segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
A outra Meca
Encontrei no elevador um dia destes o meu vizinho, o sr. Cheang. Trocámos dois dedos de conversa sobre o frio que tem sentido no território, e é aí que ele me diz que “só se está bem a jogar, no casino”. Deveras interessante, esta opinião, e espero que os turistas também pensem assim, para bem da nossa economia lúdico-dependente. Mas pensando bem, não deve ser má ideia, andar ali pelo quentinho das salas de jogo, aproveitando os amendoins e as coca-colas gratuitas, ao som das slots e a curtir o fumo do tabaco. Melhor que isso, só ficar em casa, na cama.
Esta manhã dou com os meus colegas de trabalho, todos jovens ou mun yan, a discutir as incidências do fim-de-semana desportivo. Mais uma vez o tom da conversa era marcado pela “mossa” que alguns resultados da Premier League inglesa ou da Liga espanhola tinham feito nas apostas desportivas. Perguntaram-me se assisti a certo jogo, disse-lhes que sim, e como sempre perguntaram-me se apostei. Quando lhes digo que não, e que as apostas não me interessam, isto faz-lhes uma confusão enorme: então porque vi o jogo? Em regra, só vêem os jogos em que apostaram, e só apostam para ver os jogos. Uma simbiose muito particular.
De resto os apostadores chineses não têm um clube propriamente dito, apesar de usarem camisolas de vários clubes diferentes, pois seguem o sistema de apostas desportivas emanado pela Macau Slot. Alguns conseguem ser adeptos do Arsenal, Chelsea ou Manchester United, dependendo da época desportiva em questão. Os jogadores de futebol são tratados como cavalos; se é bom e desiquilibra, e com ele há outros “cavalos” que podem desiquilibrar, então toca a apostar naquela equipa.
Quando a nossa selecção portuguesa vence, dou-lhes uma ou duas palmadinhas nas costas, exprimindo a minha satisfação. Aí a reacção passa sempre por me dar os parabéns, e perguntarem-me “quanto ganhei”, assumindo que aposto sempre quando Portugal joga. Como a selecção da RPC não lhes interessa e não seguem o campeonato chinês, gostam das selecções que ganham e que lhes dão a ganhar. A selecção ou o campeonato de Macau contam muito menos. Imagino se fossem autorizadas as apostas nos jogos da “Premier League” de Macau, a corrupção desportiva que ia ser.
Os ou mun yan são os apátridas do futebol, e mesmo tendo alguns deles nacionalidade portuguesa, chegam a apostar contra a nossa selecção. Simpatizam em geral com a Inglaterra, muito por influência dos vizinhos de Hong Kong, mas isso não os impede de apostar contra os ingleses, se as “odds” forem boas. Outra curiosidade prende-se com o facto de alguns deles pensarem que os resultados de alguns dos jogos da Liga dos Campeões ou de outras competições de elevado calibre são “falseados”. Alguns chegam a ter o desplante de assumir que certa equipa perdeu pelo simples facto de que apostaram nela, e que o mundo está contra eles.
Percebe-se quando o director da DSEJ, Sou Chio Fai, apelou aos jovens durante o último europeu de futebol que apreciassem o jogo pelo conteúdo, pelo espectáculo. É uma chatice enorme ensinar os jovens de Macau a apreciar a competição sem que dela possam sair necessariamente ganhos pessoais. Alguns dos meus amigos e colegas ficam embasbacados quando lhes conto que em Portugal há pessoas que jogam cartas sem ser a dinheiro, ou que normalmente ninguém joga no passeio da via pública, como se vê aqui com o mahjong ou o xadrez chinês. Devem pensar que somos malucos.
Sem querer fazer uma análise redutora, pois claro que nem toda a gente pensa a toda a hora no jogo, posso concluir apenas que "Macau sã assi". Como diz um velho provérbio chinês, “pode não haver dinheiro para comer, mas tem que haver dinheiro para jogar”. Não podiam ter escolhido um local melhor para implantar uma Meca do jogo.
Macau sã assim. E a China também, já agora. Só "concluir" é que não é com acento :-)
ResponderEliminarEh pá, este gajo é chato!
ResponderEliminarPrezado amigo, foi por acaso que cheguei ao seu blog, mas uma grata surpresa, pois posso saber dos acontecimentos e do dia-a-dia desse lado do globo, no meu idioma! Sou brasileiro, morador da cidade de Belo Horizonte/MG onde tenho em funcionamento uma web rádio - www.radiowebseculo-xx.org, que além da música brasileira, apresenta a world music de modo geral, inclusive a portuguesa! Tive o prazer de conhecer Lisboa,e mesmo não conhecendo Macau, fico a me perguntar, como alguém pode fazer tal troca de domicilio? Bem, motivos não lhe devem faltar, não é? Continuarei lendo suas boas crônicas e espero que ouça meu som.Um abraço! Ronaldo
ResponderEliminarBom texto. E um interessante ponto de vista real.
ResponderEliminarQuanto seria giro ver a Premier League de Macau cotada na MacauSlot...
AA
Interessante realidade.
ResponderEliminarÉ uma população que vive em função dos cifrões.
Se estes gajos sofressem como nós a ver a bola queria ver se ainda iam apostar...seria sofrer duas vezes. Já bem basta a diferença horária para nos deixar mal dispostos antes do jogo começar.
ResponderEliminarAnonimo Ronaldo de Brasil, fiquei chocado com a sua frase "como alguem pode fazer tal troca de domicilio?" Fica sabendo que viver em Macau e' mil vezes, se nao for mais, melhor do que no Brasil. E cada qual sabe onde gosta de viver. Aqui fica a sua resposta.
ResponderEliminarNão sei como é viver no Brasil, mas viver em Macau é mil vezes melhor que viver em Portugal. Falo por experiência própria.
ResponderEliminarCumprimentos.
Olá, Leocardo, estou de volta para me retratar com relação à comparação que fiz entre Lisboa-Macau, me perdoem todos voces leitores/internautas, mas isso se explica pelas poucas e nem sempre corretas informações que nos chegam do oriente, da mesma forma como vos chegam informes sobre o Brasil.
ResponderEliminarAbraço!
Ronaldo/Brasil
É uma questão de perspectiva. Nasci e vivi em Macau 17 anos e agora vivo em Portugal também já há mais de 10 anos e sinceramente penso que até é melhor viver em Portugal.
ResponderEliminarÉ mesmo uma questão de perspectiva. Eu, pelo contrário, vivi alguns anos fora de Portugal, depois voltei a pensar que ia gostar, e no entanto não descansei enquanto não me vi fora de Portugal outra vez. E agora estou em Macau, de onde só sairei quando já cá não me quiserem (e se isso acontecer, espero ter alternativa que não passe por Portugal).
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