terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Não há outro mais (Roberto) Leal


O cantor Roberto Leal esteve na última terça-feira no programa Portugal no Coração, provavelmente pela enésima vez, mas dá-me sempre gosto ouvi-lo. E digo isto da mesma forma que considero uma ida o dentista gratificante, nem que seja pela componente da saúde oral. Não sou fã da música de Roberto Leal, não aprecio o seu estilo ou sequer a sua aparência, mas respeito tudo o que ele representa.

Nascido há 61 anos (ninguém diria) António Joaquim Fernandes na pequena freguesia de Vale da Porca em Macedo de Cavaleiros, Trás-os-Montes, imigrou para o Brasil aos 11 anos, iniciou uma carreira artística nos anos 70 e o seu sucesso tornou-o no mais brasileiro dos portugueses, ou o mais português dos brasileiros, tanto faz. Roberto Leal é tão amado por brasileiros como por portugueses, e é o maior elo de ligação entre os dois países. Pelo simples facto de ser igual a si mesmo, fez mais pela identidade comum que existe entre Portugal e Brasil que qualquer diplomata alguma vez fará.

É quase surpreendente que alguém que foi baptizado de António Joaquim na paróquia de um sítio com um nome tão atroz como Vale da Porca seja uma referência musical e cultural dos dois lados do Atlântico. Pedro Álvares Cabral tinha um nome menos “rafeiro” e ainda nasceu num local chamado Belmonte, no distrito de Castelo Branco. Um António Joaquim qualquer do Vale da Porca estaria fadado à lides do campo, ou na melhor das hipóteses seria um respeitável taberneiro sediado em Alfama. Roberto Leal é a metamorfose cintilante do pé-de-chinelo tuga do interior abandonado e empobrecido.

É irrelevante que a música que faz se insira no género popularucho e fandangueiro, ou como é politicamente correcto dizer hoje em dia, “de raíz tradicional portuguesa”. O seu discurso é optimista e feliz, transborda de alegria, e para isso nem precisa de recorrer às ladainhas da Igreja Evangélica ou outra qualquer esquisita de que é assumido seguidor. Existe nele uma sinceridade reconfortante, uma genuididade que nos deixa felizes. É um comunicador nato, que combina a espontaneidade brasileira com a humildade do português que, e nunca é demais lembrar isto, nasceu num tal Vale da Porca Deve ser bestial tê-lo como amigo pessoal.

Tornou-se popular no Brasil com o tema “Arrebita” (a sério, é preciso ouvir para crer), e o seu sucesso rapidamente chegou ao seu país de origem. Lembro-me de vê-lo pela primeira vez no Passeio dos Alegres de Júlio Isidro no início dos anos 80, e nunca mais consegui ficar indiferente a este verdadeiro fenómeno de inter-culturalidade. É o exemplo vivo de que existe um brasileiro em cada português, e vice-versa. O português mais refilão e deprimido tem um lado festivo e musical, enquanto o brasileiro mais “tropical” tem um lado mais taciturno, um toque de “fado”. São qualidades e defeitos derivados da origem comum, não há nada a fazer. Bem haja o Roberto Leal, por ser a prova viva desta cumplicidade.

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