sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
Os indomáveis domésticos
O caso referido nos dois artigos em baixo leva a questionar a qualidade das relações afectivas, numa terra como Macau, onde o consumo é imediato, tal como é rápida a digestão, e curta a memória. Assistir a um romance onde um belo rapaz lusitano e uma frágil moçoila nativa lembra-nos algum daqueles romances do tipo "A Trança Feiticeira", ou outros mais esterotipados que falam do amor "west meets east", o europeu aventureiro, cidadão do mundo, que toma nos seus braços a frágil donzela asiática, curvas feitas de traços curtos, vestida de cabaia, educação tradicional, conservadora, que aprendeu que se pertence a um homem, e só a um homem, para toda a vida. Reparem nesta última frase, e digam-me se não sentiram a força deste "só um homem". Eu fiquei arrepiado, juro. Aí têm o sonho de mulher, submissa, fiel, pronta para servir, sempre disposta para satisfazer e sem se desculpar que está cansada ou lhe dói a cabeça, ou que tem uma reunião. É secundário se sente prazer, desde que dê prazer ao seu homem, e concorda com tudo o que ele diz, pois o que ela pensa não põe comida na mesa, por isso o melhor é nem pensar. Mas o senão é derivado da vantagem: isto não é amor, é uma directiva, e sem directiva, ao que fica reduzida a serva eterna? Ao submeter-se ao seu homem, este passa a ser o seu amo, o seu "dono", se quiserem, mas ao mesmo tempo a sua única posse - e ai de quem lhe puser a pata em cima. Ao extremo, e à medida que os anos vão passando, ela vai envelhecendo e ele "amadurece", apenas. A serventia vai crescendo para desconfiança, e da desconfiança para a obsessão é um passo - é neste momento que a A-Leng acerta na testa do Adozindo com a bacia onde está a lavar as suas ceroulas, quando repara nele a fazer olhinhos a uma lavadeira mais nova.
Isto tudo para falar da violência doméstica, um tema que em Macau tem feito correr muita tinta, e que tem dividido opiniões. É exactamente por não existir consenso que se torna uma questão sensível. Porquê? Porque as mentalidades, quer em Macau quer no resto do mundo entre os trogloditas afegãos, que tratam as mulheres ao pontapé, e os equalitários escandinavos que já nem distinguem homens das mulheres (em termos de direitos e liberdades, entenda-se), temos a noção errada de que a vítima da violência é sempre a mulher. E na esmagadora maioria das vezes assim acontece - quando não é o homem, por azar. Para que vai uma mulher agredir um homem e arriscar-se a levar com o troco a dobrar, se pode simplesmente acusá-lo de um crime, atenção a isto, um crime e deixá-lo ainda mais atordoado que os dois safanões que ia levar se lhe partisse um copo na tola? Antes de expôr o que penso - e vou já adiantando que concordo que a violência doméstica seja crime público MAS com muitos MAS - vou dar dois exemplos. Fulana é casada com Cicrano, ela descobre que ele anda enroscado com uma tipa lá da firma e confronta-o com esse facto. Discutem, há gritaria, mas ele nega ou argumenta outra coisa qualquer - o que pode ele fazer, se pedir "desculpa" não adianta de qualquer forma? A ira dela sobe de tom, e pode-se dar um destes dois cenários:
1) Ela atira com umas cadeiras, parte um ou dois pratos, berra em prantos, chora e bate com o pé, mas sem que o marido lhe encoste um dedo. Ele sai para desanuviar e esperar que a esposa se acalme, mas esta, possessa de raiva pela traição do marido, real ou imaginária (acontece muito, e sabem disso), dá duas caneladas na mesa, uma cabeçada na parede e vai até ao hospital. Lá diz que o marido a agrediu, chama-se a polícia, os vizinhos confirmam que houve uma altercação, e quando o homem volta do seu "giro" tem uma recepção de boas vindas, uma viagem até à esquadra de prémio e com um mundo de merda à sua frente.
2) O mesmo cenário de discussão, mas com uma agravante: a certo ponto, louca de raiva (pode acontecer especialmente no caso do marido andar mesmo a traí-la com uma amiga dela ou uma mulher de que ela despreza), vai buscar uma faca à cozinha e avança para ele determinada, de olhos cerrados e com uma expressão homicida no rosto, e ele segura-a pelos braços, necessitando de quase toda a sua força para evitar que ela se arrisque a ficar viúva - e para ele isso é um problema ainda maior. Apercebendo-se que ela demora a voltar a si, empurra-a, mulher cai para um lado, faca para outro, ela levanta-se mais depressa do que caíu e corre para o hospital, onde mostra os braços com nódoas negras provocadas pela resistência do marido e alega que foi agredida. Repete-se o desfecho do primeiro caso.
Reparem que nos dois exemplos que dei ali em cima os vizinhos confirmam que escutaram gritos, e os gritos mais estridentes, mais sonoros, os que mais se fazem notar, e por vezes não dá perceber com clareza a motivação que a leva a gritar. Sejam honestos, e como muitos de vocês já me conhecem há anos, sabem que eu estou a tentar falar a sério: o grito feminino é praticamente idêntico quando é agredida, quando agride, quando sabe que passou no concurso de admissão à Escola Prática de Artilharia ou quando vê um rato. Juro que isto que vou contar é a mais pura das verdades: tinha um vizinho já com uma certa idade, na casa dos 60 anos já viúvo, com os filhos crescidos e casados, que vivia sozinho no rés-do-chão do prédio ao lado do meu. Eu morava no 2º andar, e quando vinha para a varanda via-o de vez em quando a regar as plantas dos vasos que tinha no seu pequeno quintal, e via-se que era um senhor pacífico, meio cabisbaixo, e não me recordo de quando a esposa partiu, deixando-o assim com aquele ar meio chocho, de quem regava as plantinhas sem ter uma plantinha que o "regasse". Certo dia conheceu uma senhora mais nova, não muito mais nova, talvez na casa dos 40 anos e divorciada, e fiquei a saber disto quando o vi um dia regar as plantas enquanto falava para dentro de casa, todo animado e sorridente, e pouco depois vi a tal senhora, que julguei ser apenas uma visita, talvez uma parente, mas nada do minha conta, só me recordo por ter sido a primeira vez que o ouvi a falar. Alguns dias depois, num Domingo, acordei em sobressalto por volta das 9 da manhã com uma gritaria alucinante, que se me pedissem para descrever seria qualquer coisa entre o apito da fábrica de cortiça a dois blocos daquele sítio e os Bee Gees a cantar uma nota mais alta em "falsetto". Á medida que se repetia, com intervalos curtos e irregulares durante as quais se ouvia também a risota galhofeira de um homem, e depois de verificar de onde o som partia, percebi que o meu simpático vizinho tinha tirado o "carro da garagem" e estava a "dar uma voltinha", não pude deixar de achar curiosa a "expressividade" da sua nova companhia, mas achei a sua reacção demasiado "excêntrica" para achar graça à situação. O velhote devia estar a achar mais do que apenas "graça", mas ficou menos contente quando pouco depois lhe bateu a polícia à porta, possivelmente chamada por alguém que não esperou até perceber que não era a matança do porco que estava ali a decorrer. Deve ter sido embaraçoso esclarecer o mal-entendido, é o mínimo que se pode dizer.
Mas lá está, onde se OUVE a violência, não se VÊ de onde parte a agressão, ou quem está na posição de receptor do arraial de porrada, e em caso de dúvida, será sempre a mulher, claro. Quem vai dizer o contrário, e se quiser colocar o incidente com o meu vizinho nesses termos, pode-se dizer que sim, que era ele o agressor, mas não existia uma "vítima". Note-se como no segundo cenário a única forma do marido provar que era ele o alvo de agressão era deixar-se atingir com um golpe de faca, o que temos que concordar que é uma opção arriscada. Mesmo que ela o atingisse e ele ficasse ferido, mortalmente ou não, a primeira hipótese que se coloca é a da vítima que põe um fim ao seu tormento: ele batia-lhe frequentemente, enganava-a, bebia, perdia na batota e roubava-lhe dinheiro da mala, qualquer coisa menos atribuir a tragédia apenas e só a um desvario da parte da mulher. Sim, há mulheres presas por terem morto os maridos, umas porque decidiram pôr fim a uma história de abusos continuados, outras porque tiveram um "vaipe", perderam o controlo, e nesses poucos segundos que ficaram fora de si fizeram o que nunca pensaram poder vir a fazer, e talvez nunca mais se repetisse. Isto parece coisa do Diabo, mas é da natureza humana: assim como existem mulheres acometidas de insanidade temporária, também há homens insuspeitos que um dia se "passam" e entram em "tilt", parando apenas quando a companheira está no chão a escorrer molho. E esse é o outro problema da violência doméstica: o marido que mata a esposa ou a mulher que mata o companheiro na sequência de agressão são casos de "violência doméstica"? E o homicídio, meus amigos?
E é por isso que a violência doméstica peca não só pela sua discriminação em género, como pela sua subjectividade - é quase uma ilusão de óptica, um golpe de vista. Se vemos uma mulher a agredir um homem num local público, as reacções podem variar entre a curiosidade ou a indiferença, e sabendo de como teve início a briga e que o marido é completamente inocente, há os que podem achar graça, e outros que fiquem com pena do pobre homem. O que é garantido é que ninguém vai intervir em defesa do homem, a não ser que a violência adquira contornos de tentativa de homicídio. Se o marido reage e defende-se com um safanão, com toda a certeza aparece alguém que acabou de entrar com o filme a meio que vá em defesa da donzela em risco. Curiosamente muitos destes "marialvas" que metem o bedelho nestas tricas em defesa das mulheres dos outros batem eles próprios nas suas, mas "sabem o que estão a fazer", claro. Li uma notícia aqui há meses que contava a triste história de um reformado que conheceu uma jovem toxicodependente que se ofereceu a ter relações sexuais com ele a troco de dinheiro. O homem acedeu duas ou três vezes, não me recordo, mas sem liquidez ou capacidade para encontros mais frequentes, começou a recusar as "propostas", pelo que a jovem atraíu-o para uma fábrica fora da zona urbana e matou-o, roubando-lhe a carteira onde só tinha 40 euros. Sim, vocês acham isto horrível, e o que não falta são notícias de mulheres que praticam crimes ou cometem delitos tão reprováveis ou perversos que os homens. Mas imaginem que o idoso percebia o truque e dava-lhe dois tabefes para lhe ensinar uma lição - era logo um "agressor", um "cobarde", e diziam-lhe para "andar à porrada com alguém do seu tamanho". Talvez por isso li ainda na imprensa em Portugal que há homens vítima de violência doméstica que não apresentam queixa "por vergonha". E não só, digo eu, pois além de não ficar nada bem para um homem admitir que a mulher lhe bate, como sabe que dificilmente resolve seja o que for apresentando queixa - ainda é acusado de ser ele o agressor, por "fazer queixa da própria mulher à polícia...isto não é homem não é nada.
Pode-se afirmar então que esta é uma lei feita à medida para as mulheres, mesmo que isso não conste da letra da lei - é prática social reiterada. Se já é mau fazer uma lei tendenciosa em género, podem-se suceder casos atrás de casos de mulheres que consigam manipulá-la a seu favor, e para isso basta saber como. É a mesma coisa com o assédio sexual, que mesmo não sendo impossível acontecer, pouca gente acredita que seja a mulher a assediar o homem. É o pecado original em todo o seu esplendor. O mesmo se passa com a "discriminação positiva", que passa por estabelecer um número de vagas reservadas a mulheres numa empresa ou numa determinada instituição. A guerra pelo tratamento igual é feita com as mesmas armas do racismo, e as mulheres exigem o mesmo tratamento ou caso contrário alegam discriminação, machismo, chauvinismo, e se vão para a porta do patrão podem acusá-lo das piores coisas, que mesmo quem não acredita vai começar a ter dúvidas. Para complicar ainda mais chegam os casais LGBT a exigir que a sua relação seja prevista na tal lei. Isto é só uma prova que não é para poder usufruír dos direitos que a comunidade "gay" os quer, mas só para dar nas vistas. Então andaram este tempo todo a ser tratados abaixo de cão, sofrendo horrores, para agora nos dizerem que vão andar à porrada uns com os outros? Podiam aproveitar a oportunidade para mostrar que a vossa união é sólida, e quem sabe até mais que as restantes, pois não existe violência...ah...bem, desta violência que estou a falar, a doméstica, e não a vossa. E já pensaram o que seria depois na polícia terem que explicar quem bateu em quem, e qual dos dois é a "mulher" (ou o "homem", se forem duas mulheres). Não andem pedir o que não querem, senão ainda vão ter.
Em Macau, do lado da luta pela protecção das mulheres em risco está a irmã Juliana Devoy, uma religiosa que tem sido a face visível da criminalização da violência doméstica. A irmã está com toda a certeza com a melhor das intenções, pois o centro que dirige acode mulheres vítimas da brutalidade dos maridos, e ela viu e ouviu coisas que nós se calhar não iamos acreditar, mas existe um senão: só tem a perspectiva de um lado deste polígono complexo. Permitam-me ainda especular que a senhora sabe muito bem que nem todas as mulheres são dependentes do marido e não têm outra escolha senão sujeitar-se aos maus tratos, e que nem todos os homens são brutos - está a "puxar a brasa à sua sardinha. Do outro lado temos André Cheong, director da DSAJ, que tem levantado mais dúvidas sobre esta proposta, e a meu ver ele tem toda a razão, só que é mal interpretado - ele não se diz contra a criminalização, mas sim que é uma área demasiado sensível para se tratar de forma tão leviana. Por detrás daquela capa rígida de tecnocrata é difícil detectar algum "sentimento pessoal" quanto ao problema, e para ele é tudo "business as usual", mas o futuro comissário do CCAC toca na ferida quando fala de "desarmonia", mas falha em ser mais específico quanto à razão que o leva a pensar assim. E é preciso não nos esquecermos que estamos em Macau, onde se especula com tudo, desde casas a selos, moedas e cartão que se apanha no latão do lixo, onde se montam agências para obter o BIR através de casamentos fraudulentos, outras onde se cobra ilegalmente comissões a trabalhadores não-residentes em troca de emprego, e oportunistas que se escondem junto às passadeiras à espera que um carro passe em marcha lenta para saltarem à sua frente e pedir indeminzação, onde se usam os vales de saúde para comprar barbatanas de tubarão e ninhos de andorinha através de expedientes duvidosos, e com tudo isto acham que a malandragem vai ignorar o potencial da violência doméstica? Extorsão, chantagem, falsos testemunhos, tudo à cabeça da loja dos horrores que vai aparecer logo que a lei for aprovada.
Agora como conclusão reitero que sou a favor da lei, pois é necessária para proteger pessoas em risco, ou numa situação em que dependem do cônjuge para sobreviver - basicamente falamos apenas de mulheres, para não haver mais rodeios. Há homens violentos, abusivos, viciosos e cobardes que descarregam as frustrações agredindo o ser mais fraco que têm à sua mão, e esta lei serve que nem uma luva para detê-los, nem que sirva para que pensem duas vezes antes de cometer o insulto. Agora o importante é ter o máximo de cuidado para evitar injustiças que possam ter consequências gravosas, situações irremediáveis que levem à desagragação do núcleo familiar por causa de uma discussão mais "quente", que nem sequer corresponde à natureza dos envolvidos. Quem agride nem sempre é um agressor, mas apenas "alguém que agrediu", por isso convém distinguir quem age excepcionalmente numa situação de maior "stress" - e aqui as mulheres também ficam expostas a um acto irreflectido que possam cometer - e quem sistematicamente faz da violência uma forma de gerir o agregado familiar. O problema é que em vez de se discutir isto a sério, vêem cá para fora figurões do tipo Cheog U a falar de mais força e menos força, ou broncos como o Fong Chi Keong a sugerir que as mulheres são impulsivas, os homens são mais inteligentes, enfim, um mau exemplo dessa discutível teoria. O ideal seria criar um sistema em que se referenciassem os agressores e a situação em que a agressão foi cometida, se em circunstâncias especiais, se por convicção ou feitio, e neste último caso é preciso ter mão firme. Enquanto não se pensar bem numa forma de ter em Macau um mecanismo que proteja os inocentes e não seja facilmente manipulável por oportunistas, vai-se adiando a lei. Quem sabe se é melhor assim, mas ficamos a torcer para que se mexam, e depressa.
Concordo em tudo o que escreveste porque eu proprio sempre tive essas duvidas e receios.
ResponderEliminarMas há mais, e a violencia psicologica a que o homem é sujeito pela mulher diariamente? Berros, choros, negas, birrinhas, paranoias, humilhações verbais (publicas e não publicas), proibições (de ir ao cafe ver a bola por exemplo), ameaças (vai vai...) etc etc.
Sim porque muitos homens chegam ao ponto de bater numa mulher porquê? Levantaram-se de manha sem saber o que fazer e disseram: "o que vou fazer hoje? ja sei vou dar uma carga de porrada na mulher!" é assim que acontece?
E das vagas reservadas também é giro porque não vejo nenhuma mulher queixar-se que não ha mulheres a trabalhar nas obras ou que não há vaga para mulheres trabalharem nas obras. Ou gays.
É preciso é que hajam vagas em sitios para cuzinho sentado e telefone para falar com as amigas o dia todo...
http://www.sol.pt/Mobile/Noticia/122303
ResponderEliminaremgracado o paleio e sempre o mesmo mudam as figuras... viva a discriminacao positiva...
Agora e o Carrilho e a Barbara Guimares, va la este nao foi acusado de violar, ela nao e macaense, ainda nao tem a escola da vida...
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Gente/Interior.aspx?content_id=4353469
ResponderEliminarVamos la a ver se esta a sorrir tambem, so que os juizes portugueses espero que nao sejam videntes... Paleio de advogado e ministerio publico ...
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