quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Grelha em brasa
Não sei se assistiram ontem ao filme que vos recomendei no último fim-de-semana, o “98 Octanas”, que estrelou a Carla Chambel com as vergonhas expostas. Tal como preveni foi um tormento, um calvário interminável, e espero que o tenham visto sem som e com um disco dos Slayer a tocar na aparelhagem com o som no máximo. Uma forma eficaz de ver as maminhas da Carla sem cair para o lado de sono durante o “intrigante enredo acompanhado de uma competente cinematografia”, usando um chavão da crítica da treta. Bem, se ficaram satisfeitos, fico contente.
Já que estou com a mão na massa, gostava então de falar da actual grelha de programação do canal 1 da TDM, o que há muito não fazia, e gostava agora de actualizar. A produção local em português continua a ser de qualidade, pelo menos para os padrões de um território com uma comunidade lusófona inferior em número à Reboleira. Um canal da Reboleira não teria com toda a certeza tanta qualidade quanto a TDM, e apesar de ambas as comunidades serem multi-étnicas, Macau sempre tem uma história mais rica e mais motivos de interesse.
Assim desfilam semanalmente o TDM Desporto, a Montra do Lilau, os serviços noticiosos em português e inglês, a TDM Entrevista ou o Música em Movimento. Destes dois últimos gostava de dizer uma coisinha ou duas; do TDM Entrevista gostava de ver menos, ou que pelo menos acontecesse apenas quando se justificasse em termos de interesse. Duvido que muita gente discuta os conteúdos das entrevistas no dia seguinte. Era muito mais interessante levar lá convidados a quem se pudesse fazer perguntas polémicas ou discutir temas fracturantes, em vez do mero formato de perguntas e respostas do teor informativo. O cenário é também muito murcho, muito seco, a fazer lembrar a TV da Coreia do Norte. Do Música em Movimento gostava de ver mais, e sinceramente penso que deviam existir mais meios ao dispôr de Jorge Vale. E já agora porque não arranjar-lhe uma co-apresentadora, fazendo assim um par, como acontece em muitos programas musicais por esse mundo fora? É uma ideia que se podia aproveitar melhor. E se em vez das últimas novidades da música anglo-saxónica se desse prioridade ao que de novo se faz em Portugal? Se não fosse a RTPi com alguns programas como “Planeta Música” ficávamos a zero.
Deixei de fora da programação local o programa Contraponto, mas fi-lo de propósito, pois este merece um destaque especial. Penso que foi uma excelente ideia passar da rádio à TV, e ainda com a vantagem de se poder ouvir ao Sábado à tarde na rádio, ver ao Domingo na TV, e a horas decentes, e ouvir outra vez na rádio às quartas-feiras de manhã. Não há desculpa para quem estiver realmente interessado dizer que perdeu. É o programa de debate que há muito fazia falta na televisão local. O painel de comentadores varia entre o muito bom e o excelente, sem querer nomear ninguém em deterimento de outros, e o mais importante: é provavelmente o único programa em toda a televisão na China onde se critica abertamente o Governo, mesmo que seja apenas à dimensão de Macau, e ao abrigo do tal segundo sistema. Desconheço se existe algum programa assim na televisão de Hong Kong, mas duvido. Pelo menos um com a mesma liberdade e descontração, sem meias-palavras ou auto-censura. Isto talvez se deva ao facto de uma boa parte do painel ser constituído por jornalistas profissionais independentes, e não assalariados do canal de televisão, e portanto sem receio de dizer algo que os faça perder o ganha-pão. É para continuar, e sem perder a pujança.
Quanto à programação importada, compreendo que se passem séries nacionais, se bem que pecam pelo atraso. A melhor de todas por exemplo, o “Liberdade 21”, vai passar este Sábado o último episódio, que já vi há meses na RTPi. Deixou de se passar diariamente uma novela brasileira, como se fazia com regularidade, o que me leva a questionar se terminou o protocolo com a TV Globo. As novelas brasileiras tinham a vantagem da legendagem em inglês, chegando a um público mais vasto. Quanto às séries estrangeiras, não posso dizer bem; algumas ora são de qualidade duvidosa, ora terminaram há anos no seu país de origem, ou chegam mesmo a estar bastante datadas, como é caso do “Lost”. Era preferível preencher esse espaço com mais produção nacional, porque não? Já os documentários, apesar de alguns terem já vários anos não sofrem do mesmo mal, pois o seu interesse histórico ou científico não tem prazo de validade. Mas já que falamos de “datados”, aquele concurso “Jogo Duplo” que passa aos Domingos à tarde já terá uns bons anos em cima, não?
Os serviços noticiosos cumprem o seu papel fundamental, que é o de informar o espectador sobre a actualidade de Macau. E não só, mas para a actualidade de Portugal e do mundo temos os serviços noticiosos da RTPi a várias horas do dia, e transmitidos em cadeia com a TDM. Congratulo-me que tenha deixado de passar o Jornal da Tarde da RTPi logo a seguir ao Telejornal da TDM, o que significava dois serviços noticiosos consecutivos, o que devia ser caso único no mundo, com a particularidade do primeiro começar com o apresentador a dizer “boa noite”, e o segundo a dizer “boa tarde”. Uh? Do TDM News tenho também a dizer bem, pois serve várias comunidades, que se não vêem e não se informam é porque não querem. Não fica muito atrás dos serviços noticiosos de Hong Kong, e ainda com a vantagem de dar prioridade à actualidade local. É o único serviço noticioso em televisão que o faz em língua inglesa em todo o mundo, tenho quase a certeza. Gosto especialmente daquele “leng-chai” tuga que fala com um sotaque muito “british”. Dá um toque de classe.
Quanto aos filmes, temos as quartas-feiras com cinema português, como já me cansei de referir, e a uma hora perfeita: quase à meia-noite. Assim ajudam-se os espectadores que sofrem de insónia e precisam de acordar cedo na quinta. Claro que a culpa do cinema português ser paupérrimo não é da TDM, que neste caso até tem mérito em oferecer uma forma de serviço público. Vi mais filmes portugueses na TDM do que em Portugal, onde não deve ser tão habitual passarem, pelo menos nos três canais em sinal aberto. Quanto aos filmes estrangeiros, devo andar distraído, pois não tenho visto muitos, e também não os vejo anunciar. Lembro-me das sessões da noite à sexta-feira, e chegavam a passar fitas com qualidade. Seria bom encaixar alguns filmes estrangeiros na grelha de vez em quando, e nem precisavam de ser americanos ou sequer em inglês. Era interessante ver cinema japonês, europeu ou sul-americano, ou até chinês, porque não? É só uma ideia.
Quanto ao desporto, além do já clássico programa das segundas-feiras apresentado por Vítor Rebelo, que cobre de forma competente o tantas vezes hilariante futebol em Macau, assim como outros desportos, a TDM marca pontos nas transmissões de jogos de futebol em directo. Este ano transmitiu na íntegra o Euro 2012, como faz sempre com os torneios internacionais de futebol, e transmite ainda vários jogos da Liga dos Campeões, com repetição ao final da tarde para quem não quer perder o sono. Faz tudo isto alheia aos monstruosamente caros direitos televisivos, e por isso mesmo os canais de Hong Kong não transmitem nem resumos de muitos jogos, ficando pelo ridículo de alguns inanimados slides. Graças à TDM que mostra futebol em doses q.b. a TV Cabo torna-se perfeitamente dispensável. Ia-me cansar depressa daquela fartazana de jogos de ligas que me dizem muito pouco, e nem sequer sou apostador.
Quanto à programação infantil, é virtualmente inexistente e pífia. Passa o “Zig-Zag” aos sábados à tarde, e desconfio que muita da pequenada de Macau não sabe disso. Aqui podia-se fazer qualquer coisinha melhor. Já que ficou provado graças a um certo casting realizado pela Casa de Portugal para uma série que demora a sair que existem jovens actores portugueses em Macau. Não seria uma loucura produzir localmente um programa infantil usando esses jovens, e podia ser sobre Macau, bilingue, e de conteúdo educativo. Não precisava de ser uma grande produção, mas algo que se pudesse fazer com o selo “Made in Macau”. Teria certamente mais audiência que o “Zig-Zag”, pois pelo menos os miúdos, os amigos e os pais não iam perder.
Finalmente vou falar do programa mais original da TV macaense: a transmissão da Missa Dominical, directamente da igreja da Sé. Este serviço é alegadamente destinado a doentes acamados e outros que não se podem deslocar à igreja e assim acompanham a missa. E serve também curiosos como eu próprio, que mesmo sendo agnóstico e nunca ter ido à missa acho aquilo muito interessante, muito diferente. Duvido que muitos dos fiéis entendam o que diz o padre, mas pronto, vão lá na mesma, como bons cristãos que são. Seria interessante entrevistar alguns deles à saída do serviço, tipo “flash-interview”, e perguntar-lhes o que aprenderam ali nesse dia. Depois é giro ver no pequeno ecrã tantos elementos conhecidos da nossa comunidade, e pode-se mesmo dizer que os mais assíduos aparecem mais vezes na televisão que certas figuras públicas. Alguns chegam mesmo a cantar, exibindo os seus dotes vocais. Ainda por cima a realização é excelente, muito bem conseguida, e a qualidade do som surpreendente. Deve ser verdade aquilo que dizem da acústica nas igrejas.
E pronto, o canal 1 da TDM soma e segue, mantém-se fiel aos seus princípios, está vivo e recomenda-se. Fazendo uma apreciação global, penso que melhorou, pelo menos fico mais tempo ligado que antigamente. Claro que existem arestas a limar, mas isso vai lá com o tempo, e não se pode exigir perfeição de quem batalha com alguma indiferença que ainda existe. Estou admirado que não haja por aí algum patriota espertalhão que ainda não tenha questionado a utilidade de um canal em língua portuguesa que serve apenas algumas centenas de espectadores a maior parte do tempo. É porque lhe reconhecem o seu direito à existência, a sua utilidade, o seu espaço. Continuem o bom trabalho lá pela Francisco Xavier Pereira, e boa sorte!
Porque não colaboram a Escola Portuguesa, a Casa de Macau e a TDM para a produção de programas educativos ou infantis locais? Ou até mini-concursos para a miudagem? Com a experiência técnica da TDM e a boa vontade das outras partes, decerto que não saíria caro e teria audiência.
ResponderEliminar"Graças à TDM que mostra futebol em doses q.b. a TV Cabo torna-se perfeitamente dispensável"
ResponderEliminarA Tv Cabo tem muito mais coisas além de futebol.
Caro "Leocardo", acho muito oportuno este seu comentário sobre o que se faz na tv de Macau. Afinal, a TDM ocupa uma boa fatia do quotidiano de cada um de nós.
ResponderEliminarSubscrevo o seu elogio ao Contraponto, mas tenho dúvidas quanto à seguinte passagem do seu texto:
"é provavelmente o único programa em toda a televisão na China onde se critica abertamente o Governo, mesmo que seja apenas à dimensão de Macau, e ao abrigo do tal segundo sistema. Desconheço se existe algum programa assim na televisão de Hong Kong, mas duvido."
Quanto a esta sua dúvida, tenha em conta que a vida política de Hong Kong é muito mais aguerrida que a de Macau, que se move muito pelas águas do consenso. É pois muito provável que haja muitas zonas da programação televisiva do "vizinho território", sobretudo em língua chinesa, em que se dê forte e feio no Governo, e em toda a liberdade.
Só um exemplo: sintonize a ATV World às 7 pm de domingo e veja o Newsline de Michael Chugani. Embora às vezes seja uma mera entrevista, muitas vezes tem um pequeno painel de convidados que debatem a actualidade e não não se fazem rogados quando toca a criticar o Governo.
Outro exemplo: a transmissão em directo, pelo canal chinês da TVB, do "Fórum da Cidade", que se realiza no Victoria Park todos os domingos. Tem a participação do público. (Macau agora também tem um Fórum desse género, também em chinês. Ainda bem.).
Hugo: mas é um facto que a maioria das pessoas que assina a TV Cabo é por causa do futebol. Pelo menos as que conheço.
ResponderEliminarSr. Ortet: obrigado pelo seu comentário e pela sugestão. Já agora pode-me chamar Leocardo, sem aspas :)
Cumprimentos.
O "Forum da Cidade" aos domingos na TVB, mencionado pelo comentador anterior, é dos melhores e socialmente mais construtivos programas que conheço.
ResponderEliminarTodos os episódios discute-se um tema novo, com uma audiência aberta a todos (realiza-se num jardim público), convidando sempre pelo menos duas escolas para participar e ainda 4 convidados de diferentes quadrantes.
É extremamente interessante pois consegue juntar sempre gerações e grupos diferentes de público a discutir os problemas. De um lado os idosos com mentalidades mais conservadoras que se deslocam para assistir ao vivo; do outro os jovens das escolas, sempre com uma mente mais aberta e sem preconceitos; depois ainda as claques dos diferentes partidos políticos (todos vestidos de igual para marcar presença) e por fim os convidados, quase sempre com pontos de vista contrários entre si.
Para quem entende chinês, é uma delicia assistir aos debates. Até não faltam os mais radicais que se passeiam pelo jardim com um megafone aos gritos.
Só é pena que não haja nada semelhante em Portugal, um programa realizado num espaço aberto ao público (e digo realmente aberto, nada cá de audiência escolhida a dedo fechada num auditório como nos Prós e Contras), em que o povo pudesse interagir abertamente com responsáveis políticos, académicos, analistas, figuras públicas, etc.
Se calhar temem que acabaria tudo à pancada. Mas em Hong Kong o programa já existe há mais de 30 anos (começou em 1980) e nunca houve problemas.
Antigamente havia um programa na Rádio dirigido à criançada durante as manhãs, se não me engano do João Severino. Isso já acabou?
ResponderEliminarE por que não fazer também algo semelhante às tardes na TDM? Será assim tão caro?
Subscrevo praticamente tudo o que disse em relação à TDM... com um senão: o massacre que é a maior parte do dia aquela coisa estar em cadeia com a paupérrima RTPi, em que nos impingem doses maciças da Praça da Alergia, Preços Certos e coisas do mesmo calibre. A CCTV não tem já um canal em português? Há muito que ouço falar nisso. Se tiver, estou certo que há-de ser muito mais interessante ouvir os chineses a dizerem coisas em português do que ouvir o anjo Gabriel e os seus onanismos. E de qualquer maneira, para quem gosta da RTPi, há sempre o canal RTPi propriamente dito, não é preciso estar a dar a mesma porcaria em dois canais. Tirando isso, nada mais a dizer de negativo.
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