quarta-feira, 14 de maio de 2008
Amigos, amigos, sensibilidades à parte
É inevitável fazer comparações entre as duas catástrofes naturais que assolaram esta região do Globo este mês: o ciclone na Birmânia e o terramoto em Sichuan, na China. Comparações não ao nível do número de mortes ou da intensidade da tragédia, mas às reacções dos respectivos Governos destes dois países. Para quem morreu, claro que já não interessa; uma vida humana é uma vida humana, independente da sua condição ou trato. A morte continua a ser um insondável mistério, e para quem não tem fé, tudo se resume aos parcos anos da nossa passagem por esta Terra. Mas é o que se pode fazer para amenizar a dor e reabilitar os aflitos que faz toda a diferença.
Na Birmânia (e insisto em chamar-lhe Birmânia e não Myanmar, uma vez que não reconheço autoridade a quem rebaptizou o país) a junta militar que manda com mão de ferro parece nem querer admitir que houve uma tragédia. A ajuda internacional que tão reticentemente aceitaram parou na burocracia dos aeroportos, com a clara intenção de não a deixarem entrar. Os trabalhos de busca e salvamento são feitos à mão por monges descalços. Dos militares, saudáveis e bem alimentados, nem sombra. A ideia do regime parece ser a de não deixar quaisquer testemunhas da calamidade, sejam estrangeiras, não as deixando ver, ou locais, deixando a fome e as pestes tratarem do resto.
Na China o primeiro-ministro Wen Jiabao chegou ao lugar da calamidade em menos de duas horas, e tem dirigido pessoalmente os trabalhos. A informação era actualizada ao minuto, as embaixadas e consulados inteiraram-se rapidamente da situação dos seus cidadãos nacionais, o exército ocorreu em massa e a ajuda humanitária vai chegando em catadupa. Isto tudo no espaço de dois dias. As agências noticiosas não tiveram qualquer problema em divulgar o número de vítimas mortais, os turistas foram postos a salvo e os jornalistas andaram por onde muito bem lhes apeteceu. As comparações com o terramoto de Tangshan em 1976 foram inevitáveis. Muito mudou na China nos 30 anos que separaram estas duas tragédias.
Diz-se que podemos conhecer uma pessoa através dos seus amigos. A China tem mantido sempre cordiais relações de amizade com a junta que (des)governa a Birmânia há mais de 40 anos, mas as diferenças são bem patentes. Não seria necessário um grande esforço diplomático para que a RPC se demarcasse deste e de outros regimes idênticos, uma vez que consegue ser superior a eles a vários níveis. Nem era necessário “tirar-lhes o tapete”. Bastava simplesmente voltar-lhes as costas. Até porque a História já ensinou lições muito importantes: foi a União Soviética estalinista, o Cambodja de Pol Pot ou a Roménia de Ceausescu.
Tenho, realmente, de apreciar a sua clarividência. Não misturou aqui todos os regimes comunistas, que é tendência generalizada do "mainstream". Falou dos mais sanguinários e alertou para as diferenças. E, em relação à China, criticou apenas o que há para criticar: o apoio que dão aos assassinos da Birmânia. De resto, as diferenças, como bem apontou, são enormes. Parabéns pela lição, embora eu esteja convencido de que não vão faltar por aqui os comentários daqueles que se entretêm sempre a meter tudo no mesmo saco.
ResponderEliminarSim, tirando o apoio à junta militar da Birmânia, a China é um regime exemplar. Muito bem. Ops, ia-me esquecendo do apoio ao Sudão que chacina centenas de milhar de inocentes no Darfur, ao Zimbabué de Mugabe ou à Coreia do Norte. Ou será que estou a meter tudo no mesmo saco?
ResponderEliminarAnónimo das 5:58: quando digo "Não seria necessário um grande esforço diplomático para que a RPC se demarcasse deste e de outros regimes idênticos...", estou a incluir esses todos que referiu. Mas o caso em análise é o da Birmânia.
ResponderEliminarCumprimentos
O meu comentário era para o anónimo das 3:56.
ResponderEliminarAnónimo das 5.58: Não, não está a meter tudo no mesmo saco, esses todos de que fala (e que a China apoia) são regimes parecidos. Mas o regime chinês de hoje, se comparado com esses outros, demarca-se pela positiva. Se condenar a China pelo apoio a regimes sangrentos, tem toda a razão, desde que não se esqueça de condenar também os Estados Unidos e outros países europeus que não têm feito outra coisa ao longo da sua história se não dar o seu apoio a regimes muito parecidos com estes (claro, com a diferença de não serem comunistas).
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