quinta-feira, 24 de julho de 2014
Em má companhia
Esta imagem é datada de 2008, mas pouco importa de quando é, pois entre 2008 e hoje continua a ter o mesmo significado. É possível que este aperto de mão entre Cavaco Silva e Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, presidente da Guiné-Equatorial, se tenha repetido ontem em Díli, na cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que no topo da ordem de trabalhos tinha a inclusão daquele país como membro. Um dos factos que mais estranheza causou foi o da Guiné-Equatorial não ter o português como língua oficial, nem o nosso idioma se fala entre uma parte significativa da população. Os únicos laços históricos com aquele pequeno país da costa oeste africana resumem-se à sua descoberta, pelo navegador Fernando Pó, que deu o seu nome ao diminuto território desabitado localizado entre os Camarões e o Gabão. Portugal cedeu esta posse aos espanhóis no século XVIII, como condição do Tratado de El Pardo, e permaneceu como colónia espanhola até 1968, altura em que declarou a sua independência. Obiang é presidente do país desde 1979 depois de um golpe de estado que destituíu o seu tio, Francis Macias Nguema, e governa com mão-de-ferro aquela que é uma das maiores cleptocracias e narcoestados da História, minado pela corrupção e onde a situação dos direitos humanos é das mais lastimáveis do planeta - do mal o menos, a população é de apenas 650 mil habitantes, mais ou menos a mesma que Macau. Irónico é que Cavaco Silva tenha passado pela Coreia do Sul a caminho desta conferência, e ali tenha afirmado que o governo da Coreia do Norte "viola os direitos humanos". Do pouco que nos é dado a saber sobre o regime dos Kim, podemos arriscar que sim, que a situação quanto ao respeito pelas liberdades individuais, de expressão ou de associação é nulo. Por tudo o que sabe da Guiné-Equatorial, temos a certeza.
O tio de Obiang, Francis Macias Nguema, foi o primeiro presidente da Guiné-Equatorial, após a sua independência da Espanha em 1968. Macias era filho de um curandeiro, falhou três vezes o exame civil de acesso ao um emprego no sector público, mas acabaria por conseguir um lugar de presidente da câmara de uma pequena localidade, devido à sua lealdade ao governo colonial espanhol. Candiatou-se à presidência nas primeiras eleições após a independência, que seriam também as últimas, como candidato de uma plataforma de forte pendor nacionalista, e venceu. Apesar de se dizer marxista, Moscovo nunca quis nada com ele - e estávamos no auge da Guerra Fria. Durante os onze anos que esteve na presidência fez a Revolução Cultural de Mao Zedong parecer uma brincadeira de crianças, e Pol Pot um cordeirinho manso: perseguiu, torturou e matou os intelectuais, e os que sobreviveram partiram para o exílio, e mesmo que ficassem, Macías tinha banido a palavra "intelectuais". Baniu o ensino privado, que considerava "subversivo", e a medicina Ociental, porque "não tinha nada a ver com África". Deu nomes africanizados às cidades, passando a capital Santa Isabel a chamar-se Malabo, inventou títulos honoríficos para si próprio, um deles o de "milagre único", e mudou o seu próprio nome para Masie Nguema Biyogo Ñegue Ndong. Espalhou o terror no seu país, sendo responsável pela morte de um terço da população, promoveu a ortura e as prisões arbitrárias, e para que ninguém fugisse mandou destruir todos os barcos, ilegalizando a pesca, e dinamitou uma estrada que era o único acesso terrestre para fora do país. A comunidade internacional chamava à Guiné-Equatorial "a Dachau de África", tal era a semelhança da sua maior prisão, a Playa Negra, com os campos de concentração nazi. O comportamento tresloucado de Macias era atribuído ao consumo de quantidades copiosas de iboga, um arbusto com propriedades halucinogénicas, mas para as elites que ficavam a cobro da sua loucura tanta fazia, até que no Verão de 1979 começou a ordenar o assassinato de alguns dos seus familiares. Apercebendo-se de que homem já não raciocinava de todo, o seu sobrinho Obiang destituíu-o, organizou um julgamento "à la minuta" e mandou-o executar juntamente com alguns dos seus colaboradores mais próximos, contratando para o efeito os serviços de um pelotão de fuzilamento marroquino.
Obiang subiu ao poder e operou de imediato mudanças, libertou os prisioneiros políticos (os que sobreviveram) e prometeu um estado de direito. O optimismo era elevado, e até o rei Juan Carlos de Espanha e o Papa João Paulo II brindavam à boa nova com uma visita oficial. No entanto foi mais do mesmo, e apesar do menor número de casualidades e de ser menos sádico que o tio, Obiang não mudou nada no que respeita aos direitos humanos, prisões arbitrárias e culto da personalidade. Perpetuou-se no poder através de referendos onde obtinha um "rating" de aprovação na ordem dos 99,9%, e chegou dar-se o absurdo de obter 103% dos votos numa das assembleias. É o líder de um país não-monárquico há mais tempo no poder, depois da morte de Gaddafi há três anos, e termina o seu mandato em 2016, o seu último, de acordo que uma lei que ele próprio idealizou. Contudo diz que "não abandona a presidência", e talvez por isso há quem o considere "pior que Mugabe" no aspecto da eternização do poder. O país ficou sempre à margem dos efeitos das sanções internacionais, pois além de pequeno e pouco populoso, era rico em recursos naturais, e mais rico ficou quando em 1996 descobriu petróleo no seu território, passando a ser conhecido pelo "Kuwait de África". Um progresso comparado com a associação a Dachau, mas as semelhanças com o estado árabe ficavam-se pela dimensão. Com o dinheiro do petróleo aumentou a corrupção, e as multinacionais que se instalaram no país nem se importam de pagar "taxas especiais" impostas por Obiang. O ditador diz que "como a única ex-colónia hispânica em África, a Guiné-Equatorial sente-se culturalmente orfã", daí ao pedido de adesão à CPLP, e nós, ao contrário de qualquer outra comunidade de países que considera Obiang um dos últimos grandes déspotas do mundo, aceitamos.
Mas actualmente com 73 anos, pode ser que a entrada da Guiné-Equatorial na CPLP seja uma aposta no futuro, e com a eventual saída de cena de Obiang o país poderá registar melhorias no seu horrendo registo. No entanto tudo indica que o sucessor seja o filho favorito do presidente em exercício, Teodoro Nguema Obiang Mangue, aqui na imagem. Este "júnior", actualmente com 44 anos, é conhecido pelo seu estilo de vida opulento. Desempenhou o cargo de Ministro das Florestas e dos Recursos Naturais entre 2009 e 2012, e cobrava 28 dólares por cada tronco que saía do país, de modo a sustentar os seus luxuosos hábitos. Depois de processos em França e nos Estados Unidos por suspeitas de associação criminosa e branqueamento de capitais, foi "promovido" a segundo vice-presidente, um cargo criado especialmente para ele, com o propósito de poder gozar de imunidade diplomática. Tem várias propriedades na Europa e na América, que incluem um "duplex" num bairro de luxo em Paris, e uma mansão em Malibu, com 1400 m2 e piscina com vista para o Oceano Pacífico. . É propeitário de uma editora de música "hip-hop", e uma colecção de carros desportivos e de luxo invejável. Um ex-motorista seu diz que "combinava o carro que usava com a indumentária, saíndo com um Rolls-Royce azul quando usava meias azuis". Se alguém que quiser questionar porquer é que um país que tem um PIB per capita de 24 mil dólares, mais que Portugal, mas três quartos da população vive com menos de um dólar por dia, a mortalidade infantil é de 15%, e a esperança média de vida 50 anos, aqui tem a resposta. Bem-vindos à Lusofonia, amigos. Estão só agora a começar a aprender português? Não faz mal, não tenham pressa que a gente espera.
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