domingo, 24 de novembro de 2013
Direito à resposta
Enquanto organizava esta tarde a minha blogoteca (inventei esta palavra mesmo agora), navegava pelo arquivo da página electrónica do Hoje Macau e deparei com um comentário ao artigo de 3 de Outubro, Pelo direito à roupa passada. O comentário é datado de 7 de Outubro, e desde já peço desculpa pela demora na resposta, que achei por bem dar aqui, no blogue. O autor do comentário identifica-se apenas por Vasco, o que por mim não faz diferença nenhuma, e podia nem sequer se identificar, e diz o seguinte:
Temos entao, a seu ver, o direito a ser burgueses e a explorar a mao de obra barata que vem das Filipinas e da Indonesia. Ora bem, eu compreendo o ponto que quer focar, e ate concordo em parte com ele, agora, o que nao concordo de todo esta explicito numa simples frase assassina “por uma pequena fraccao dos nossos vencimentos”. Ora, aqui se levantam duas questoes a meu ver, deveras importantes, primeiro, aquilo a que chama uma pequena fraccao do seu vencimento, mas no meu, 3 ou 4 mil patacas ja passa bem daquilo a que chamo uma pequena fraccao. Depois, claro esta, como e que alguem vive em Macau com essa quantia? Denoto claramente um desfazamento da realidade, as colonias ja acabaram, foram entregues a quem de direito. A vida em Macau esta cara, para todos, e nesses todos incluo aqueles a quem se refere neste texto como mao de obra barata. Tem familias, casa, uma vida inteira, como voce tem. Um pouco de decencia nao lhe ficaria mal. “nao temos que nos sujeitar a ir buscar os nossos filhos a escola” Fale por si, eu considero isso um prazer para qualquer pai que se preze. Pondo isto, se calhar era melhor pensar um bocado antes de comecar a debitar asneirada numa coluna que ate tinha tudo para ser interessante. Facilitar a contratacao de estrangeiros, concordo plenamente e assino por baixo, mas nunca pelas razoes que o sr. escreveu. numa palavra: Ridiculo.
Em primeiro lugar obrigado pelo comentário, aprecio sobretudo o tom tão diplomático, Deus lhe dê o dobro daquilo que me deseja e espero que este Natal alguém lhe ofereça um teclado com acentos.
Feitas as introduções, vamos ao que interessa. Ainda bem que compreende o ponto que quero focar, pois cheguei a pensar que tinha escrito o texto em grego, e fico feliz que concorda "em parte". Só não sei em que parte, pois no essencial parece não só discordar por completo como pelo seu tom afectado dá a entender que o estou a ofender a si e aos seus.
A questão da "pequena fracção dos rendimentos" é relativa, sem dúvida. As tais três ou quatro mil patacas de que falo podem ser apenas uma fracção para algumas pessoas, e podem ser metade do vencimento, ou mais, para outros. Mas no caso de um agregado familiar cujo rendimento total do casal é de 40 ou 50 mil patacas, o que não é assim tão raro, 4 mil patacas serão menos de 10% desse rendimento, e portanto, uma fracção. Façamos 1/10, se quiser. Talvez eu tivesse deixado esse ponto mais claro, mas aí estaria a desviar-me do essencial. É claro que há pessoas que podem ter empregada, e outras não. O artigo é sobre o facto de se poder ter e querer ter empregada, e serem colocados obstáculos a essa pretensão.
Sim, a vida em Macau está mais cara, todos sabemos disso, e é difícil viver apenas com 3 ou 4 mil patacas por mês, como é o caso das empregadas domésticas, mas agora vou-lhe dizer uma coisa que se calhar o Vasco não sabia: ninguém as obrigou a vir! Parem as rotativas. Apesar de isto ser muito pouco, e talvez seja o montante que eu o meu amigo gastamos em coisas triviais, como saídas à noite ou jantares fora, estas pessoas sujeitam-se a trabalhar por esse preço, deixam o seu país, as suas famílias, e em Macau vivem em apartamentos que partilham com 8 ou 10 pessoas ou dormem na casa dos patrões, reduzem ao mínimo as despesas com alimentação ou vestuário, tudo para poder mandar dinheiro para casa. Não me venha dizer que isto já não é uma colónia, porque eu já sabia, mas mesmo tendo sido entregue "a quem de direito" (fica-lhe a matar, essa graxa aos mandarins) as regras continuam a ser as mesmas para os trabalhadores não-residentes, com a agravante de o salário ser praticamente o mesmo e estar tudo muito mais caro. Parece-me que aqui o desfazado é o Vasco.
Não me considero "burguês" por ter a alguém para me passar a roupa a ferro ou limpar-me a casa; faço-o porque quero, porque posso, e para tal estou disposto a pagar o preço estipulado pelo mercado e cumprir todos os trâmites legais. Posso contudo discordar de algumas exigências que considero descabidas, como estas que refiro no artigo. Acho muito bem que "tenha prazer" em ir buscar o seu filho à escola, mas antes de lhe entregar o prémio para pai do ano, permita-me a seguinte questão: se o Vasco e a sra. Vasco ambos trabalharem até às 18:30, mas o infantário onde estuda o pequeno Vasquinho exigir que o venham buscar até às 18:00, faz o quê? Despede-se? Isso ia-lhe custar muito mais do que três ou quatro mil patacas, suponho. Não se admire depois se o pequenote lhe disser no Natal: "ó pai gosto muito quando me vens buscar, mas gostava mais de uma bicicleta".
Por muito que nos desagrade, como gente de bem, que os trabalhadores não-residentes sejam explorados pelas agências, mal-tratados pelos empregadores e ainda por cima mal pagos, é a isto que se sujeitam. Tal como você (pelo menos penso que tem boas intenções) gostaria que não fosse assim, mas estas são as condições do estatuto de não-residente. Sendo não-residente, não se pode esperar ter os mesmos direitos dos residentes. O "blue card" implica que se venha para Macau trabalhar, e não aspirar a uma qualidade de vida igual a quem detém cidadania plena. Repito: não quer dizer com isso que eu concorde que se tratem as pessoas como objectos ou utilitários, mas as coisas são o que são.
Não comento os "mimos" com que me presenteia, como as "asneiras" ou o "ridículo", mas fico sem saber em que circunstâncias concorda com a facilitação da contratação daquilo que chama de "estrangeiros" (penso que queria dizer 'mão-de-obra não-residente', porque estrangeiro também eu sou). Médicos? Engenheiros Civis? Físicos nucleares? Explicadores de português que façam o Vasco entender do que quis eu tratar naquele artigo? Fica por explicar.
Sem mais, com os melhores cumprimentos,
Leocardo
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