Segundas instâncias

1) O Hoje Macau publicou na edição de ontem uma reportagem de António Falcão sobre o consumo da heroína em Macau. Na página 3 há uma entrevista com um toxicodependente anónimo, onde ficamos a saber entre outras coisas o preço da heroína e outros detalhes interessantes sobre o mundo da chungaria. A certa altura o tóxico em questão diz que “razão têm aqueles que não querem um centro de metadona perto de uma escola”, pois neste mundo das seringas “há muita maldade”. Um leitor identificado escreveu para o HM revoltado com as declarações do tóxico, usando mesmo um tom (merecidamente) agressivo para se referir ao indivíduo. Assino por baixo. Mais do que uma atitude baixa e desprezível de quem ainda por cima sentiu na pele esta angústia, isto é quase como um ponto para os tais residentes do Bairro da Areia Preta que não querem lá a clínica da metadona. Se os próprios toxicodependentes sabem que vai ser mau, e que isto vai levar os traficantes para aquela zona perto de uma escola, como pode o Governo garantir que não será mesmo assim? É por isso que isto é uma batalha sem fim: se a vontade deve partir de quem não tem vontade nenhuma...

2) Há um mês o ex-presidente do IDM, Manuel Silvério, foi absolvido do crime de abuso de poder no Tribunal Judicial de Base. O caso envolvia a contratação pelo IDM de uma massagista que trabalhava numa sauna, um caso lamentável que podem recordar aqui, se quiserem. O Ministério Público recorreu agora para à segunda instância, naquilo que será um prolongamento desta novela em quem ninguém fez boa figura. Não me parece que o dr. Silvério se vá sequer sentar no banco de réus, e o pior que lhe pode acontecer é uma multa ou mesmo no pior dos mundos, uma pena suspensa. Por outro lado, a continuação da farsa pode tornar-se vantajosa para o antigo responsável máximo do desporto em Macau, que pode ver confirmada a sua inocência em instância superior, e dissipar de vez todas as dúvidas. Realmente ficámos a saber muito pouco do que se passou: quem era a tal massagista, quem a recomendou afinal e porquê, e onde pára a milagrosa, de que foi dito que “curava atletas com problemas musculares”, isto apesar de não ter conseguido apresentar as habilitações suficientes. É uma pena que apanhem o dr. Silvério numa tecnicalidade, mas já que aqui estamos, era bom que pelo menos uma vez ficassemos a saber toda a verdade. É que se eu cometer um erro no meu parco emprego, sou muito provavelmente despedido, ou castigado de qualquer forma. Não acredito muito nessa dos cidadãos acima de qualquer suspeita, e muito menos na impunidade gratuita.