quinta-feira, 16 de maio de 2013
O mexilhão filipino (é que se lixa)
O caldo está definitivamente entornado entre Taiwan e as Filipinas. A morte de um pescador taiwanês a semana passada, provocada pelo disparo da polícia marítima filipina, originou uma crise diplomática grave entre Taipé e Manila, e uma mobilização da população da ilha nacionalista contra os filipinos em geral. O governo de Taiwan suspendeu a contratação de trabalhadores filipinos e ameaça com outras sanções caso não receba um pedido de desculpas sincero, que o responsável seja punido e que a família da vítima seja indemnizada. Terá sido um uso excessivo da força por parte das autoridades filipinas contra um barco de pesca estrangeiro que entrou ilegalmente nas suas águas, mas no fim quem paga é o mexilhão. Os coitados dos filipinos que fazem pela vida em Taiwan não têm a culpa do infeliz incidente, e arriscam agora a tornar-se bodes expiatórios.
Os filipinos têm o azar de ter nascido num país que se insere na definição de “República das Bananas”, e mesmo que emigrem e mandem tudo à fava não se livram da má fama. Uma economia falida, pobreza declarada, governantes incompetentes, uma corrupção endémica que se extende desde funcionários públicos às próprias autoridades e corroi o tecido social, eis as Filipinas. Os problemas são tão antigos e tão graves que não parece existir uma saída. A única saída que os pobres filipinos encontrem é ir procurar a sorte noutras paragens, emigrando em massa de modo a poder aliviar a pobreza em que as suas famílias estão mergulhadas. O dinheiro enviado pelos filipinos além-mar é provavelmente a maior fonte de rendimentos do país. E mesmo assim há lá quem meta a pata na poça, com consequências para os que contribuem com divisas estrangeiras que ajudam a aliviar o sofrimento. Muitos filipinos terão vontade de mudar de nacionalidade, cansados do chorrilho de asneiras, umas atrás das outras.
Muitos certamente se recordam do sequestro do autocarro de turistas de Hong Kong em Agosto de 2010, em Manila, que resultou na morte de sete cidadãos da RAE vizinha. O caso foi demonstrativo da incompetência da polícia filipina, que actuou mal e a más horas, e pouco fez para evitar a tragédia. O caso levou a que muitos potenciais turistas de Macau e Hong Kong reagissem a quente, evitando o país como destino de férias, mas que foi sol de pouca dura. As Filipinas são um destino apetecível, um pequeno paraíso na Terra, e o facto de ser barato torna-o ainda mais apetecível aos visitantes da região. É bom, bonito e barato, e se pensarmos que o que aconteceu aos tais turistas de Hong Kong há quase três anos pode acontecer em qualquer parte, o incidente passa a constituir um caso isolado.
Sempre que visito as Filipinas volto com boas recordações e histórias para contar, normalmente divertidas. Apesar da carga negativa que a pobreza daquele povo acarreta, agravada pela corrupção e por uma certa insegurança, é um país adorável. Gente feliz apesar de tudo, musical e de sangue quente, irradiando simpatia. Paisagens lindas de morrer, praias de areia branca e águas límpidas, ilhas paradisíacas, fauna e flora riquíssimas, com mil e um motivos de interesse. Nem visitando as Filipinas cem vezes se ficam a conhecer toda a sua beleza. A gastronomia é riquíssima (se bem que existe um certo preconceito de que os filipinos são sujos e portanto a comida é uma merda), onde podemos encontrar algumas semelhanças com a comida portuguesa. O câmbio é convidativo e os preços bastante baixos. Não me aborrece de todo quando os hotéis ou resorts “inventam” um motivo para me extorquir mais cem patacas por dia. Se isso os faz felizes e a mim não me faz diferença, porque não?
É complicado procurar entender o que leva um país tão lindo e repleto de recursos a que se mantenha mergulhado no atraso e na pobreza. Será uma questão cultural, talvez, um reflexo da via democrática pela qual optaram e que falhou. Como se explica que a família do ex-ditador Ferdinando Marcos, um cleptocrata desprezível que acumulou uma riqueza incalculável enquanto o povo passava necessidades, seja consecutivamente eleita para os governos provinciais e para o senado? Era o mesmo se os portugueses, gozando agora de plena liberdade em democracia votassem nos filhos do Salazar, se os houvessem. Porque está aquele figurão que é Imelda Marcos, de que se contam histórias arrepiantes, a concorrer a cargos públicos em vez de apodrecer na prisão?
A dificuldade que os filipinos encontram em concretizar a sua independência e autonomia que o seu fundador e herói nacional José Rizal idealizou pode-se explicar pela própria natureza. Existe uma teoria antropológica que defende a inércia dos povos originários dos países quentes, que encaram a vida de uma forma mais relaxada que os povos dos países do norte, mais pragmáticos e empreendedores. Nunca me vou esquecer das palavras de um velho filipino que conheci em 1998, durante uns dias que passei numa pequena aldeia da província de Bulacan. Quando Marcos chegou ao poder, um dólar americano valia dois pesos filipinos, e naquele tempo, contou-me o ancião, “a vida era boa…todos os dias saíamos para dançar”. É a eterna lição da fábula da cigarra e da formiga. O que fizeram os filipinos quando os ventos lhes eram favoráveis a construir uma nação rica, poderosa e respeitada? Foram dançar. E a dançar continuam hoje, ao som da triste sinfonia dos seus males.
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