quinta-feira, 15 de maio de 2008

Chamem a polícia


Quando voltei de férias de Portugal em 1998, cheguei a casa a tive uma surpresa assaz desagradável: tinham-me cortado a luz. Nem fazia ideia da data do pagamento da factura, tal era azáfama em preparar aquelas férias, que tinham sido as primeiras em três anos. No mesmo dia desloquei-me ao edifício da CEM, na Estrada D. Maria II, com o intuito de regularizar a situação. O que mais me irritou nem foi bem a distração, mas estando em Agosto, no pique do calor, escusado sera dizer em que estado estava a comida deixada no frigorífico…

Uma vez lá chegado a fila era enorme. Tinha pelo menos trinta pessoas à minha frente, e estava aberto apenas um balcão. Passados cinco minutos ouço um burburinho na frente da fila. Um indivíduo mal encarado que passeava de um lado para o outro aproveitara cobardemente o facto de ser um velho o próximo a ser entendido, e intrometeu-se na sua frente. Este reclama, mas só para ouvir um rol de obscenidades do tal malandreco, que de olhos esbogalhados e antena do telemóvel quase a tocar a cara do velho, insultava-o a viva voz perante o silêncio gélido dos outros penitentes, e a passividade do segurança, que diga-se de passagem já tinha idade para ficar em casa a tomar conta dos netos.

Muitos dos leitores devem conhecer histórias deste tipo, do tempo em que as seitas mandavam e agiam em plena luz do dia. Era comum assistir a cenas em que fulano ameaçava outrano com frases do tipo “olha que eu sou da associação secreta!”. Claro que este indivíduo a que me referi na história acima não passa de um triste com a mania das grandezas. Um verdadeiro mafioso, com classe, não incomoda o peixe miúdo, e muito menos vai pessoalmente à CEM tratar das contas. Mas muitos eram assim, só porque conheciam alguém que conhecia alguém que estava ligado às seitas, ou porque alguma vez tratou com as ditas, julgava-se um grande senhor, de “respeito”.

E não se importavam de demonstrá-lo, ou dizê-lo a viva voz. Eram facilmente reconhecíveis pela indumentária comprada na “Gangsters’r’us”, a camisa toda branca ou toda preta, calças e casaco de fato, óculos escuros quase maiores que a cara, telemóveis às vezes debroados a diamante (ou vidro…) na mão, numa época em que a moda dos telemóveis tinha acabado de começar, carros vistosos, e às vezes mesmo descapotáveis. Lembro-me uma vez de ter ido ver o filme “Casino”, de Martin Scorsese, no Jaialai, e a sala estava repleta de gentinha desta, que com os pés em cima da cadeira da frente e cigarro nas beiças, tentavam aprender qualquer coisa com os malandros de Las Vegas.

O mais triste era ver os mais jovens a enveredar por este caminho. Das poucas vezes que fui ao extinto Heavy Club, ali à Avenida Sidónio Pais, era uma lástima vê-los a consumir drogas no meio da discoteca, à frente de toda a gente. As casas de banho eram uma autêntica confusão, com rapazes e raparigas distribuídos por ambas, ignorando as mais básicas regras do civismo, e comportando-se como autênticos marginaizinhos. E quem eram aquelas meninas, todas produzidas, bimbas da máfia, que já não tinham idade para estudar e de certeza que não trabalhavam, dada a frequência e as horas que frequentavam aquelo antro de vício.

Ainda é possível encontrar alguns destes carapaus de corrida em Macau hoje em dia. Gente que toma tudo como desaforo, que tem uma fixação doentia em "salvar a face". Ainda no outro dia assisti uma cena perto do antigo Tribunal de Base, em que um malandrim confrontava um motociclista no sinal vermelho, ameaçava, insultava-o, e não o deixava sair dali. Mas quem não deve não teme, e Macau já não é mais o faroeste. E como bons cidadãos que somos só temos um tipo de resposta para esta gentinha: "Ai o senhor é malandro? Então chamemos a polícia".

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