quinta-feira, 24 de abril de 2014
Cheira a Abril (e a Maio também)
Praticamente todas as bandas que tinham presença confirmada num concerto na Praia de Hac-Sá no próximo dia 1 de Maio anunciaram a desistência, por motivos que, pelo menos por aquilo a que estamos habituados por estes lados, é de fazer cair o queixo de espanto. As bandas, na sua maioria de Hong Kong e de Taiwan, foram convidadas pelo IACM para tocar neste espectáculo marcado para o Dia do Trabalhador, mas à última da hora recusaram-se a vir porque "não querem ser aproveitados para um concerto que serve de manutenção à estabilidade social". Não sei se as bandas em questão são de "punk-rock", ou se foi convidado algum baladeiro, ou um músico de intervenção, um qualquer Bob Dylan de Taipé, mas recusam-se simplesmente a ser marionetas do poder instituído, e pronto, "fight the power, mudafaka", "eat the rich", oh yeah.
Em sua defesa alegam "não ter conhecimento do objectivo do concerto". Pois é, sendo a 1 de Maio e tal, eles até pensaram: "1 de Maio...1 de Maio...este dia diz-me qualquer coisinha", mas como todos os dias são dias para esta malta do "show business", para quem não existem Domingos, feriados ou dias santos, se calhar escapou-lhes. São tão distraídos que no ano passado até vieram cantar - foram enganados, coitados. É também comum organizar nesse dia outros espectáculos musicais, alguns deles que até tiveram como palco o Estádio da Taipa, e não houve problema. Não querendo acreditar que os artistas foram mordidos por algum bicho do marxismo-leninismo, recusando agora participar da alienação da classe operária e absrai-la da luta contra a burguesia capitalista, vou assumir que houve ali um desarranjo qualquer nas contas. Mas não liguem, isto sou eu que gosto de ser mauzinho. Vamos fingir que os motivos são esses mesmos que alegaram.
É comum o Governo ou as entidades governamentais organizarem para os trabalhadores (entenda-se os que trabalham mesmo, pois os gajos lá no Governo são tecnicamente "trabalhadores", também) festarolas, concertos, piqueniques, comes-e-bebes e outras formas de enganar os tolos com papas e bolos no dia 1 de Maio, para os relembrar que gostam muito deles, especialmente se se abstiverem de participar em manifestações, protestos ou outras acções levadas a cabo por associações que, quer se goste ou não delas, representam os tais trabalhadores, e a bem ou mal, com ou sem razão, lutam pelos seus direitos. Ou pelo menos tentam fazer ver nesse dia que se mexem, que existem, que estão vivos, e que nem tudo é um mar de rosas para quem tem que ir todos os dias à luta, ganhar o pão nosso de cada dia.
Nisto do feriado do 1 de Maio existem duas escolas de pensamento: 1) é feriado, um dia dedicado aos trabalhadores, e por isto estes devem aproveitá-lo para confraternizar, conviver, participar de actividades ao ar livre, a sós ou com a família, la, la, la, o Pai Natal foi com o coelhinho e o palhaço no comboio ao circo ou 2) ir para as ruas de megafone na mão, de punhos levantados a gritar "basta" à opressão e à desigualdade, e reclamar para si e para os seus mais direitos, mais justiça social, mais equilíbrio. Peço desculpa para quem prefere as corridas de sacos, mas eu penso que o 1º de Maio serve para protestar. Quer dizer, basta ir à História e ver a origem do próprio feriado, e citando Mao Zedong (salvo seja): "o 1 de Maio não é o convite para um jantar".
Para mim o 1 de Maio é igual ao momento em que o padreco diz durante o casamento: "que fale agora ou que se cale para sempre". Portanto, quem não está contente com a sua situação laboral, quem é pisado, expoliado, coisado e mal pago e ainda assim prefere ir comer um "chu-pa-bao" com o cabrãozão do chefe e os hipócritas dos colegas, é porque é rabo e gosta; é corno e orgulha-se; quanto mais me bates, mais gusto de ti; ai Júlio com força não que ainda sou virgem. Entenderam onde quero chegar. Quem tiver alguma coisa para dizer, para protestar, um vidro para partir, uma Wall Street qualquer para ocupar, este é o dia destinado ao efeito. O patronato, esse, se quiser ser bonzinho com a malta, pode sê-lo durante o ano inteiro, e assim não precisa de se preocupar com as manifestações do 1 de Maio, ou como referiram em epígrafe no ano de 2007, em vésperas daquela célebre "manif" que acabou em tiroteio, "actividades pouco saudáveis".
Quem, como eu, não tem muitas razões de queixa mas também acha uma parvoíce ir encontrar os bufos dos colegas num dia feriado e prefere ficar em casa de papo para ar, melhor ainda. Assim evito uns encontrões com os palermas dos turistas da China, que não sabem o que é uma manifestação ou uma greve, ou com o restante rebanho que aproveita o dia para fazer compras, alheio ao facto que para eles é feriado, enquanto que os tipos que estão nas lojas a satisfazer os seus caprichos tiveram menos sorte. Este ano a Macau Youth Dynamics vai levar às ruas esta questão do congestionamento das vias públicas nos feriados, e eu vou ficar em casa a fazer força por eles. Sonharei com um mundo melhor, prometo.
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