terça-feira, 14 de maio de 2013

Com a casa às costas


O meu simpático senhorio comunicou-me há alguns dias que vai retomar a moradia em Setembro, e por isso devo procurar onde lugar onde enfiar os tarecos. Fiquei contente com a forma antecipada com que me transmitiu a notícia, que me permite usar os dois meses de depósito e começar apenas a preocupar-me com a mudança lá para meados de Julho. Nem preciso de me “preocupar” realmente, pois as tralhas empacotam-se numa hora e a mudança faz-se numa manhã. O grosso das minhas posses encontra-se ainda na minha moradia de família, e tirando a roupa, alguns livros e CD’s, a TV, o microondas e o PC de onde escrevo estas linhas nada mais me pertence neste pequeno mas cómodo T1 onde vivo vai para dois anos.

Como vivo sozinho e não faço questão de juntar os trapinhos ou dividir a renda com ninguém, contento-me com pouco. Ainda é possível encontrar um apartamento com quarto único ou um pequeno T2 por menos de 5000 patacas mensais, e a margem de tempo que me foi dada, a juntar a alguns conhecimentos no ramo do imobiliário deixam-me estupidamente tranquilo. A minha única exigência é que a próxima morada seja situada nesta zona que me serviu de exílio, mas pela qual me apaixonei, perto do Jardim Camões. Viver na parte velha da cidade, rodeado de prédios que não vão além dos cinco andares e pelo comércio tradicional, com o Porto Interior mesmo à mão de semar, é o que preciso neste momento. Chega a ser mesmo inspirador.

É desagradável andar com a casa às costas e ficar sujeito ao aumento irregular das rendas, mas tenho menos razões de queixa que a maioria dos que se insurgem contra esta praga que é a especulação imobiliária, que levou a que qualquer buraco a cair de podre custe dois milhões de patacas. A minha situação não se pode comparar de modo algum com o drama de famílas inteiras que mudam de casa todos os anos, levando consigo as arcas frigoríficas, os móveis de pau-rosa, os brinquedos dos putos,o conjunto de loiças e panelas, os enxováis e o diabo a sete, e sempre com o senão de precisar de mudar para um espaço mais barato ou periférico, com sacrifício da qualidade de vida. Desculpem-me o egoísmo, mas esta é uma daquelas coisas em que a desgraça dos outros me faz sentir um pouco melhor.

Antes de adquirir habitação própria há dez anos, cheguei a arrendar, o que na altura não era nem de longe nem de perto o drama que é hoje. Em 1995 aluguei um T2 na Rua Coelho do Amaral por 2200 patacas, e no ano seguinte mudei-me para o Sun Yick, um dos condomínios mais “inn” daqueles tempos, na Areia Preta, e pagava 3000. E mesmo assim achava caro. Actualmente por 3000 só é possível encontrar um estúdio sem cozinha e com casa-de-banho comum ao fundo do corredor, e sem uma única fresta por onde entre um raio de sol. Alguns arrendatários mais exigentes não abdicam de alguns confortos a que estão irremediavelmente habituados, e sujeitam-se a pagar uma boa parte do seu vencimento por uma renda, tantas vezes por uma habitação que muito mais do que realmente necessitam. São estes a quem esta loucura dá mais dores de cabeça.

Há quem não se importe de pagar o que for preciso por um tecto para morar, sujeitando-se mesmo aos atropelos à lei cometidos por agentes imobiliários e proprietários em geral. É escusado relembrar que a lei prevê contratos de dois anos quando nos põem à frente um contrato de um ano, com a intenção de aumentar a renda na altura da renovação. Para estes “tubarões” do imobiliário a lei só é lei quando lhes serve, e quando não lhes dá jeito “está mal feita”, ou simplesmente não serve e pode ser contornada. O Governo está consciente de todos estes problemas e da insatisfação geral que isto provoca, mas sente-se impotente, receoso de se intrometer nos interesses envolvidos. Do que serviria estabelecer um tecto para os valores do arrendamento, se depois basta apenas pagar mais e passar um recibo onde se diz que se pagou menos? Reina a política do “pegar ou largar”, e quem refila arrisca-se a ir morar debaixo da ponte (nota: em Macau nem isso é possível). Fiscalização? Coimas? Medidas dissuasoras da especulação? Népias.

Cobrando o que muito bem lhes apetece, era simpático que pelo menos os arrendatários encontram-se o apartamento com condições mínimas de habitabilidade, o que nem sempre (ou raramente) acontece. Já nem falo dos acabamentos, que são uma porcaria, mas muitas vezes mudamo-nos para apartamentos sujos, descuidados, com mobília partida ou rasgada, camas por montar, lixo deixado pelos anteriores inquilinos, utillitários essenciais, como a electricidade ou a água em estado deficitário, mil e um problemas que nos obrigam a arregaçar as mangas caso não queiramos viver numa pocilga. É um “faça você mesmo”, como nos puzzles. Às vezes pergunto-me se estes tipos não têm vergonha de mostrar uma casa nestas condições, mas depois lembro-me que a “vergonha” não consta do seu dicionário. Mais uma vez, é pegar ou largar.

Durante o período do “boom” do imobiliário, em 2006, falei com um agente de Hong Kong sobre o aumento vertiginoso do metro quadrado em Macau. Este disse-me que “não estava mal, ainda muito mais barato que em Hong Kong”. A este ponto é preciso recordar que em Hong Kong a habitação é mesmo muito mais cara, mas os salários praticados são também superiores. Muito superiores, em alguns casos. Em vez de mandar o senhor a um certo sítio, sorri-lhe, e quem sabe se até não tem razão. Em Hong Kong há quem pague 3000 HKD por uma cama, sem direito sequer a meter uma mala no chão por baixo da mesma. Pode ser que quando se chegar à mesma situação em Macau alguém se preocupe, e tome finalmente algumas medidas.

Na verdade não estamos assim tão mal em termos de rendas. Se o preço do arrendamento tivesse acompanhado o preço de compra das fracções autónomas nos últimos anos, não havia T2 localizado num sexto andar de um prédio semi-condenado sem elevador que custasse menos de 20 mil patacas mensais. Há quem deposite esperanças na tão aguardada habitação económica, que tardou mas vai finalmente chegando. Alguns analistas prevêm que este facto poderá estancar a actual tendência de aumento das rendas – já que reduzi-lo seria pedir demais. São uns líricos, digo eu com alguma dose de pessimismo. Estes senhores são como os piratas informáticos: andam sempre um passo à frente. Não tardará muito até inventarem uma desculpa para nos irem ao bolso, sem que alguém os impeça. Vai uma aposta? É melhor não. Guardem o dinheiro para pagar a renda.

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