sexta-feira, 1 de março de 2013
...E muitos mais caberão
Mais uma vez, para quem ainda não leu, aqui fica o artigo de ontem do Hoje Macau.
Quem conheceu Macau ou vive no território pelo menos desde antes do recente “boom” económico deve-se lembrar bem como era muito mais fácil andar na rua, de como havia mais espaço. A proporção de passeio por cada habitante era maior. Actualmente a nossa querida cidade está sobrelotada, esgotada, estrangulada. Está mais apertada, não no bom sentido, e a muitas horas do dia em nos locais onde passamos diariamente é quase impossível abrir os braços sem dar um safanão em dois ou três outros transeuntes. O lado mais negativo de tudo isto é que apesar de nos ter sido retirado espaço, o que sobra está cada vez mais sobrevalorizado. Temos menos, pior, e ainda por cima mais caro.
Falei com algumas pessoas que viveram no território há vários anos e que recentemente regressaram, em trabalho ou apenas de passagem, e a opinião é generalizada: “Isto está muito diferente!”. Alguns dizem-no em tom de desabafo, outros dizem-no com incrédulo espanto. Não tenho dúvidas que todos concordam que é muito mais difícil movimentar-se pela cidade, e chega a ser mesmo cansativo e desgastante. Muitas vezes é quase impossível chegar-se de um ponto ao outro sem ficar à beira de um ataque de nervos. Os feriados do Ano Novo em meados deste mês foram bem prova disso, com multidões apinhadas nas principais artérias do centro comercial e histórico do território, um cenário que há alguns anos poucos imaginavam. Mas ali estava – era virtualmente impossível largar um alfinete sem espetar ninguém.
Não tenho qualquer problema com o progresso ou com o desenvolvimento, nem me incomoda ter perdido o conforto de poder chegar rapidamente a pé a qualquer ponto da cidade, como antigamente. Mas se por um lado o comércio e a economia beneficiaram com esta mudança, a qualidade de vida ressentiu-se. Macau não acompanhou o seu crescimento com estruturas e serviços que mais facilmente nos adaptassem à nova realidade. Quem pensa que os períodos festivos de maior afluência de turistas são “uma excepção” e não determinam a capacidade do território em receber visitantes, engana-se: é no limite que se testam as capacidades.
Não serei o único que se queixa deste problema, que afecta a população em geral, e esta gente de Macau tem dificuldade em lidar com este aperto e com a azáfama de uma grande cidade que até há alguns anos era vista pela malta aqui ao lado em Hong Kong como um “simpático e sossegado arrabalde”. Os residentes queixam-se sobretudo de uma presença excessiva de turistas da grande China, mas não será apenas por culpa destes que as coisas estão como estão. Não alinho nesse diapasão de considerar os visitantes do continente responsáveis, mesmo que em parte, pelo prejuízo da qualidade de vida da população de Macau. Antes pelo contrário: são eles quem produz a maior parte das receitas e deveríamos estar preparados para os receber. E quantos mais, melhor.
Quem vive em Macau e faz por aqui a sua vida tem também uma quota de responsabilidade no estado de caos em que muitas vezes o território se encontra. Muitos naturais de Macau estão a ter dificuldades de adaptação ao facto de viver numa cidade diferente daquela que os viu crescer. Alguns comportamentos persistem teimosamente apesar da nova realidade nos exigir que nos tornemos mais disciplinados, organizados, e acima de tudo mais civilizados. Já não é possível conviver com milhares de outras alminhas que ocupam este espaço já por si tão escasso da mesma forma que há dez ou vinte anos. É preciso mudar de atitude e encarar a nova realidade.
Não são poucas as vezes que nos deparamos com situações de bradar aos céus, resultantes de hábitos já enraizados mas que contudo podiam ser, digamos, “reformados”. Falar ao telemóvel ou mandar mensagens sem tomar atenção por onde se anda, parar o veículo à porta das casas de pasto para comprar o pequeno almoço, provocando engarrafamentos e as sempre desagradáveis buzinadelas, atravessar nos sinais vermelhos ou fora das passadeiras, são apenas alguns dos “vícios” de uma extensiva lista de comportamentos que se podiam muito bem evitar. Com o mínimo esforço podia-se assim facilitar a vida ao “outro”, um conceito que é ainda para muitos desconhecido.
Não podemos esperar que o Governo resolva o problema do “esgotamento” da cidade por artes mágicas, alargando a via pública ou dispondo o pavimento em camadas, de forma a que todos coubessem. Passa também, ou sobretudo, pela civilidade da própria população local, e se for mesmo necessário, devia-se começar por investir mais na Educação Cívica, a começar pelas escolas, e desde a mais tenra idade. A única solução para que possamos usufruir com qualidade do espaço cada vez mais exíguo que nos é dado passa por adquirir um comportamento mais civilizado. E assim todos caberão…
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