sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
De água na boca
Artigo publicado na edição de ontem do Hoje Macau.
A época festiva que agora passamos e o tempo frio em geral é a ruína de qualquer dieta. A maioria das pessoas ganha peso no período do Natal e do Ano Novo, uns mais, outros menos, mas já que é “para a desgraça”, é bom saber onde se pode encontrar onde comer, e já agora usufruir de uma experiência gastronómica para mais tarde recordar. Em Macau não encontramos a variedade de restaurantes que existe na vizinha Hong Kong. Faltam-nos a cozinha árabe, russa, grega, turca ou africana. E até o rodízio brasileiro foi chão que já deu uvas. Mesmo assim no território conseguimos, com alguma boa vontade, encontrar uma pequena Babilónia de sabores. Hotéis caros à parte, podemos surpreender-nos com a oferta que obedece ao princípio dos três “B”: bom, bonito e barato. Tentarei com muito esforço não fazer muita publicidade gratuita.
Da cozinha ocidental podemos muito facilmente provar a excelente cozinha italiana, muito graças a uma célebre família que emigrou para o território há várias décadas, e que monopolizou as pastas, ‘linguinis’ e ‘tortelinis’, e até as pizzas, antes da chegada do famigerado Pizza Hut. São pelo menos três os restaurantes da família Acconci, dos quais destaco aquele mais pequenote, na Travessa de S. Domingos, para mim o mais castiço. Mas já que estamos em Macau, a comida portuguesa merece uma nota de destaque. Os restaurantes que servem a genuína cozinha lusa são raros, e convém não ser muito exigente, mas muitos esforçam-se, servindo os nossos típicos refogados, assados e caldeiradas. Somos o povo da Ásia que espreme a azeitona, que frita o alho e a cebola, que usa e abusa do molho de tomate. O nosso querido bacalhau está presente, nem que seja na forma do local “arroz frito de bacalhau”, ou “Ma Ka Iao Chau Fan”, uma forma menos agressiva de apresentar o fiel amigo aos chineses do que o complexo bacalhau com natas, por exemplo.
A culinária macaense, um mundo de sabores diversos a descobrir, está infelizmente cada vez menos representada. O restaurante Riquexó sobreviveu graças à pressão dos seus irredutíveis clientes, mas além deste só existe um outro restaurante que serve a genuína cozinha local, com sede na Av. Almirante Sérgio e mais duas sucursais na Taipa. A cozinha macaense é única do mundo, pois sendo idêntica à portuguesa na forma e no estilo, utiliza ingredientes locais, como sejam o caril, o balichão, o gengibre, o sutate (ou molho de soja), o cebolinho, o tamarindo, o chouriço e o presunto chinês, o leite de côco ou a jagra. Muitas das receitas vão-se perdendo de geração para geração, o que nos deixa muito pessimistas quanto à continuidade deste riquíssimo pote de sabores.
Mas já que estamos mesmo no maior continente do mundo, importa descobrir a maravilhosa comida asiática. Não sou grande adepto da cozinha chinesa, nomeadamente a da região de Cantão, a mais popular no território. A diversidade é indiscutível, mas aborrece-me a predominância das massas fritas, das sopas de fitas e dos “van tan”, coisas a pingar ou fritas com um óleo sabe-se lá de que idade, ou a sempre-mesmice dos pratos de arroz-com-qualquer-coisa. Além disso quem já provou os “yum-cha” ou os jantares chineses sabe que a vertente do sabor depende bastante do uso do glutamato monossódico, ou “mei cheng” (味精), um composto químico que é capaz de tornar uma simples caçarola de água a ferver numa deliciosa sopa. Artificialmente, é claro.
No que diz respeito à cozinha asiática em geral, segue-se muito a filosofia presente numa popular expressão em chinês: “tim sün fu lat”(甜酸苦辣), literalmente “doce, ácido, amargo e picante”, que são no fundo todos os sabores que a vida deve ter. A cozinha tailandesa é um bom exemplo disso; gosto especialmente de um prato de massa com caldo, bife e rebentos de soja onde se junta malagueta, vinagre e no fim um pacote de açúcar – um pitéu que inclui todos estes “sabores da vida”. Quando cheguei a Macau existia uma miríade de restaurantes tailandeses, de que hoje restam apenas alguns resistentes. Mesmo assim basta passar por algumas lojas da Rua Abreu Nunes e arredores e descobrir os mil e um sabores da culinária do país dos sorrisos, e ficar encantado com ervas, legumes e especiarias únicos. É nas lojas tailandesas que encontro a hortelã que me ajuda dar sabor ao borrego mais agressivo, ou a acicatar um banal chá de menta.
Além da comida tailandesa, temos ainda a birmanesa, que se pode provar em várias tasquinhas da Rotunda Carlos da Maia, vulgo “três candeeiros”, onde reside uma grande parte da comunidade deste país hoje conhecido por Myanmar. A especialidade é um prato de massas com galinha, caril e leite de côco, misturado com o magnífico balichão birmanês, que se pode encontrar facilmente (e felizmente) em muitos supermercados de Macau. A comida indonésia tem também o seu encanto no despertar dos sentidos, deliciosamente adstringente. Existe um conhecido restaurante na Estrada Coelho do Amaral, propriedade de ex-emigrantes chineses naquele país do sudeste asiático, e portanto mais adaptado ao gosto local. A mais tradicional pode-se encontrar algures entre a Rua dos Mercadores e o Porto Interior, escondida entre becos e travessas, mas ainda assim a melhor comida indonésia come-se em festas privadas organizadas por imigrantes, onde se pode provar o autêntico “nasi goreng” ou delicioso “randang”.
A comida filipina foi um parente pobre no território durante anos, apesar desta ser uma das maiores comunidades aqui residentes. Depois de várias tentativas frustradas, existe hoje um restaurante filipino em condições, perto do Hospital Kiang Wu, onde se podem provar os sabores do exótico arquipélago. A comida filipina é uma espécie de “prima” da comida mexicana, e aproxima-se muito da nossa em alguns aspectos. Têm a caldeirada, que chamam “kaldereta”, a jardineira, que chamam “menudo”, e até o pudim flan, que chamam de “leche flan”. Existe ainda perto do mercado da Mitra uma pequena cantina onde se pode comprar uma caixa de arroz com dois pratos filipinos à escolha pela modesta quantia de 18 patacas. Onde mais se almoça por tão pouco?
Para o fim deixei a minha preferida, a comida indiana. Há muitos anos existia na Rua Fernão Mendes Pinto um excelente restaurante, cujo proprietário penso ser o mesmo do actual espaço na Nova Taipa. Este é sem dúvida o melhor restaurante indiano em Macau, mas felizmente existem outros. A gastronomia deste país é riquíssima, sempre com muito por descobrir, pois tal como na China, cada estado da União Indiana tem a sua própria gastronomia. Além do caril, com a presença da saudável curcuma, temos o sabor de outras ervas aromáticas, do aniz, do cardamomo e outros ingredientes mágicos, que garantem uma experiência única. Isto para não falar do pão, e especialmente do arroz, da variedade basmati, o arroz com mais fragrância e delicioso do mundo. E quanto a ele se juntam frutas, passas, pistáchios, cajus e cravinho, ingredientes do “pulao” de Caxemira, temos uma experiência inesquecível.
No que diz respeito aos restaurantes, Macau está muito bem servido. Temos uma variedade invejável que nos deixam sem desculpa para nos queixarmos da monotonia. Basta saber procurar, deixar-nos guiar pelos sentidos e ter a audácia de entrar onde nos parece que se come bem. Somos com toda a certeza bem recebidos. E depois da época festiva, e já de barriga cheia, é então altura de pensar em eliminar aqueles quilinhos a mais. Entretanto, siga a festa na Macau dos mil sabores.
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