terça-feira, 3 de fevereiro de 2015
Liberdade de imprensa: a prática
O director do Hoje Macau, assina hoje nas páginas do seu jornal um editorial onde aborda a questão da liberdade de imprensa em Macau, aproveitando ainda para mandar alguns recados a destinatário ou destinatários incertos. É possível que o tom directo, incisivo e frontal que Carlos Morais José utiliza e que é sua imagem de marca tenha levado muita gente a pensar que o autor fazia referência a alguém ou a algum grupo em particular, mas o que me dá entender é que esta é uma reacção relatório da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) à situação da imprensa em Macau, e cuja apreciação feita à imprensa em português e inglês foi considerada "injusta e parcial" pelos profissionais da comunicação que nela são visados. Entendo o que CMJ, pessoa que como todos sabem tenho em elevadíssima consideração, quis dizer com aquela prosa que passou num tom um tanto paternalista, e aprecio a sua sinceridade. Posto isto não é novidade nenhuma que o jornalismo profissional obedece a regras, como qualquer outra profissão, e o jornalista não é livre de escrever o que lhe dá na real gana - nem no mais livre dos meios para a prática do jornalismo. Após dissertar sobre a autoridade - ou falta dela - que as pessoas fora dos media têm para fazer certos julgamentos de valor, o director do Hoje Macau conclui com um diagnóstico da situação local que muita gente considera no mínimo enigmático: Macau é muito melhor que Hong Kong e todos os países da região em termos de liberdade de imprensa.
Em relação a este particular, mantenho aquilo que defendi no artigo de sexta-feira que dediquei: mesmo sem conhecimento de causa, a IFJ aponta para quatro casos que nada abonam a favor de que em Macau a liberdade de imprensa está bem e recomenda-se. Contudo dou, como sempre faço, o benefício da dúvida a CMJ, que está por dentro do assunto e com toda a certeza tem mais dados a este respeito do que eu ou qualquer outra pessoa que se limite a especular sobre o assunto. E de facto pode ser até uma presunção legítima, esta, pois a liberdade de imprensa está de facto contemplada na lei, sem qualquer "mas" ou "contudo" ou outras condicionantes, e se por vezes a carruagem "derrapa" e sai da estrada, isso só pode ser resultado da forma como alguns profissionais entendem a gestão obrigatória que é necessário ser feita para garantir o que o autor descreve como "regras" que visam "garantir a independência". Ninguém está contra os profissionais da imprensa, pelo menos em princípio, e falo apenas com base nas opiniões que recolho, que variam entre o positivo e o indiferente. Só as formigas e as abelhas obedecem a padrões rígidos de funcionamento, assim como "previsível" é que os pássaros emigram em bandos quando se aproxima o Inverno - assim como em qualquer outra profissão há bons e maus profissionais, e ainda outros que "têm dias".
Agora peço licença que use o meu exemplo em particular, e do ponto de vista do não-jornalista atento, penso desta temática tão complexa. Eu adoro jornalistas, respeito imenso os profissionais da comunicação, quer da escrita, ora dos audio-visuais, e alguns dos que me conhecem sabem que tenho por eles uma enorme deferência, e mesmo os que não simpatizam com a minha "abordagem" tão particular merecem pelo menos o meu respeito - mesmo que de vez em quando se dê entre nós uma "troca de galhardetes". Se isto acontece, é porque tenho como princípio que estou a lidar com comunicadores, pessoas preparadas para enfrentar qualquer crítica, mesmo descabida ou injusta. Há jornalistas em Macau que coloquei num patamar de excelência, e já que falo do CMJ, que melhor exemplo que ele, que me confiou um espaço onde semanalmente tenho a oportunidade de me expressar, e nunca me foi imposta qualquer limitação. Se tivesse que falar por experiência própria, não teria nada a apontar. No entanto é do conhecimento geral que tudo não se resume ao que alguém escreve uma coluna assinalada como sendo de opinião - mas convive-se bem com este facto, entenda-se, e ainda não ouvi ninguém a duvidar da integridade de um profissional da imprensa de Macau ao ponto de o chamar de "mentiroso", ou "mercenário". O que acontece é que alguns aspectos que podiam ser melhorados esbarram numa certa vaidade e arrogância, com muitas sensibilidades à mistura. Às vezes estas "impurezas" resultam num produto inferior, de baixa qualidade, quando muita coisa podia ser feita no que ao controle de qualidade diz respeito.
Há por um exemplo um distanciamento que seria mais fácil de entender quando falamos de "prima donnas" operáticas. Ainda há poucos dias um conhecido jornalista local dizia que "não se considera colega de Jason Chao". Isto só pode ser interpretado como uma espécie de elitismo, e parece-me tão excessivo como desnecessário; este Jason Chao de que se fala à boca cheia tem um curso superior de comunicação social e é elemento acreditado da imprensa, mesmo como director de uma publicação satírica a que alguns reconhecem mais legitimidade que outros. Será que com isto é suposto lermos nas entrelinhas que um é melhor profissional que outro, ou que a sua publicação é séria e a outra não? A reacção impulsiva de alguns jornalistas perante a crítica e outro ponto negativo, e chegam mesmo por vezes a dar a sensação que querem ser os donos da razão. Vamos falar outra vez de profissões; se eu pedir a um taxista que me leve à Areia Preta, e este decida deixar-me na Taipa, não tenho de direito de protestar, pois o "profissional" é ele, e devo respeitá-lo como tal? Da mesma forma que os jornalistas sabem coisas que a maioria dos não-jornalistas não sabem, mas há evidências que estão ao alcance de qualquer pessoa com olhos na cara e o mínimo de inteligência para entender. Uma opinião, seja qual for, pode ser refutada e debatida sim, e os dogmas são apenas do domínio das religiões. Temos casos de jornalistas que se julgam acima do comum dos mortais, e chegam a ter o desplante de considerar que este ou aquele indivíduo "não sabe o que diz", e para piorar as coisas levam zero em isenção, e ainda se orgulham disso, que confundem com "solidez de princípios".
Aquilo que eu faço não é jornalismo, e nunca tentou ser entendido como tal, mas durante os quase nove anos que levo de "blogueiro", "bloguista" ou "bloguinhas", ou aquilo que me quiserem chamar, deu para aprender muito. Não é por comentar notícias ou exprimir opiniões que automaticamente escrevo aquilo "que oiço na rua". Não tenho a pretensão de substituir ninguém, mas penso que no que toca a fazer afirmações fundamentadas com provas, tenho um registo mais limpo do que muita gente que tem a obrigação de o fazer. Se parece que estou a fazer o papel de "crítico" e a dar sermões que ninguém encomendou, deve-se ao compromisso que sinto ter com certos valores que considero essenciais. Há detalhes sem importância que ignoro, e daí não vem mal maior ao mundo, mas há situações em que faço questão de chamar a atenção para erros que considero mais ou menos graves, e se o faço é na condição de consumidor de um produto que me é facultado pelos profissionais que à custa de tanto sacrifício me fazem chegar - se errar é humano, para quê ambicionar a mais do que isso? Os jornalistas escrevem para alguém que não outros jornalistas, e tal como eu os respeito, eles devem também respeitar o seu público. Isto já se afasta um pouco do tema da liberdade de imprensa, mas aí está: não basta ter liberdade, mas também saber o que fazer com ela.
Cumprimentos e obrigado pela atenção.
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