sexta-feira, 2 de novembro de 2012
Ich bin ein macaense
Fotografia: Crónicas macaenses.
Artigo publicado na edição do Hoje Macau de 01/11/2012.
Decorreu no passado fim-de-semana um colóquio organizado pela Associação dos Macaenses (ADM) subordinado ao tema da identidade macaense: “Um olhar sobre a comunidade”; o que é o macaense? Qual o lugar do macaense hoje, na política, na economia, na sociedade de Macau? É interessante como Macau deve ser o único local do mundo onde se dicute o lugar…do macaense. Passo a comparação descabida, mas seria como debater o lugar dos portugueses em Portugal, ou o lugar dos americanos na América. Mas como sempre, Macau é um local cheio deste tipo de vicissitudes, ou como se diz no linguajar local, “Macau sã assi”. O colóquio foi notícia, excedeu expectativas, mas ao mesmo tempo ficou a saber a pouco. Pelo menos para mim. Interessa-me este tipo de coisas, temas sobre Macau, sobre a preservação desta cidade maravilhosa inaugurada há séculos, da sua cultura, das suas tradições. Não me interessa que Macau seja, como é para muitos, um local para “fazer dinheiro”. E depois partir, virar-lhe as costas, como se de uma amante agredida e envelhecida se tratasse.
Em primeiro lugar a adesão poderia ter sido maior, não em número, mas em tipo. Os participantes do colóquio foram na sua maioria membros do fórum “Conversas entre a malta” (vulgo, “a malta”), do Facebook, um grupo que alia o amor ao amadorismo, a paixão e a descontração e que esmiuça temas correntes da RAEM de hoje, e os próprios membros da ADM, organizadora do colóquio. Faltou ali um grosso da comunidade macaense, dos “filhos da terra”, que provavelmente tinham mais que fazer num fim-de-semana do que participar num debate que talvez muitos consideram – erroneamente – ser “apenas falatório”. Tinham que passar tempo com a família, tinham que ajudar os filhos com os trabalhos de casa da escola chinesa, enfim, são os “adaptados à nova realidade” a quem este tipo de discussão não interessa muito. E é pena. Não há nada mais triste que renegar o próprio passado, as origens. Talvez isto seja efeito de algum elitismo que é comum neste tipo de eventos. Quando fala a comunidade macaense, falam “sempre os mesmos”. Não por culpa própria, certamente, uma vez que todos têm o direito de participar. O que existe mesmo é desinteresse, um leve encolher de ombros. E enquanto isso a terra que os viu nascer, onde cresceram e que tanto amam vai desaparecendo e dando lugar a um misto de concreto inconcreto, edifícios obtusos e o mais profundo desprezo pela História e pelas tradições. Com o fim anunciado do restaurante Riquexó, por exemplo, fica mais fácil encontrar a riquíssima culinária macaense nas casas de Macau no Canadá, Brasil ou Austrália. Pelo menos a diáspora vai cuidando dessa sensibilidade, dessa coisa do ser macaense.
E faltaram os portugueses. Com a excepção de alguma imprensa, alguns académicos e uma mão cheia de carolas, incluíndo eu próprio, não se viram “reinóis” – vulgo portugueses originários de Portugal – no colóquio. Apesar de este ter sido realizado inteiramente na língua de Camões. Este era um debate que encheria o Grande Auditório do Centro Cultural, pelo menos. Era também altura dos portugueses de origem, alguns deles aqui há décadas, interessarem-se pelo futuro desta terra que os acolheu, onde muitos deles viram os filhos e os netos nascerem. Chega de continuar a pensar a prazo, e achar que isto é uma coisa “deles”, da “tribo dos macaenses”. É altura de beber mais da Fonte do Lilau e abanar menos a árvore das patacas, arregaçar as mangas e tratar do que interessa realmente.
Isto do “ser macaense” tem muito que se lhe diga. Em termos leigos, um macaense seria um indivíduo nascido em Macau, mestiço de portugueses e chineses. Balelas. A teoria da consanguinidade é perfeitamente descartável. Há macaenses de famílias antigas e respeitáveis que não têm sangue português. O macaense é no fundo o produto de uma louca aventura onde participaram navegadores, pescadores, tancareiras, piratas, aventureiros, goeses (os chamados “canarins”, macaenses de origem indiana), missionários, condes e barões, todo o tipo de burgueses e pelintras. É difícil ir buscar a verdadeira origem do macaense. Séculos antes da já por si vetusta América, este pequeno pedaço de terra à beira-China plantado era um “melting pot” por excelência.
A questão da origem é também bastante discutível .Claro que ajuda bastante ter nascido em Macau para que se seja considerado macaense, mas será essa uma exigência? Eu próprio nasci em Portugal, passei a maior parte da minha vida em Macau e não tenho praticamente nada que me ligue ao meu país de origem. Em suma: sinto-me macaense. Adoptivo, por certo, mas macaense. É um estado de espírito, algo que primeiro se estranha, e depois se entranha, citando o poeta. Interessa-me o dia-a-dia desta terra, o que me rodeia, e não me interessa o que passa a milhares de quilómetros de distância. Não sou mercenário nem estou aqui a prazo. Tenho um filho macaense por inerência e não desejo integrá-lo num país como Portugal, com um futuro eternamente adiado, que nos leva mesmo a interrogar-nos se esse futuro existe mesmo. Se queremos o melhor para os nossos filhos, esse passa por onde eles se sentem melhor, e não pelo que é convencionado como sendo o “mais natural”. Passados já vinte anos de Macau, olho para o passado que me fez apaixonar por esta terra com saudade, e tenho esperança que esta nova tomada de consciência seja um primeiro passo para que se mantenha viva a chama macaense. Adaptando as palavras do presidente JFK: “Ich bin ein macaense”.
O macaense é a pessoa de Macau, tal como o lisboeta é a pessoa de Lisboa ou o londrino é de Londres. Simples. Não é necessário - porque é escusado - virem com filosofias maradas nem ancestralidades patéticas. Eu sou macaense antes de tudo por simplesmente ter nascido em Macau.
ResponderEliminarUm abraço macaense.
Acho que o FireHead está a ser demasiado simplista... Por essa ordem de ideias, uma pessoa que nasceu "por acaso" no território e não viveu lá nem tem família que tenha vivido também é macaense...
ResponderEliminarCada um tem a sua definição de macaense. Eu nasci e vivi vários anos em Macau, mas sou filho de portugueses e a minha cultura é essencialmente portuguesa. Sinto-me ligado a Macau, e para mim continua a ser "a minha terra". No entanto, para mim, os "verdadeiros" macaenses são o resultado da miscigenação entre chineses e portugueses ou outros euro-asiáticos (malaios, etc) ou então aquelas famílias portuguesas que estão no território há muitas gerações.
O que não invalida que cada um se sinta tanto ou mais macaense que eles.
Realmente o comentario do Firehead nao faz muito sentido. Entao um chines ou filipino nascido em Macau tambem e' um macaense?
ResponderEliminarSe querem que vos diga, acho uma vergonha que quem nasça em macau não adquira automaticamente a residência. O caso dos filipinos, como o anónimo anterior referiu, é gritante. Se um filho de um casal filipino nasce em Macau, fica dependente do "blue card" dos pais. Nem na América isto acontece! Quem nasce na América, seja qual for a sua origem, é americano. Nem sei porque Macau se acha tão especial que não tenha este tipo de flexibilidade, tendo em conta que serão necessários milhares de trabalhadores não-residentes nos próximos anos, dada a falta de oferta dos actuais residentes em relação a alguns postos de trabalho menos "desejáveis".
ResponderEliminarCumprimentos, e obrigado pelo contributo para esta discussão, que espero que se estenda.
@Leocardo
ResponderEliminarCompreendo perfeitamente, e até concordo em parte com o teu comentário.
Mas isso trata-se de uma questão diferente: o direito à cidadania.
É uma questão política.
Existem montes de argumentos de um lado e de outro. Há quem diga que se assim fosse, aconteceria o que acontece mais ou menos em HK: um fluxo de mulheres a virem dar à luz a Macau para ganharem o estatuto de residente.
E na própria China também é assim, só é chinês (cidadania) quem tem sangue chinês.
Mas tenho a dizer que acho totalmente injusta a discriminação feita a imigrantes das Filipinas, indonésia, etc, que chegam a trabalhar dezenas de anos em Macau e nunca ganham os mesmos direitos dos demais.
Relativamente ao ser-se macaense é uma dimensão cultural.
I agree with Paulo. Being Macanese is often a question of cultural identity, that is, a personal choice made by individuals. To be accepted as Macanese, from Macau or in the general community, may be a political identification that has little to do with culture.
ResponderEliminar