sexta-feira, 18 de julho de 2014

Terrorismo branco com tez amarelada


Ainda a propósito de Eric Sautedé, a Associação dos Jornalistas de Macau (AJM) pronunciou-se sobre o afastamente do docente da Universidade de São José, acusando esta de "exercer pressões políticas", e fala de um tal de "terrorismo branco". Antes de falar desta curiosa expressão, permitam-me ajudar a "picar o ponto" a um personagem que se encontra actualmente ausente do território, no gozo de merecidas e retemperadoras férias: "esta é uma das 1548 associações de jornalistas, que não representa toda a classe, blá, blá blá". Pronto, já está. Pode ir outra vez pôr as badanas de molho, mas olhe que tem feito aqui falta, para ajudar o "padrinho" a combater aqueles malvados que querem realizar referendos. Deviam era ir todos direitinhos ao cepo e cortar-lhes os braços, como se faz a esses espertalhões que têm a mania dos sufrágios universais, "Serra Leoa style". Assim iam era votar com a boquinha ou com os pézinhos.

Mas adiante. Fui pesquisar isto do "terrorismo branco" na net, e encontrei sobretudo referências a "terrorismo cometido por brancos". Mas que porra é esta? Depois percebi que a maioria das referências a esta modalidade de racismo bombista vinha dos idiotas dos americanos, que levantavam mais uma pertinente dúvida: "é possível existir terroristas brancos?". Pfff...que pergunta. Claro que não, que o digam os maoris da ETA e os parsis do IRA. O terrorismo é mais uma daquelas coisas que carece de predisposição genética, e as poucas excepções à regra explicam-se facilmente: Anders Breivik assistiu a um festival "raggae" antes de cometer os ataques de Julho de 2011, e os autores do massacre de Columbine tinham passado a noite num solário. Terroristas brancos? Da cor de Deus nosso senhor? Estais todos malucos, pá.

Agora falando um bocado a sério (como se isto fosse muito "sério", duh), por "terrorismo branco" entende-se um conjunto de acções que indirectamente visam destruír o seu alvo, sem que seja necessário recorrer a uma agressão declarada. Ao contrário do terrorismo convencional, que usa os a assassinatos, raptos e atentados à bomba, o "terrorismo branco" tem como armas a intimidação, a chantagem ou a ameaça. É um bocado como a Guerra Fria, estão a ver? Só que morrem menos vietnamitas e salvadorenhos. Mas esperem lá, isto de "terrorismo branco", que independente da cor é terrorismo na mesma, parte de quem, exactamente? Da Universidade de São José? Uma insitituição de ensino superior com a chancela da Igreja Católica, que tem um padre como reitor e o bispo de Macau como presidente da Fundação Católica que a administra? E depois, porque é que estão a fazer essa cara de quem foi convidado para uma orgia mas não estava a contar que estivessem lá mais gajos que gajas? É "apenas" a Igreja Católica, qual é a surpresa?

Tenho uma teoria sobre a Igreja Católica que costuma deixar chocado quem a ouve, mas à qual me mantenho fiel e não arredo pé num centímetro que seja: se a deixassem, ainda queimavam os infiéis na fogueira da Inquisição. Xim, xim, e a esta hora tanto o Sautedé como eu próprio e muita outra boa gente já tinha sido transformada em fertilizante orgânico. O problema é que isso deixou de ser politicamente correcto, e da purificação pelo fogo, a Igreja passou à retórica, recordando os crentes de como são todos pecadores e uns merdas, e que não fizerem o que eles mandam vão parar ao Inferno onde serão penetrados de hora em hora por capetas dotados de um bacamarte maior do que o do Reinaldo "rebenta-bufas", antigo avançado do Benfica. Isto para os homens, porque as mulheres passarão a eternidade sem poder assistir à novela, com uma vizinha de cima que pendura sempre a roupa quando a sua já está seca. Isso mesmo, pensai bem antes de pecar.

Mas pronto, os valores trazidos pelo humanismo perdoaram a Igreja, e muito, mas muito tempo depois esta pediu desculpa pelas atrocidades cometidas durante séculos, e hoje reconhece-se nela um papel importante no alívio do sofrimento dos pobres e dos enfermos, tem uma história respeitável na resolução de conflitos bélicos e crises políticas, e para quem ainda acredita no homem invisível, cumpre a função de levar o rebanho ao monte para pastar. Falando do seu lado negro, persiste no pecado original, que leva a que se questiona o celibato dos padres, e tem um apego ao vil metal, que contraria os ensinamentos de Cristo, que primava pela simplicidade e pela humildade. O problema é que nos tempos que correm a maioria dos crentes com alguma liquidez preferem gozar a vida a preocupar-se com o que vem depois da morte, e os pobrezinhos, que continuam muito fiéis, coitadinhos, têm muita fé, mas infelizmente essa é uma denominação que não consta da tabela de câmbios e os bancos não aceitam o seu depósito. E a Igreja precisa de capital, meus amigos. Ou julgam que as safiras e os rubis que tapam as goteiras dos telhados do Vaticano caem do Céu? Ai julgam? Olha então permitam que refute esse dogma: não caem.

O registo da Igreja neste particular é revestido de controvérsia; a própria Madre Teresa de Calcutá recebia doações de ditadores e outra gente pouco recomendável, e não se fazia rogada na hora de aceitar, "em nome dos seus pobres". No caso de Macau a Igreja Católica teve sempre um papel principal nas grandes decisões políticas, e à conta disso detém um património invejável. O afastamento de Sautedé foi imediatamente ligado às declarações "pouco simpáticas" do docente sobre o Executivo, que se prepara para conceder à USJ um terreno na Ilha Verde onde ficará instalado o novo campus. A decisão de calar a voz incómoda do professor de Ciência Política terá resultado de algum excesso de zelo, pois não estou muito convencido que o Governo tenha determinado esta condição como sine qua non, até porque era mais que certo que se viria a saber mais cedo ou mais tarde, e seria má publicidade. A mim parece-me que mais uma vez houve aí alguém que pensou que ia fazer uma obra cheia de graça, e acabou por fazer merda.

Em relação aos envolvidos neste processo, penso que não tem importância dizer o que penso. Nunca fui com a cara daquele Peter Stillwell, que nunca vi a sorrir. A mim parece-me mais um partidário da velha máxima do "graças a Deus todas, graças com Deus nenhumas". Quanto ao bispo José Lai, deixa muito a desejar como sucessor do saudoso bispo Domingos Lam, que era um bom homem e um bonacheirão. José Lai pode ser um homem de fé, sem maldade, mas não dá para entender muito bem qual é o seu papel. Às vezes dá a sua benção ao poder quando lhe devia exigir a expiação dos pecados, e é cúmplice quando devia criticar. E que posição é a sua afinal, em relação à China, por exemplo? Está do lado do Vaticano, a quem deve fidelidade, ou pauta-se pela "neutralidade", que é o mesmo que dizer "se não está contra, é porque não tem nada contra". E para que é que precisam do tal "campus", ao ponto de fazer esta triste figura censurável de censor? Jesus falava aos discípulos de uma gruta clandestina, e pregava entre os pobres e os leprosos. Se calhar é isto que anda a fazer falta à Igreja em Macau: mais leprosos.


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