quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Morreu Ronnie Biggs


Morreu ontem aos 84 anos Ronnie Biggs, um dos ladrões mais famosos do século XX. É um pouco injusto chamar Biggs de "ladrão", mas tecnicamente é verdade. Em 1963 este homem que exercia a profissão de carpinteiro no sul de Londres participou no assalto a um comboio que rendeu 2,6 milhões de libras - o que ao câmbio actual é uma fortuna - e ainda por cima tudo aconteceu no dia do seu 34º aniversário.

O assalto foi um sucesso, mas três semanas depois a polícia identificou os 15 autores, e procedeu às respectivas detenções. Nove deles, incluíndo Biggs, foram condenados a penas de 30 ou mais anos de prisão. Um ano e meio depois Biggs evadia-se da prisão de Wadsworth, fugiu de barco para Bruxelas com a sua fatia dos lucros do roubo, 147 mil libras, e depois seguiu para Paris. Na capital francesa submeteu-se a uma cirurgia plástica para alterar a sua aparência e evitar ser reconhecido, e depois de obter uma identidade falsa partiu para a Austrália com a mulher Charmian e os dois filhos.

Passou a residir em Adelaide, mas não por muito tempo; em 1967 recebeu uma carta anónima onde lhe diziam que Interpol sabia da sua localização, e era apenas uma questão de tempo até o encontrarem. Biggs não vacilou e mudou-se para Melbourne, onde exerceu várias profissões sob a capa da sua nova identidade, mas em 1969 foi "descoberto" por uma reportagem da Reuters. Destinado a viver como um fugitivo, Biggs deixou a mulher e os filhos na Austrália a partiu num navio com destino ao Panamá, e mais tarde fixou-se no Brasil.

Na data que chegou ao Brasil, em 1970, não existia um acordo de extradição com o Reino Unido, pelo que Biggs podia respirar um pouco melhor. No ano seguinte o seu filho Nicholas, então com dez anos, perdia a vida num acidente de viação em Melbourne, facto que Biggs só viria a ter conhecimento mais tarde. Em 1974 uma reportagem do Daily Express deu a conhecer a nova localização do fugitivo, e a Scotland Yard mandou ao Rio de Janeiro um detective para o levar de volta a Inglaterra. No entanto a namorada de Biggs, a brasileira Raimunda de Castro, estava grávida, e a lei brasileira proibia a extradição do pai de um cidadão seu. Esta criança que "salvou" o pai da prisão é Michael Biggs, que nos anos 80 viria a fazer parte do grupo musical Turma do Balão Mágico.

Biggs fixou-se definitivamente no Rio de Janeiro, onde abriu uma churrascaria, e tornava-se uma espécie de "embaixador" do Reino Unido. Em 1978 gravava duas canções com os infames Sex Pistols, e aparecia no filme da banda "The Greatest Rock'n'Roll Swindle". Em Abril de 1981 foi raptado por um grupo de ex-soldados britânicos, com a finalidade de o entregar à justiça britânica e receber a respectiva recompense pela sua captura, mas o barco onde seguiam sofreu uma avaria e foi obrigado a aportar nos Barbados. O país caribenho também não tinha acordo de extradição com o Reino Unido, e Biggs era mandado de volta à sua nova casa, no Brasil. Em 1997 o Brasil e o Reino Unido celebraram finalmente acordos de cooperação judicial, e de imediato a justice britânica fez um pedido formal para a extradição de Biggs, mas este viria a ser rejeitado pelo Supremo Tribunal brasileiro.

A estrelinha da sorte apagou-se em 2001, quando Biggs regressou ao Reino Unido, falido e diminuido fisicamente devido a doença, e entregou-se voluntariamente às autoridades. O seu estado de saúde foi-se degradando na prisão, e em 2005 o seu filho Michael - entretanto a residir em Inglaterra para lhe prestar assistência - requereu a sua libertação por "razões humanitárias". Como essa clemência só se aplica no caso de doença terminal, o que não era o seu caso. Depois de sucessivas petições, Biggs foi libertado em 2009, depois de teer sofrido duas tromboses no prisão de Norwich, onde cumpria a pena há muito adiada.

O estado de saúde de Biggs foi melhorando gradualmente, e deu até para lançar em Novembro de 2011 a sua auto-biografia. Mas a sua débil condição física aliada à idade avançada fez com que passasse a maior parte do tempo acamado, e a sua última aparição pública foi em Março deste ano, por altura do funeral de Bruce Reynolds, um dos seus "sócios" no assalto ao expresso de Glasgow de há 50 anos.

A grande aventura do sr. Biggs, contada numa série de cinco episódios transmitida em 2012 pela BBC, acabou ontem, no lar onde residia, em Barnet. Uma vida emocionante, pelo menos a partir da hora em que se tornou foragido da justiça. Duvido que se tenha arrependido um único instante.

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