sábado, 1 de março de 2014

Os sons dos 80: Lionel Richie


Lionel Richie: só aquele olhar chegava para despir as miúdas.

Lionel Richie é o maior paradigma dos anos 80. Foi membro dos Commodores, um dos grupos mais emblemáticos da Motown, a fábrica de vozes da R&B e da "soul" norte-americana, partiu em 1982 para uma carreira a solo, facturou que se fartou nos anos 80, e eclipsou-se nos anos 90, vivendo desde então uma reforma dourada. Nascido no estado do Alabama em 1949, foi também aí que Richie fundou com Walter Orange e William King os Commodores, corria o ano de 1968. O grupo chamou a atenção em 1972 após uma digressão como banda de suporte dos Jackson 5 (e foi aí que Lionel Richie e Michael Jackson se conheceram), e em 1974 gravaram o primeiro álbum. Richie era o letrista, pianista, saxofonista e vocalista da banda, um homem dos sete instrumentos e ainda por cima um romântico, que em 1978 escreveu o tema "Three Times a Lady". Pois, pois, grande malandreco. Imagino onde é que aquele bigodinho andou, e deve ter sido mais de "three times". Em 1982 mandou os outros Commodores à fava, como quem diz "não trabalho para chulos", ou "sou um superstar" - e era mesmo, o magano.


Ainda nos Commodores, mas já com o "bichinho" de uma carreira a solo no corpo, grava em 1981 este "Endless Love", um dueto com Diana Ross para a banda sonora do filme com o mesmo nome. O single foi nº 8 no Reino Unido mas nº 1 chapado a Billboard, que considerou este "o melhor dueto de todos os tempos". Hmmm...depende...se depois acabar em queca, talvez seja verdade. Foi ainda nomeado para os oscares nesse ano, onde perdeu para "Arthur's Theme" de Christopher Cross - houve marosca, diz quem sabe. A canção lavou e durou durante anos, foi gravada por Kenny Rogers, em novo dueto por Luther Vandross e Mariah Carey, e há dois anos Richie trocou Diana Ross (pudera, a senhora vai fazer setenta anos no próximo mês) por Shania Twain. Richie pode fazer o que quiser com "Endless Love", pois afinal a canção foi escrita e composta por ele próprio. Não admira portanto que com tamanho talento, batesse a porta e saísse dos Commodores.


Se dúvidas existiam sobre a competência de Richie para levar a bom porto uma carreira a solo, essas ficariam dissipadas com o seu álbum de estreia "Lionel Richie" (quem é esse???), que foi número 1 da Billboard, assim como o primeiro single, "Truly". Dobradinha para Richie logo à primeira tentativa. Num tempo em que as pessoas compravam uns discos redondos de vinil preto que tocavam num gira-discos a 45 rotações, valia a pena fazer "singles", e logo após o LP de estreia, Lionel Richie lançou mais quatro, só no ano de 1983. Um deles foi "All Night Long (All Night)", que como não podia deixar de ser foi nº 1 na Billboard, e deixou os ingleses quase sem argumentos, chegando a nº 2 no Reino Unido. Portanto, "Three Times a Lady"..."Endless Love"..."All Night Long"...ou muito me engano ou este Lionel Richie, que a julgar pela lábia era parente afastado de Don Juan de Marco, descobriu o Viagra anos antes deste ser produzido pela indústria farmacêtica. Meus amigos, tranquem as vossas filhas no quarto e dêem um duche de água fria à esposa: vem aí o Lionel Richie.


"All Night Long (All Night)" seria incluído no segundo album do insaciável Richie, intitulado "Can't Slow Down" - "não consigo abrandar". Estão a ver? O gajo limpa tudo: a mulher, a sogra, a empregada e o piriquito, se ainda der tempo. Mais sério o caso se tornava em Fevereiro de 1984, quando sai o single "Hello", que relegou "All Night Long" para segundo plano. Richie não poupava nem as ceguinhas, e neste tema conta uma história de amor (é amor é...o que tu queres sei eu bem) entre um professor de arte e uma aluna cega. "Hello" foi nº 1 no Reino Unido, e conseguiu um feito inédito na Billboard, onde chegou ao topo do Hot-100, do Adult Contemporary e do Black Singles. Primeiro lugar ainda na Austrália e na Suíça, nº 2 da Alemanha, e top-10 em vários outros países, com excepção da França, onde não passou do nº 25. Os franceses não terão gostado do facto do tema não ser acompanhado de acordeão e interpretado por Jerry Lewis: "Heloooooo....nice ladyyyyy..."


O segundo registo de Richie deixou as mulheres sem fôlego e os homens com inveja do bigodinho e do cabelo frisado com gel dando aquele efeito molhado, os fatos brancos, creme e cinzentos, uma elegância acima de qualquer suspeita, o ar sério de quem engravida vinte virgens no mesmo dia e consegue ser um pai expepcional para os bebés todos. Em meados da década de 80, era o cantor negro mais vendido do mundo, ao lado de Michael Jackson (os cantores mais vendidos ponto final, esqueçam o "negros", que é só um detalhe). Assim não surpreende que fosse convidado para escrever ao lado do autor de "Thriller" o tema para o projecto USA for Africa, "We Are the World". O single que produzido por Quincy Jones e Michael Ortmann, gravado em Janeiro de 1985 e lançado em Março nas lojas, pretendia reunir donativos para as vítimas da grande fome na Etiópia, que vitimou centenas de milhares de pessoas em 1982/83. Lionel Richie abre as hostilidades: "There comes a time...when you hear a certain call...(com Stevie Wonder) and the world...most come, together as one". Isto só pode ser obra de Richie; "chegou a hora de ouvir a chamada [a voz dele], e o mundo deve vir-se todo junto" - tradução literária, que prova que Richie usou esta acção humanitária para convencer todos os que ainda não estavam convencidos que ele conseguia fazer qualquer um "vir-se". Vinte milhões de patinhos cairam no truque, o que dava pelo menos uma refeição de bife da vazia e outra de faisão assado para cada etíope, mas à área afectada pela fome não chegaria sequer um grão de arroz.


Depois de ter vendido milhões de discos a descrever a forma como satisfez três vezes as senhoras ("Three Times a Lady"), de como aguentava a noite inteira ("All Night Long"), sem abrandar ("Can't Slow Down"), e através de amor que nunca mais acaba ("Endless Love") fez o mundo inteiro vir-se em conjunto ("and the world must come together as one"), Lionel Richie ainda não estava satisfeito: faltava-lhe um Oscar. Se calhar preferia uma Oscarina, mas uma estatueta da Academia é sempre qualquer coisa que se pode mostrar a uma tipa que se convida a subir até lá a casa para beber um copo, convencendo-a que se é um "artista a sério", ao mesmo tempo que se adianta serviço no departamento da lubrificação. Assim "Say You, Say Me", da banda sonora original do filme "Hite Nights", ganha a distinção para Melhor Canção Original, batendo na corrida "Separate Lives", de Phil Collins e Marylin Matlin, do mesmo filme, e "The Power of Love", de Huey Lewis, para o filme "Back to the Future". Nem constituíu uma surpresa por aí além, pois já antes a canção tinha sido contemplada com o Globo de Ouro. Como single, "Say you, Say me" foi nº 1 da Billboard. Lógico.


Em 1986 sai aquele que seria até ao momento o seu último álbum mundialmente aclamado: "Dancing in the Ceiling". O disco era para ser baptizado de "Say You, Say Me", o tema que lhe valeu o Oscar e até vem incluído neste novo trabalho que contém mais sete temas originais. O single que dá o nome ao disco, "Dancing in the Ceiling", chega a nº 2 da Billboard - Deus sabe o que quer o engatatão do Richie dizer com isto de "dançar no tecto". Para ele vale tudo: no chão, pelas paredes, no tecto, qualquer coisa, e desta vez nem as bailarinas escapam: "Ballerina Girl", o terceiro single deste novo guia erótico do ex-cantor dos Commodores, chega a nº 7 da Billboard. Outra faixa que também viu a luz do dia como single foi "Se La", e o LP passa três semanas no primeiro lugar da Billboard entre Setembro e Outubro de 1986, destronando "True Blue", de Madonna, antes de ser superado por "Fore!", de Huey Lewis. Vendeu dez milhões de cópias e foi o álbum do ano nos Estados Unidos.


Quase trinta anos depois de cair no esquecimento, o Lionel ainda é um senhor charmoso.

Depois de dominar o mercado discográfico nos anos 80, onde foi um dos artistas mais vendidos, Lionel Richie teve dificuldades em se impôr na década seguinte, e o seu canto do cisne (este tipo é tudo menos "cisne" ou qualquer outro "patinho") terá sido em 1992 com a compilação "Back to Front", que entrou directamente para nº 1 no Reino Unido. Seguiram-se três trabalhos de originais: "Louder than Words" (1996), "Time" (1998) e "Renaissance" (2000), que todos juntos não chegaram a vender 100 mil cópias! Chegava para pagar as contas da água e da luz, mas pouco mais, e o mundo parecia ter-se esquecido de Lionel Richie, que no fundo continuava a ser o mesmo, com a mesma voz, e a cantar o mesmo tipo de canções que incluíam receitas de como saltar para a cueca. Se calhar os tempos são outros, e as tácticas també. Actualmente com 64 anos, Richie continua a ter este óptimo aspecto que a imagem em cima documenta, e é mais conhecido pela malta mais nova como "o pai adoptivo de Nicole Richie".

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