quarta-feira, 27 de agosto de 2014
Eleição do CE & referendo civil: é só desgraças!
Em primeiro lugar gostava de dizer que quando li este editorial de José Rocha Dinis nas páginas do JTM de hoje, julguei tratar-se de alguma marotice sua. Com que então "pôr-se a jeito" ah? Foi assim que os alemães perderam a guerra, e tal, né? Mas não, era sobre a concorrida eleição do Chefe do Executivo, que se realiza no Domingo, e JRD lança algumas críticas à actuação do Governo nestes últimos cinco anos. Bem, é mais ou menos isso, e partindo dele, é até mais "crítico" que o habitual.
O editorial começa por fazer referência às inúmeras críticas feitas a Chui Sai On, algumas que o director do JTM considera "injustas", pelo que me é dado a entender pela "todas possíveis e imaginárias" e mais a farpazinha do costume contra a Associação Novo Macau. Eu vou mais longe, e considero que qualquer crítica que se possa fazer ao desempenho do Chefe do Executivo durante o último mandato é injusta! Chui Sai On não fez nada para merecer estas críticas! Insisto: nada! Nada de nada! Mas apesar dessas aves de mau agoiro, a sua reeleição parece "consensual entre a sociedade", ou caso contrário "aparecia(m) outro(s) candidato(s)". Podem vir agora os engraçadinhos insinuar que para convencer o Chefe do Executivo a recandidatar-se já foi complicado, quanto mais aparecer outro para fazer em cinco anos o trabalho de dez, mas até concordo que seria difícil vencer Chui Sai On; isto ficaria imediatamente perceptível aquando da entrada dos elementos do Colégio Eleitoral no Macau Dome este Domingo, ao som de "Todos os patinhos acabam de nadar", e para quem não sabe o resto, "depois em grande fila, no mesmo vão votar".
Agora concordo com Rocha Dinis numa coisa: o Governo de facto tem-se "posto a jeito" para que mereça algumas críticas. Ora ouve de manhã um grupo de interesses e diz-lhes que "vai estudar o caso", e estes saem convencidos que fica o problema resolvido, ora ouve de tarde um outro grupo com interesses simetricamente opostos, e diz-lhes a mesma coisa, e lá saem eles a pensar que são favas contadas. Uma imagem que tem sido comum, sem dúvida, mas permitam-me que acrescente mais alguma coisa ao raciocínio de JRD: 1) o Governo ouve, ou escuta as partes, mas será que entende? e 2) para sairem de um encontro com o Governo convencidos de que este vai fazer seja o que for, ou são muito crentes, ou então são parvinhos.
E finalmente o Governo tem sido muito autoritário recentemente, muito autoritário. Nós que estávamos habituados a dormir a sesta descansados, e vieram aí uns "mosquitos" organizar um referendo, e nas últimas duas semanas os elementos da nomenclatura mexeram-se mais do que nos últimos cinco anos. Tem sido um desasossego. Mas não interessa, pois conforme o estipulado no artº 47 da Lei Básica (suprema e intocável, com um "hidden track" no fim que proíbe referendos e outras coisas que dêem chatices), um dia destes o Governo Central vai indigitar o próximo Chefe do Executivo, e acaba-se o chinfrim. Com dum-dum não escapa um. Agora resta saber quem é o felizardo contemplado com uma estadia com tudo pago e depois ainda mais pago, e por aí fora. Se eu tivesse unhas, roía-as de tanta que é ansiedade e dúvida.
Mas atenção, atenção! Segurem-se bem, senhores leitores, e apertem o cinto que o espectáculo vai começar. Mais uma volta, mais uma viagem no JTM! Agora o prof. Oliveira Dias (que não me canso de referir, foi meu professor) vem dizer umas verdades bem ditas, e bolas, tenho que comprar um chapéu, que isto merece que lhe tire o chapéu, e literalmente. Num tom sarcástico que já tinha ficado evidenciado aquando da lamentável passagem do panda Sam Sam para o paraíso dos ursídeos, Luiz Oliveira Dias manda uns recados a Vong Hin Fai, mandatário da campanha de Chui Sai On. Mais do que isso: Vong Hin Fai é o grande guardião do Buda Dourado, e todos os pivetes que tiverem para queimar e com isso obter sorte, dinheiro, amor e saúde, podem entregar ao mandatário que ele encarrega-se de os queimar por vocês. Não esperem é nenhum dos pedidos realizados, que eles "vão estudar o caso".
A opinião de Luiz Oliveira Dias é a opinião do cidadão-tipo de Macau, aquele que anda na rua, que vai às compras, que fica entalado no trânsito, em "full-contact" com o sovaco alheio nos autocarros, e que entra no supermercado com cem paus a pensar que sai de lá com o almoço e com o jantar, e ainda os respectivos gaurdanapos para limpar a boca e os palitos para desentalar a chicha dos dentes, e quando no fim volta para casa com uma lata de sardinhas, uma "tota-tola" e e uma couve embrulhada em Ziploc pergunta: "f...-se, os meus cem paus, c...?". Mas é melhor o professor despachar-se e fazer o seu pedido o mais resumidamente possível, que o mandatário tem que voltar depressa para o palácio, não vá uma mariposa entrar por uma fresta da janela e lançar o pânico.
Mas vá lá, já chega de malhar no Governo, falemos de outras coisas. And now for something completely different, os números de hoje do referendo civil! Hoje foram 354 as pessoas que conseguiram enganar a PIDE, perdão o GPDP (Gabinete de Protecção dos Dados Pessoais), e entrar às escondidas na página do Referendo Civil, que agora conta com um total de 7239 opiniões (7266 agora) quanto às duas moções propostas pelas associações do campo pró-democrata que organizam esta consulta. Ainda é possível participar até ao próximo Domingo, e gostava de deixar bem claro que não faço publicidade do referendo. Repito: não faço publicidade do referendo. Escrevo sobre Macau, sobre a actualidade do território, e se há mais actualidade do que isto, então não sei o que é. Deste total de mais de sete mil opiniões, mais de metade foram recolhidas no primeiro dia, no Domingo, e tem sido evidente a diminuição do número diário de participantes. Isto é apenas normal, pois há quem tenha preferido deixar a sua opinião logo no primeiro dia, enquanto outros vão ganhando coragem, e há ainda quem tenha sentido apenas curiosidade. E o resto?
Tal como faço com muitos dos grandes temas da actualidade local, vou recolhendo opiniões um pouco por toda a parte, e as que mais valorizo são as dos residentes naturais de Macau, os "oumunyan" - valorizo todas, mas estes estiveram cá durante a "refeição completa", com aperitivo, sopa, prato principal, sobremesa e café, todos incluídos, e é interessante saber o que pensam. Entre aqueles com que falei, há os que votaram, um número considerável, e os que não votaram, e de entre estes os motivos são variados. Há os que não têm interesse no referendo ou na política em geral, há que não sabem como participar ou conhecem mal os contornos do caso, e há os cobardes. Desculpem-me mas é mesmo assim, e não a estou a chamar "cobardes" ao que se estão nas tintas para estas questões em geral ou não querem participar por genuína convicção - ninguém é obrigado a tal. Falo sim dos que gostariam de expressar a sua opinião, mas têm medo, e como se isso não bastasse, em vez de assumir esse medo ou procurarem informar-se sobre as suas opções, entoam as cantilenas da parvoíce, como se tirassem prazer em ser enganados.
Vamos lá ver: esta consulta, ou "referendo civil" não é um palavrão nem um insulto à mãe, nem é o equivalente a mandar alguém importante para um sítio desagradável. Quem deseja participar e receia represálias ou estar a cometer uma ilegalidade, saiba que isso é completamente falso. Os promotores do referendo nunca pressionaram ninguém a participar, nem os opositores à iniciativa ameaçaram qualquer residente que quisesse participar - valha-lhes isso, entre tanta asneira. O que tem acontecido é chincana política: de um lado os que querem a participação para acenar com os resultados que sirvam a sua causa anti-sistema, e do outro lado o sistema, que vai pedindo caridosamente à população que não os coloquem numa situação de vulnerabilidade com o Governo Central, que certamente não estará a achar piada nenhuma a tudo isto. Agora quem quiser mesmo participar e responder às duas moções, não vai sofrer quaisquer consequências legais, nem vão castigá-lo por isso, e pode fazê-lo secretamente. E isso leva-nos a outra questão.
O GPDP, que ficou muito mal visto nesta novela do referendo (e ainda não acabou), contrariou a natureza que levou a que fosse criado em 2007, com as funções de supervisionar o tratamento dos dados pessoais, funções essas atribuídas pela Lei nº 8/2005 (podem clicar e ver). O GPDP é um departamento criado por despacho do Chefe do Executivo (outra vez, podem ver ali a publicação no B.O.) e não autoridade para dizer o que o titular dos dados pessoais pode ou não fazer com eles - com excepção da divulgação e difusão a título pessoal, ou seja, caso os senhores queiram chatear com os vossos dados pessoais, sujeitam-se a regras, mas se não for esse o caso, podem dá-los a quem muito bem vos apetecer - isto conforme o nº 2 do artº 3º da tal lei. O GPDP tem a função de autorizar o tratamento dos dados por parte de terceiros, quem pode ou não pode tratá-los e para que efeito, e não proibir seja quem for de fornecer os dados a outrém. Portanto bem ou mal, este é um problema entre o GPDP e os organizadores do referendo. Nada a ver convosco, entenderam?
Outra questão com que deparei foi com a segurança do servidor onde se processa o recolha dos dados de quem quer participar no referendo. Ora mais uma vez isto é entre o GPDP e a organização do referendo, mas vou adiantando que tudo o que se pede são três secções do número do BIR - não se pede qualquer outra informação que possa ser considerada sensível. As pessoas vão a qualquer repartição e entregam o BIR a desconhecidos confiando cegamente na sua capacidade do tratamento desses dados e não questionam seja o que for, dão os dados constantes do BIR para promoções de produtos de beleza e outros bens de consumo sem pensar duas vezes, e mesmo quando visitam alguém no hospital passam o BIR para um segurança de uma empresa que nunca ouviram falar que escreve os dados num bloco de papel que mais parece aquele de embrulhar o borrego no talho, e não se lembram de ligar ao GPDP para vos garantir a "segurança do tratamento dos dados". O GPDP, já que se preocupa tanto com o BIR e tem jeito para se armar em "polícia", devia era estar atento à compra de votos durante as eleições legislativas, onde estranhos chegam a ficar na posse do documento de identificação dos eleitores por vezes durante um ou mais dias. Isso é que chamaria um trabalho bem feito, meus senhores.
Eis o editorial desta quinta-feira de José Rocha Dinis, onde é feita uma interessante comparação entre dos dois fenómenos: a eleição do Chefe do Executivo, e o referendo civil. Ora bem, temos portanto o director do JTM a dizer-nos que um dos pontos em comum é a "falta de unamidade". Por muito mal que as coisas estejam, e não estão assim tão mal mas podiam estar muito melhor, não estamos na Coreia do Norte nem no Iraque dos tempos de Saddam Hussein para que se ganhem eleições com 100% ou 99,9% dos votos. Agora não sei se JRD está a brincar, e até pode ser que me esteja a dedicar parte deste editorial (eu que sou grande fã), mas se por um lado temos uma eleição onde as opções são um candidato ou nada, do outro lado temos um referendo com duas moções e três opções de resposta para cada uma delas. É preciso perguntar onde existe a maior possibilidade de não haver unanimidade, ou tenho que explicar? Não tenho seguido este tipo de consulta oficial para me inteirar da taxa de aprovação do Chefe do Executivo, mas acredito plenamente que tem ficado sempre acima dos 50% (é curioso como JRD questiona quem participa no referendo mas confia incondicionalmente numa pesquisa de que nada se sabe), mas isto em comparação com quem?
Outro ponto interessante tem a ver com as opções da moção nº 1 proposta pelo referendo, e Rocha Dinis diz que "há quem vote no não". E há mesmo, meu caro! Eu, por exemplo, que desde a primeira hora manifestei interesse em expressar a minha opinião sobre a matéria e considero que não há condições para eleger o Chefe do Executivo pelo sufrágio universal, o velhinho "uma pessoa, um voto". Eu penso assim, muita gente pensa assim, e ninguém obrigou ninguém a votar no "sim" ou desaconselhou o voto no "não". Há ainda a opção de "abstenção" para quem só tenha opinião quanto à moção nº 2, e vice-versa. Quem tem feito anti-campanha, dissuasão e desencorajamento à participação não tem sido a organização do referendo. E se o resultado der a vitória do "não"? O que eles querem saber (e nunca deram outra indicação que não essa), é a vontade da população em relação ao sufrágio universal, e não vejo como é que isto se pode voltar contra eles. Não são eles que andam por aí desesperados, quase enlouquecidos, a dizer às pessoas o que devem ou não fazer, e a atirar com tudo o que têm contra a iniciativa alheia. Pense nisso.
Para acabar gostaria de recomendar a quem fala da falta de credibilidade ou do amadorismo do referendo civil que experimentasse ir lá e ver como funciona, em vez de falar do que não sabe. Aqui não me dirigo especificamente ao grande José Rocha Dinis (admiro a sua verve, a sério), mas à generalidade, e especialmente a quem tem o dever de informar com isenção, ou que pelo menos se orienta por um código de ética inerente à sua profissão. Outra vez, sem especificar, ficam aqui dois ou três pontos essenciais que têm suscitado alguma dúvida, e cuja detorpação só me leva a acreditar que existe alguma agenda oculta:
- O referendo civil está a aberto a maiores de 16 anos e a residentes não-permanentes, portanto sem capacidade eleitoral, pois na eventualidade muito remota do Chefe do Executivo ser eleito por sufrágio directo em 2019, todos os primeiros e muitos dos segundos terão já a possibilidade participar desse sufrágio.
- O promotor e os organizadores do referendo não pediram para ser perseguidos nem detidos com a finalidade de obter protagonismo - não consigo conceber como alguém pode sequer considerar que outra pessoa "goste" de ser detida e levada pela polícia. Deve ter experimentado e gostou muito. Se chegar um dia a minha vez, dou-lhe o lugar.
- O GPDP conseguiu por meios bastante duvidosos e até preocupantes para a confiança no segundo sistema que o referendo, ou melhor, a recolha dos dados pessoais para esse efeito fosse considerada ilegal, mas não um crime. O único crime foi o de desobediência qualificada de que o promotor do referendo foi acusado, e que mesmo assim assenta numa base pouco sólida. Deixar no ar que seja a ideia de que o referendo é "um crime" é desonesto e não se entende de outra forma senão com a pressecução de fins pouco transparentes, branqueando essa intenção com o pretexto de uma "opinião meramente pessoal". Repito: código de ética, algo a que eu, que assino semanalmente uma página de opinião na imprensa não estou sujeito, mas por uma questão de verticalidade, evito assumir posições tão rasteiras como esta.
Posto isto, se quiserem participar do referendo civil são livres de o fazer, e se não quiserem, essa é outra opção que vos é dada. Já quanto ao evento do próximo Domingo, se quiserem ir ao Macau Dome, recomendo que se inscrevam o mais depressa possível na lista do pessoal de "catering" ou de limpeza, e tenham em mente que vão apenas lá assistir a uma "emocionante e imprevisível" eleição, e ainda "sem unanimidade", o que é "bom para Macau". É bom é bom é bom é, diz o avô e diz o bebé.
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