sábado, 28 de setembro de 2013

A última vez que vi Portugal


Mais uma semana que termina, e mais uma que está prestes a começar, mas com o aliciante de termos feriado na terça e na quarta (pelo menos os mais felizardos). Cumprindo a sua faceta de service público, o Bairro do Oriente deixa-vos com o artigo da última quinta-feira do Hoje Macau, para quem não teve oportunidade de ler, para quem se "esqueceu" deste vosso mais que tudo esta semana, ou para quem é demasiado somítico para gastar dez patacas no jornal, e o "cromo" do café estava agarrado à edição "da casa", como se tivesse sido ele a comprar. Continuação de um óptimo fim-de-semana, e para quem está em Portugal, não se esqueça de ir votar amanhã.

Estamos em finais de Setembro, a “temporada” 2013/2014 está no início, mas para muitos é já uma realidade factual. As últimas férias passaram num ápice, e as próximas parecem uma realidade distante, e mesmo os “resistentes”, que as guardaram para Setembro, vai caindo como tordos, rendidos ao “chumbo” da realidade do trabalho e das aulas. Para a comunidade portuguesa em Macau, ir a Portugal durante os meses do Verão é um deleite, uma oportunidade de rever família e amigos, matar essas malditas saudades, e renovar a sua lusitanidade, o seu sentimento de pertença a uma nação pobrezinha mas orgulhosa, com uma História que causa inveja americanos, canadianos e outros “noveau riche”. Ir a Portugal é cansativo, pois a juntar às 14 ou 15 horas de viagem, incluindo a escala, há ainda a espera no aeroporto de uma cidade europeia qualquer, já com aquele “bichinho” que nos faz sentir que Portugal está mais perto a mexer. É com satisfação que ficámos a saber que a TAP está a estudar a possibilidade de realizar voos directos de Lisboa a Macau, mas para encurtar mesmo a distância, o ideal era recortar do mapa aqueles países esquisitos que nos separam e colar Macau mais perto do país do nosso coração.

Ir a Portugal sai caro, e o custo dos bilhetes de avião acaba por ser um mal menor, comparado com despesa que se faz durante os dias que lá estamos. Ninguém vai até tão longe para depois ficar em casa, e fazendo as contas ao que se gasta em passeios, jantaradas, fins-de-semana no Algarve, dois ou três dias na Madeira, hotéis, pousadas, mimos para os miúdos, copos com os amigos e tudo mais, acabamos por pensar que andamos três ou quatro meses a “trabalhar para o boneco” em Macau. Visto de fora, desta distância e deste fuso horário, em Portugal está tudo bem, e a crise é apenas residual, exacerbada pelos telejornais e restante imprensa. Os hipermercados estão sempre a abarrotar de gente possuída de uma febre consumista, os ingressos para os concertos de Verão esgotam em poucas horas, e é impossível arranjar mesa numa marisqueira em Sesimbra a partir das sete da tarde. O país está sempre em festa, e até parece que fizeram o melhor para nos receber bem, como quem nos convida a juntar-se ao arraial.

Recorrendo a uma analogia romântica, Macau está para Portugal como uma esposa fiel e dedicada está para uma amante exigente e estouvada. Em Macau fazemos as compras para a semana no supermercado, em Portugal perdemos a cabeça nas grandes superfícies, compramos o que não precisamos e no fim ainda precisamos de deitar qualquer coisa fora. Cada vez que voltamos de Portugal levamos connosco o triplo da bagagem que levámos de Macau, como quem evita levar consigo qualquer vestígio da mulher quando se encontra com a amante, mas volta depois a casa com o perfume da outra. Quando comemos em Macau uma sensaborona lagosta criada num insonso aquário, suspiramos pelos “bichos” que saltitam na nossa costa e acabam na marisqueira onde nos deliciamos com o seu sabor a mar. Andamos onze meses a economizar em Macau para depois “estoirar” o pé-de-meia em Portugal, mas na consciência temos aquela vozinha que nos lembra de onde veio aquele dinheiro que andamos a gastar sem pensar.

Vou a Portugal em cada dois ou três anos, e às vezes nem isso. Quando cheguei a Macau pela primeira vez fiquei cinco anos sem lá voltar, e mesmo quando vou sinto que é mais para fazer uma reciclagem do que com um propósito útil. Claro que não fico indiferente às diferenças para melhor, afinal sou apenas humano. Das últimas vezes recordo-me especialmente de um “buffet” de comida alentejana num restaurante à beira da estrada ali para os lados de Azeitão, que na sua simplicidade metia no bolso qualquer um daqueles hotéis de luxo em Macau, sem alma e com comida a metro, onde os turistas do continente se atiram à travessa das ostras como se não houvesse amanhã, e se usa a mesma espátula com que se corta o tiramisú para cortar o pudim flan. Lembro-me de um restaurante junto do Castelo de S. Jorge, em Lisboa, onde o empregado nos recomendou um prato de peixe em detrimento de outro, que “não estava tão fresco”. Em Macau traziam-me o que eu pedisse e estavam-se nas tintas para a frescura. Cada vez que entro numa livraria ou numa loja de discos em Portugal sinto-me como uma criança gulosa numa fábrica de chocolates. E o que dizer do clima? Sequinho, dias quentes e noites frescas, nem uma nuvem no céu, contrastando com a chuva e o calor acompanhado da humidade que são o pão nosso de cada dia do Verão das monções, onde se inclui Macau. O mais parecido que temos aqui com o azul impecável do céu é o tecto do Venetian.

Os cinco anos que passei sem voltar às origens após a minha vinda para Macau foram de uma utilidade extrema. Serviram para me soltar das correntes da saudade, foram o curso, a pós-graduação e o estágio que fizeram de mim um português de Macau, e não um português em Macau. Se há coisa que nunca quis ser foi um emigrante, imagem que associo a alguém derrotado, que vira as costas a todos e a tudo quanto ama, e parte contrariado rumo ao desconhecido, de mala de cartão numa mão e passaporte na outra. É uma maravilha ir a Portugal de férias, sem dúvida, especialmente quando tantos portugueses já se esqueceram do significado da palavra “férias”. O que gastamos pelo simples facto de termos vindo de Macau é o equivalente aos que os mais bafejados pela sorte gastam ao passar as férias na República Dominicana e nas Seychelles. Para quem sabe a razão porque está em Macau a trabalhar, e onde os seus filhos vão à escola, em vez de estar a usufruir daquele país fantástico de onde volta sempre a dizer maravilhas, sabe que tudo não passa de uma fantasia. A amante pode ser mais jovem, bela e divertida, mas é a esposa que sabe como ninguém de como gostamos do café, que nos deixa a roupa passada, que nos aconchega quando temos frio, que nos atura as birras. Macau é a realidade, Portugal é um sonho lindo, mas distante.


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