sábado, 19 de julho de 2014
The butler did it
A Associação Consciência Macau, por intermédio de Jason Chao, Sulu Sou e Andrew Cheong (da esquerda para a direita, contemplando o infinito), entregou uma petição à Teledifusão de Macau (TDM) pedindo uma investigação interna a Lorman Lo Song Man, actualmente a exercer funções de membro da comissão executiva daquela estação de televisão, por alegada ameaça a um ex-jornalista daquela estação. Alan Tsu, o jornalista em causa, foi demitido em 2012 alegadamente devido à deterioração da sua relação profissional com Lorman Lo, na altura directora de informação do canal em língua chinesa. O ex-jornalista foi despedido devido a uma falta injustificada, mas Alan Tsu alega que a verdadeira razão da sua saída prendeu-se com divergências com a directora na forma como tratava algumas notícias consideradas "incómodas". Além dele há outros dois jornalistas que saíram da estação da Francisco Xavier Pereira nesse ano, que em 2011 haviam recebido cartas anónimas contendo ameaças devido a um artigo de opinião publicado no jornal Son Pou, da autorida de um colunista que assinava com um pseudónimo e que dava conta de "problemas internos na TDM", provocados por "pressões feitas a jornalistas" quanto à linha editorial da estação. Os jornalistas entregaram as cartas à polícia, que encaminhou a queixa para o Ministério Público, que arquivaria o processo por "falta de provas". Os queixosos recorreram, mas Manuel Pires, director-executivo da TDM, diz que não se justifica nenhum inquérito interno, pois o caso foi arquivado.
Agora um detalhe interessante: numa dessas cartas encontrava-se uma impressão digital que viria a saber-se pertencer ao polegar direito de Lorman Lo. Essa carta, a primeira que os jornalistas receberam, continha o que consideravam ser "ameaças veladas". Intitulada "Um aviso de amigo", a missiva anónima era dirigida ao putativo autor do artigo do San Pou, que segundo Alan Tsu, a então directora de informação suspeitava ser um dos três jornalistas, e nela lia-se que "a persistência nesta conduta só vai trazer malefícios, e nenhuns benefícios". Mais tarde, no mesmo mês de Junho de 2011, Alan Tsu recebia outra carta anónima, segundo ele "idêntica à primeira", e onde desta vez se liam vários insultos, e onde se acusava o jornalista de "engraxar" Leong Kam Chun, na altura um dos membros da comissão executiva, "com vista a obter uma promoção". Apesar da evidência que constitui a impressão digital de Lorman Lo na carta, o que a deixa numa posição delicada caso queira negar que desconhece o caso por completo, o Ministério Público considera que "não existe ameaça", alegando razões diversas para fundamentar o arquivamento da queixa. Não existe o quê? Vamos lá então tentar perceber melhor esta lógica.
Em primeiro lugar acho fascinante que uma impressão digital tenha servido para ajudar numa investigação policial. Sim, as impressões digitais, lembram-se? Aquele borrão que deixamos num papel quando vamos tirar o bilhete de identidade? Pois é, para quem pensava que aquilo era algum contributo para uma exposição de arte abstracta, saiba que a polícia utiliza este meio para identificar os autores de actos que podem ser passíveis de procedimento criminal. Numa era em que só se fala de exames de ADN, que incluem secreções corporais, como saliva, esperma, suor, ranho, blargh, grande porcaria, eis que uma impressão digital dá pistas sobre uma investigação. Até parece um daqueles policiais à antiga, estilo Inspector Closeau ou Detective Colombo, onde no fim o culpado era sempre o mordomo. Contudo o Ministério Público não considera que o conteúdo desta carta tenha um tom de ameaça, nem mesmo tendo em conta que a principal suspeita da sua autoria não a assina, era conhecida dos seus destinatários, com quem mantinha uma relação laboral atribulada, e é muito provável que tenha também mandado a segunda carta, esta contendo insultos. Muito bem, durmo mais descansado.
E de facto o que é uma ameaça? Não dizia na carta que era um "aviso de amigo"? Ora os amigos não fazem mal, pois não? Dizer que a persistência numa conduta poderá trazer "malefícios" e "nenhuns benefícios" não é exactamente uma afirmação, é mais, vá lá, uma "previsão". É como o horóscopo, não é para levar a sério, ou como o Boletim Meteorológico, que diz que pode chover, mas no significa que chova realmente. É também irrelevante que a impressão digital encontrada na carta - que repito, é uma pista, não prova nada de definitivo mas dá uma grande ajuda - pertença a uma chefia dos queixosos, que cumprem ordens suas no exercício da sua profissão. O Ministério Público tem uma noção muito interessante de ameaça, muito rigorosa. Se na carta estivesse escrito "deixa-te de merdas ou parto-te ao meio", não ia ser ameaça; quem é capaz de partir alguém em dois? Só se for algum samurai! Ora essa. "Ameaça" deve especificar o dia, a hora e o local onde a agressão vai ser cometida, bem o método a utilizar, levar uma assinatura autenticada e deixar um número de telefone de dia e outro de noite onde o autor possa ser contactado no caso de dúvidas ou esclarecimentos.
Esta personagem, Lorman Lo, é bastante discreta para uma profissional da comunicação social com a sua experiência, não deixando disponível muitos dados que a identifiquem, mesmo os mais básicos. Sabe-se que obteve a sua licenciatura em 1990 na Universidade de Jinan, na China, e no seu currículo constam a cobertura televisiva do "handover" em Hong Kong em 1997, a transferência em Macau em 1999, e as eleições presidenciais de Taiwan em 2000, aquando da vitória de Chen Shui-bian. Depois disto, parece ter-se dedicado mais a funções administrativas, e dá a entender que faz parte do grupo de personalidades com cargos de responsabilidade que ultimamente tem vindo a dar tiros no pé. Mesmo com uma decisão (discutível) emanada pelo Ministério Público, não custava nada à administração da TDM realizar um inquérito, nem que seja só em nome da transparência, e para sacudir algumas suspeitas de que têm recaido sobre a televisão pública, e que falam de censura e limitações à liberdade de imprensa. Os rapazes da Consciência desafiam. Será que se atrevem?
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