda pelas ruas da amargura. Sim, Macau precisa de médicos, precisa de tradutores, arquitectos paisagistas, biólogos marinhos, tanta coisa que Macau precisa, e permitam-me que acrescente "peritos em ironia". Estes "peritos" teriam a missão de incutir em quem faz da ironia parte da sua profissão, ou que a ela recorre no seu dia-a-dia nas mais diversas situações uma forma de executar a ironia sem que fique demasiado fácil entende-la. O sarcasmo é outra conversa, já que a intenção é mesmo menosprezar o discurso alheio com recurso a possibilidades surrealistas, mas para a ironia é necessário graça, como a de um tareco que se passeia por uma cristaleira passando por entre as estreitas margens deixadas entre os copos sem que toque num deles, sem que oiça sequer um "plim". Aquela imagem que deixei no topo desta entrada é referente a Jornal Tribuna de Macau, a que faço desde já a devida vénia por ter "roubado" a imagem da sua página do Facebook, é o exemplo de um gato torpe, desastrado e míope que manda os copos todos ao chão, num recital desafinado de vidro partido e reduzido a cacos, tão pequenos que nem dá para juntar dois deles de modo a que se encaixem, tão agudo que é o efeito de uma ironia mal usada sobre a própria matéria. Não deve ser por maldade, mas também não descarto a possibilidade de não ter sido completamente inocente, mas o que nem eu e possivelmente qualquer pessoa que faça a devida analogia entre os dois casos (a analogia é o "teste do algodão" da ironia) entende é que critérios se aplicam para se dar destaque a quem se diz "estar preparado para ser preso", enquanto outro que diz a mesma coisa, mas num registo um tanto ou quanto diferente é desprezado e tratado como um tontinho, uma asserção tão persistente e entregue de forma tão convicta que chega a fazer escola. Será porque este último disse que tinha a trouxa pronta para levar quando fosse "de cana", e que na "choldra" ia escrever um livro?

Este personagem a quem o JTM dá amplo destaque em tom aparentemente elogioso a propósito da sua passagem pelo Festival Rota das Letras, que decorre em Macau desde dia 19 com término este Domingo, é nem mais que Murong Xuecun, "nom de guerre" do escritor Hao Qun, conhecido "dissidente" chinês, mas já lá vamos. O simples facto de terem deixado o indivíduo entrar no território já é uma surpresa, pois garanto que se trata de alguém com um potencial para "confundir a população" muito superior ao do bebé de um ano a que foi negada a entrada em Dezembro último, no terminal do Jetfoil do Porto Exterior. Ou será que tudo o que luz é ouro, e tudo o que faz chinfrim é "dissidente"? Convidar este tipo para um Festival Literário em Língua Portuguesa e Chinesa, numa região administrativa do país de que diz cobras e lagartos, e numa altura delicada em que Macau pretende reforçar junto do Governo Central a imagem de "bom aluno" que já demonstrou mas que se atravessa uma "fase de adolescência" onde são comuns as "dores de crescimento" não cabe na cabeça de ninguém. Isto seria dar um tiro no pé, e seria de esperar algo parecido vindo de Hong Kong, não deste lado do Rio das Pérolas, onde os jovens andam sôfregos por ter a disciplina de Educação Patriótica, e os pais ansiosos, com medo que os pequenos não saibam a cartilha completa das gloriosas alvoradas vermelhas do eterno amanhã. É que este Murong Xuecun não faz a coisa por menos; tornou-se conhecido por denunciar casos de censura, de que ele próprio foi também alvo, e de violência das autoridades sobre cidadãos detidos, ficando célebre o episódio do indivíduo que não resistiu a várias lesões no crânio e viria a falecer após ter ficado sob custódia policial durante um dia, mas que na versão oficial terá sofrido um acidente "enquanto jogava às escondidas" - o indivíduo em questão tinha 24 anos de idade. Além de tudo isto, que já é mais que suficiente para lhe colar um autocolante "Made in China" com a certificação de "maluquinho" e metê-lo no "fresco" até que a sua existência seja esquecida. Murong Xuecung assina uma coluna no New York Times, a dizer mal das uvas chinesas. Anda por aí à solta, mas a qualquer momento "pode ser preso". Questiono-me se a Will Hill abriu uma aposta na data exacta da detenção - não que eu quisesse meter lá um centavo, pois repudio os resultados combinados de antemão.

Não quero insinuar que o autor em questão é de como uma espécie de marioneta do regime, de modo algum, ou algum crítico "encartado" para quem é permitido ir até um certo limite e de vez em quando apanha com a "barra dura" manter as aparências, bem como desencorajar possíveis imitadores. Contudo não é inédito ou sequer raro encontrar este tipo de personagem em regimes fechados e totalitários como o da China, e mesmo aqui neste micro-cosmos (a)político temos o exemplo de Agnes Lam, cuja intervenção pública feita a cobro do estatuto de docente universitária (como se isto representasse uma autoridade tutelar insuspeita) vai fazendo o que convencionou designar de "crítica construtiva", muitas vezes falando em nome de quem não lhe encomendou tamanho sermão. O que qualquer pessoa com dois olhos, dois ouvidos e uma memória intacta consegue constatar é que fala muito, diz sempre a mesma coisa e ao câmbio daquilo que interessa realmente acaba por não dizer nada, enfim. Mesmo assim diz-se que está, e passo a citar, "em oposição ao poder", e que mesmo assim "não tem problemas" ao nível profissional, como outros que não se contentam em ser apenas "yes man" se queixam frequentemente. Depende do ponto de vista, pois estou em crer que a bitola que elogia a sua "frontalidade" é a mesma que na hora de ela vir pedir batatinhas se coloca como um obstáculo a voos mais altos - o seu a seu dono, portanto. Infelizmente isto vai-se verificando também um pouco por esse mundo fora, mesmo nos países ditos "democráticos", alguns com grandes tradições nesse particular. Começou a tornar-se imperativo filtrar a informação que vai chegando de todas as partes em doses cavalares e à velocidade da luz, e convencer a opinião pública de que muito do que ouvem e lêem não é senão obra de um espalha-brasas, que vai escrever nas redes sociais tudo o que ouve na rua, e isto quando não vão mais longe, ao ponto de o descredibilizar, e se for necessário recorrer ao seu passado de alcóolico/toxicodependente/presidiário não hesitam em fazê-lo. Os governos têm por hábito premiar os arautos desta difícil missão de manter rédea curta no que o povo diz e pensa, mas este "tássakagar", e só diz que sim ao pintarolas para ver se ele cala e vai chatear o Camões.

Assim de camada em camada de ironia fica quase completo este bolo, que não recomendo a diabéticos, nem a qualquer outra pessoa que tenha "permanecer vivo" na sua lista de planos para os feriados da Páscoa. Sobretudo não se esqueça que o número da ressurreição ao Domingo depois de quinar na sexta-feira anterior não é executado com sucesso por ninguém vai já bem para lá de 2000 anos, e mesmo o último peca por um ligeiro défice de credibilidade, e mais ainda de objectividade. E já que entramos no âmbito do divino e do sobrenatural, nada como completar este proverbial bolo com um recheio conventual, e na falta de um convento digno desse nome, que tal o local onde Murong Xuecun se apresentou no Festival Rota das Letras? Nem mais nem menos que…a Universidade de S. José! Olé! Mas espera lá, que posso estar a sonhar, como daquela vez que sonhei que estava com diarreia e por um triz não acordava a tempo de evitar uma desgraça…não foi a USJ que chegou a não renovar o contrato de um professor por este ter feito comentários tidos como pouco abonatórios em relação ao Chefe do Executivo, e por ter convidado um académico estrangeiro conhecido pelas suas posições críticas em relação a Pequim quanto ao respeito das liberdades individuais e dos direitos humanos?". Bingo! Apontou duas das razões pífias e desculpas de mau pagador usadas pelo inquisitor-mor, o Bernardo Gui de Carcavelos que dirige aquela sucursal do Santo Ofício para justificar uma conduta que, e sem mencionar os seus contornos mais pérfidos, é a antítese de tudo em que assentam os valores humanistas em que a Igreja diz estar alicerçada.

Parece então irónico que eles próprios se reduzam à condição de um Frei Tomás, só que sem a convicção deste último. Despedir alguém recorrendo a um argumento e depois mais tarde imitá-lo, e na eventualidade de alguém tocar o assunto ainda vai provavelmente achar tudo "normalíssimo" não é bem o tipo de ironia que Sócrates (o filósofo grego) usava para confundir os sofistas de Atenas. Eu chamaria-lhe antes de baixeza, imundice, e fico por aqui, que há terrenos lamacentos que não me atrevo a pisar. Se é ou não de bom tom abrir as portas a um orador que para todos os efeitos é "persona non grata" ao regime, pouco importa, pois se há algo que a USJ tem deixado bem vincado nos últimos tempos é que à velha máxima do bom samaritano que apela a "fazer o bem sem olhar a quem" foi averbada a completação "…mas convém espreitar, pela via das dúvidas". Sim, de facto, não vá o…oops, o melhor e nao chamar esse para a conversa, que depois ainda me vem dar razão. Mas a USJ está na berra, vai na onda, é fixe, adere e participa, e vai criar uns cursos de não-sei-quê, línguas, ou técnicas de manuseamento da dama de ferro, uma coisa dessas. Assim não perde o metro ligeiro do progresso quando este aparecer (se aparecer), e pode ser que assim lhe seja dada a devida importância (ou seja, muito pouca) e possa usufruir do Campus onde se vai instalar brevemente, e o qual pagou com a alma - e lá estou eu outra vez…que chatice. A propósito, os tais cursos que são do mais bué que há por aí vão incluir o diploma no acto do pagamento da última propina, ou vão fazer exames? É que há famas que "vêm de longe", como o brandy Constantino.

O meu problema - que nem é problema nenhum - não se prende tanto com a USJ e a sua tropa fandanga de cruzados que o Reverendo Torquemada vai recrutar directamente à "cantera" da Sé, nem com este ou aquele galifão, ou outro qualquer espertalhão das dúzias que por aí há de sobra - se foi essa a forma que cada um encontrou para prevenir (ou compensar) a disfunção eréctil, tanto melhor, que seja muito feliz. Agora não venham é vender gato por lebre e tomar toda a gente por parva, porque esse sermão já sei eu de cor e nem sequer vou a missa. Dizer que hoje isto é assim e que amanhã é o exacto oposto, ou que está tudo bem, "nada pasa", e olha que até aquele tipo que se farta de mandar "bocas" à China esteve cá a beber uns copos com a malta, e por muito que queira ser preso, não lhe fazem esse, já viram isto? Chega de atestados de burrice, ou tratar as pessoas como se tivessem a memória de um peixinho de aquário. Também me estou a marimbar para a relação entre e a China, nenhum deles é a minha "posse", não pertenço a qualquer desses "niggaz", mas já estou enjoado de olhar o sr. reitor a oscilar entre as directivas de um e o Campus da outra, e a meter os pés pelas mãos, e o pior de tudo, a justificar o que não tem justificação com "decisões políticas". Ó "el padre", para fazer política já cá andam os políticos, e estão cá a mais. Já pensaram o que seria com os padrecos na política? Corria-lhe mal um debate, evocava logo o Big Boss. E no Governo? "Ontem falei com Nosso Senhor, e ele mandou-vos desconvocar a greve". A este ponto a ironia está morta, enterrada, e prepara-se para ser exumada e os seus restos condenados à erosão dos tempos, até ao dia em que serão apenas pó. E no seu lugar fica a hipocrisia, "mama-san" das primas feias da ironia que agora ocupam o lugar que antes foi seu. Triste.

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