sábado, 15 de fevereiro de 2014
Provedor do leitor
Há algum tempo que não fazia um Provedor do Leitor (mais precisamente desde 8 de Junho passado), mas é bom sinal quando o faço, pois significa que há quem discorde de alguma ideia, pensamento ou ponto de vista expresso por mim no blogue. É o caso do leitor Alexsandro Almeida, que deixou no "post" Os pecados de Woody Allen, de 3 de Fevereiro, o seguinte comentário:
Interessante como o autor deste texto tentar desacreditar a filha denunciante de Woody Allen, de como se apropria de fatos isolados para tentar julgá-la, dizendo que deveria ter falado quando ainda era uma criança e que agora que cresceu deve se calar... Argumentos fabulosos!
Em primeiro lugar obrigado ao Alexsandro pelo seu comentário, e do qual consigo depreender a razão da sua indignação. De facto é complicado analisar o caso do Woody Allen e da sua relação com a (ex)família friamente, sem que o julgamento fique turvado pela opinião pessoal que temos do envolvido. A propósito deste tema li alguns comentários "a quente", do tipo "vê-se logo que o velho é pedófilo", até "é incrível que ela tenha casado com a própria filha". Ninguém é obrigado a gostar de Woody Allen, e ainda estou para entender o que isso de "cara de pedófilo", que alguns acusam o realizador de ter, enquanto que essa acusação de "casar com a filha" é pura e simplesmente falsa. Sun-Yi Previn não é nem nunca foi filha de Woody Allen, nem adoptiva, pois foi adoptada por Mia Farrow e o seu anterior companheiro, nem por afinidade, uma vez que Allen e Farrow nunca casaram. Deixei patente no texto que a conduta de Woody Allen é reprovável aos olhos da maioria de nós, não apenas pela diferença de idade como pelo facto de ambos coabitarem no contexto de uma família, apesar dos únicos laços familiares que alguma vez os uniram serem o de marido e mulher, que se mantêm actualmente. Ambos afirmaram na altura que a sua relação amorosa apenas se consumou quando Sun-Yi tinha 19 anos, e passados mais de 20 anos da ocorrência dos factos, não mudaram uma vírgula às alegações iniciais. Portanto não houve crime, por muito reprovável que isto nos possa parecer em termos de moral.
Mas o que eu considero "imoral" pode parecer "inocente" para outros, e vice-versa. Dou-vos um exemplo de uma situação de que tive a oportunidade de ser testemunha privilegiada. Dois colegas meus, se bem que de outros departamentos, envolveram-se romanticamente, sendo que ambos eram casados com outras pessoas. Temos adultério à cabeça, para começar - "normal" para uns, "trágico" para outros. Posto isto, resolvem ambos divorciar-se dos respectivos cônjuges, e contrair segundas núpcias, um com o outro. Tudo normal, se atendermos ao facto que não houve derramamento de sangue, e nem existiam filhos dos primeiros casamentos. Então e o que tem isto de mal? Nada, dirão uns, quem sabe a maioria. Tudo, diriam outros, talvez menos, mas isto depende da capacidade de cada um de aceitar que o seu cônjuge chegue um dia a casa e diga que lhe anda a enfeitar a testa com um colega, e que acabou de descobrir que não pode viver com ele, portanto "thcau". Depende ainda do que os responsáveis do próprio serviço pensam, e se este tipo de comportamento se insere nas competências dos ditos funcionários, e se situações desta natureza são toleradas - e já agora, quais são os limites? Eu próprio garanto que se isto tivesse acontecido com a minha mulher, ia pedir satisfações a quem de direito - se aquilo é um local de trabalho ou um ponto de engate. É que se alguém acha isto "normal", então a instituição do casamento, que é suposto ser uma coisa séria e no sei quê, bem pode ser enrolada, cortada às tirinhas e pendurada na casa-de-banho. Portanto como podem ver, isto da "moral" é como o intestino grosso: dá para esticar, esticar e esticar conforme as conveniências, e quando rebenta enche tudo de...bem, estão a ver onde quero chegar.
Mas falemos então de Dylan Farrow, que acusa o pai adoptivo (aqui sim, a jovem é filha adoptiva de Woody Allen e Mia Farrow) de a ter abusado quando tinha sete anos. Diz o leitor Alexsandro que eu digo a certo ponto que a alegada vítima "se devia calar". Isto presume o meu amigo, uma vez que em parte nenhuma afirmo que a Dylan Farrow se devia calar; questiono apenas o "timing" e a veracidade das suas afirmações, e para tal socorro-me de tudo o que sabemos deste caso: os factos, que ficaram provados em tribunal, portanto em sede própria. Tanto eu como o Alexsandro não temos conhecimento do dia-a-dia na casa daquela família, e durante o julgamento da custódia das crianças Mia Farrow acusou Woody Allen destes factos de que Dylan agora o (re)acusa. Perante perícia médica nada ficou provado, Woody Allen foi ilibado deste crime, e na altura Dylan não se pronunciou "porque tinha sete anos", mas fá-lo agora que tem 27. Não teria discernimento para racionalizar o que lhe tinha acontecido quando tinha 18? Ou 20, ou 25? Sabia que era problemática, mas desconhecia que fosse tão retardada. A altura que escolheu foi agora, que o pai adoptivo recebeu um prémio em reconhecimento pela sua carreira, e foi nomeado para mais um Oscar. Será que o Alexsandro leu a carta que a ofendida escreveu? Começa por perguntar "qual é o vosso filme favorito de Woody Allen?", segue-se a descrição dos abusos de que alegadamente foi vítima, e termina perguntando mais uma vez "e agora, qual é o vosso filme favorito de Woody Allen?" Para mim, outro que não este, certamente, de guião tão falacioso. O que têm os filmes de Woody Allen a ver com os abusos, ou se o cineasta os cometeu ou não? Não digo que esteja a mentir, mas pelo menos reservo-me ao direito de questionar as suas verdadeiras motivações.
Coloque-se o leitor Alexsandro no lugar do próprio Woody Allen. Aliás, não precisa, se não simpatizar com o senhor. Imagine antes que é acusado há alguns anos de um crime hediondo que lhe causa grande transtorno emocional e com prejuízo para a sua imagem, e eventualmente para a sua carreira. É ilibado, prossegue a sua vida, e subitamente vem alguém que na altura se calou, e acrescenta algo que pode custar o veredicto de "inocente" produzido pelos factos, perícias e todo o resto, ou pelo menos trazer-lhe complicações na sua vida profissional, que por acaso lhe está a correr às mil maravilhas. Pense no que ia sentir, e que consequências isso lhe poderia trazer. Quer dizer, se isto da justiça funcionasse assim, não seria necessário marcar julgamentos, arrolar testemunhas, recolher e apresentar provas, ou sequer sentenciar. Cada um dizia o que lhe apetecia quando fosse mais conveniente, e que se lixem os factos e a presunção da inocência, e seria um "Deus me livre". E repare que nem se tratam de abusos na forma continuada, que podiam ser evitados com outra decisão judicial: os abusos a que Dylan se refere foram todos cometidos antes de Woody Allen ser julgado por suspeitas da sua prática, e considerado inocente. Podia-lhe simplesmente devolver o comentário que fez no artigo: "...e porque sempre se calou e resolve falar agora?", mas assim seria fácil demais.
Com os melhores cumprimentos,
Leocardo.
talvez porque ao ter passado pelo trauma tao nova (e mesmo se fosse mais velha!) ela nao estivesse em condicoes de prestar declaracoes perante um tribunal. talvez por nao possuir provas a nao ser a sua propria memoria (que muitas vezes ja nos sobrecarrega por si so!). quem sabe. o que se sabe, e' que independentemente de isto ser verdade ou nao, tambem nao devemos assumir que e' uma mentira. nao devemos desprezar o 'atraso' pois o proverbio que afirma que mais vale tarde.. em muitos casos tem razao. por mais genio que allen seja isso nao tem de o definir enquanto boa ou ma pessoa, por mais criativo que ele seja isso nao o iliba da hipotese de ter cometido as atrocidades de que a filha (e filho. e mae..) o acusa. sera uma questao de esperar ate que a verdade venha ao de cima. mas quanto ao timing, posso garantir: qualquer pessoa consideraria a entrega do dito premio ao realizador a gota de agua - fossem veridicos os seus alegados crimes - seria como escolher o actual governo portugues como recipiente de uma medalha de 'equipa altruista do ano'. alguem se manifestaria? mas so agora, porque nao antes? suspeito.. enfim, acho que me consegui fazer entender, o timing e' natural dadas as circunstancias. natural nao e' o dito cujo envolver-se com a filha adoptiva que viu crescer desde nova, mas essa e' so a minha opiniao. desde que so tenha tocado nessa 'filha'..
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