sexta-feira, 19 de abril de 2013
Saudade triste fado
Como sempre acontece às sextas-feiras, fica aqui o artigo da edição de ontem do Hoje Macau.
Quando era pequeno sonhava conhecer o Oriente distante, e até vir para Macau nunca me passou pela cabeça vir a fazê-lo. Felizmente existia algures no sul da imensa China um pequeno cantinha onde se encontrava o último reduto do Império português. A minha vinda para o território foi igual a tantas outras. Trazido por familiares que por sua vez tinham aqui outros parentes ou amigos, foi uma decisão complicada e um passo dado na escuridão. Em Portugal muito pouco se falava ou sabia de Macau. No início dos anos 90, em pleno cavaquismo e à sombra do desenvolvimento realizado pela chegada dos fundos europeus (os tais que pensávamos que não acabavam e não eram preciso ser pagos), a juntar à eventualidade da entrega do território à China em menos de dez anos, pouca gente pensava em vir para tão longe. A tendência era mesmo o regresso, ou no caso dos portugueses nascidos em Macau, o ingresso nos quadros da administração em Portugal. Olhando para trás, tenho a certeza que muito mais gente optaria vir para Macau, caso tivessem ideia das facilidades que o território oferecia, e ainda oferece, em termos de empregabilidade e qualidade de vida.
Passada mais de uma década da entrega de Macau à R.P. China à luz do segundo sistema e com as garantias asseguradas pela Lei Básica, pode-se dizer que muitos dos receios iniciais foram infundados. É normal que exista algum ressentimento, especialmente da parte de alguns residentes de etnia chinesa que não tiraram proveito da presença portuguesa, e que hoje gozam de mais cidadania e não enfrentam qualquer barreira étnica ou linguística no acesso ao emprego, mas sem radicalismos. Não se repetiram os excessos da descolonização portuguesa em África, como tantos temiam, e que tantas marcas deixou em centenas de milhares de portugueses que se viram expoliados de todas as suas posses. Assente a poeira da transição, muitos escolheram regressar ao território, e muitos novos emigrantes portugueses procuram Macau como destino. A RAEM, apesar de não ter as portas escancaradas como acontecia antes de 1999, continua a ser um destino mais acolhedor ao imigrante lusitano do que outros tradicionais, como a Suíça, a França ou o Luxemburgo. Mesmo Angola ou o Brasil, que gozam da vantagem de se falar o mesmo idioma, não são tão aprazíveis como Macau. Aqui o facto de ser português não é tanto um obstáculo. Com alguma vontade e um pouco de sorte, sentimo-nos quase como em nossa casa.
A vida não é fácil no início, pois apesar do português ser uma língua oficial, dá-se alguma primazia à fluência no inglês, frequentemente utilizado nos sectores do entretenimento e da hotelaria. Uma das grandes diferenças em relação ao tempo da administração portuguesa é a preferência por profissionais qualificados. Torna-se complicado a um compatriota apenas com o ensino secundário completo ou sem qualquer especialização encontrar emprego em Macau. Longe vão os tempos em que o simples facto de ser português garantia um vencimento no fim do mês. Existe mais pragmatismo, se bem que o título de residente permanente de Macau ainda oferece vantagens que não estão ao alcance de um simples aventureiro de primeira viagem. Contudo é dada uma garantia rara em Portugal nos tempos que correm: quem trabalha recebe, e quem se esforça vê reconhecido o seu esforço. Não há salários em atraso, cortes, falências, despedimentos colectivos, planos de austeridade e outros expedientes que nos deixam sem vontade de sair da cama de manhã e ir trabalhar para aquecer. Não há mas nem senões, nem desculpas de mau pagador – nem há sequer maus pagadores, pasme-se.
Mas existe sempre um vazio em qualquer português que deixa a sua terra e escolhe fazer a vida noutro local. É inevitável. É aquela maldita da saudade que nos acompanha desde que chegamos ao mundo. Qualquer português prefere ficar em Portugal nas mesmas condições que noutro país qualquer. Deixar a nossa terra natal é quase sempre um mal necessário. Sentimos falta das coisas que tinhamos à nossa volta quando crescemos, e se noutros países onde existe uma comunidade portuguesa existe uma rede de acesso a produtos que tornam as distâncias mais curtas, em Macau não acontece o mesmo. É difícil encontrar aqui muitas das comodidades que conferem a nossa portugalidade, para não falar do clima, ou das praias, que em Macau existem mas deixam-nos a suspirar pela nossa magnífica costa. Falta-nos o nosso marisco, fresquíssimo, os nossos talhos, aquela adega onde iamos beber um copo de traçado com os amigos, a padaria onde comíamos aquele pão com chouriço acabadinho de sair, ainda de madrugada e depois da farra, os bitoques, os finos, as bicas em condições, tanta coisa. Mesmo o que ainda aqui vai chegando deixa a desejar em termos de quantidade e em qualidade, e há coisas que compramos quase como por impulso, para matar a maldita saudade. Dificilmente alguém em Portugal pagaria 1 euro e 30 cêntimos por um daqueles pacotes de litro de Compal de pêssego.
Para quem se adapta a um ambiente hostil em termos de clima ou paladar, Macau pode até tornar-se numa experiência agradável, e a distância deixa de ser um problema. Os que provam e aprovam o que Macau tem para oferecer alargam os horizontes, esquecem o preconceito, começam a estranhar menos algumas das diferenças às quais nunca nos habituamos completamente – não se pede que se mude a nossa natureza, mas simplesmente que se adapte. Usando um pouco de filosofia oriental, “ser flexível como uma palmeira, e não rígido como um cedro”. Se dizem de Nova Iorque que “if you can make it here, you can make it anywhere”, o mesmo se pode dizer de Macau, apesar de todos os aspectos que nos aproximam do nosso país de origem. E depois há sempre as férias para atordoar o bichinho da saudade. E depois do regresso até pensamos com os nossos botões: “a nossa casa é onde nos sentimos bem”.
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