quarta-feira, 16 de abril de 2008
Para além da pena de morte
A Amnistia Internacional divulgou os habituais números da pena de morte, que mais uma vez deixam a China em maus lençois, no que toca ao cumprimento dos direitos humanos, versão Ocidental. Dos 1200 executados em 24 países no ano de 2007, a China lidera com 470 execuções, seguida do Irão. Queria deixar claro, antes de mais nada, que sou contra a pena capital. No entanto é preciso tentar perceber as causas sociais e culturais por trás de um castigo que parece ser, à maioria de nós almas livres e democráticas, um acto de desespero.
Lembro-me de ter havido há uns tempos em Macau uma acesa discussão sobre o tema, nos anos anteriores à transferência de soberania. Lembro-me também das palavras do dr. Henrique de Senna Fernandes naquela altura: “a pena de morte está demasiado enraízada na cultura chinesa”. Só isto é já meio caminho andado para explicar um problema que, no fundo, e perdoem-me se já ouviram isto em qualquer lado, é apenas problema da China e assunto interno das suas gentes.
É preciso lembrar em primeiro lugar que na China vigora a prevenção geral, ao contrário das nossas democracias ocidentais, onde se crê na reabilitação do indivíduo, na prisão perpétua e nas virtudes do arrependimento. Na tal prevenção geral “exige-se justiça”. E isto tem muito que se lhe diga. Num crime de sangue, de flagrante delito, como se sentem compensadas as famílias das vítimas? Quem lhes vai explicar que o indivíduo ou indivíduos que perpetraram aqueles crimes podem sair um dia em liberdade?
E não se trata de nenhuma surpresa para ninguém. A pena de morte vigorou sempre na China, desde os tempos mais remotos, e nem há registos que nos deixem saber se hoje ela é aplicada de forma mais ou menos suave. É certo que a sua aplicação pouco inibiu os cidadãos chineses de praticar crimes, mas por outro lado, a consistência com que os números surgem todos os anos na AI e pintam as estatísticas de preto, levam-nos a questionar o conceito da santidade da vida humana que nos é tão querido e especial.
Os casos de corrupção mais graves, por exemplo. Trata-se aqui de roubos de milhões de yuans, em que os seus autores, mesmo conscientes das consequências que daí poderão advir, não se inibem de praticar. E não me venham dizer que é “incompreensível” a aplicação da pena de morte nos casos de corrupção. A corrupção é um mal terrível que mina a sociedade, responsável pela pobreza e em muitos casos a própria morte das populações onde alastra. É um mal tão grave ou pior que o próprio homicídio.
Sem dúvida que para nós, que crescemos em liberdade (ou pelo menos vivemos a maior parte das nossas vidas), com valores materiais e humanos completamente diferente dos chineses e outros povos dos países onde vigora a pena capital, custa-nos aceitar que alguém possa ser julgado sumariamente e executado no mesmo dia, com o tenebroso negócio do tráfico de orgãos humanos à mistura. E mesmo que as autoridades chinesas venham agora prometer que “vão usar mais ponderação” nas suas decisões, isso faz-nos lembrar o elevado grau de ponderação utilizado pelo ex-governador do estado do Texas e actual presidente dos Estados Unidos, que afiançava “analisar todos os casos cuidadosamente”.
E a vontade popular? Só porque o Governo chinês afirma que a pena de morte colhe a aceitação da generalidade da população chinesa, isso é necessariamente mentira? As Filipinas foram o primeiro país asiático a abolir a pena de morte em 1987, e depois de um aumento drástico da criminalidade violenta, foi reinstituida em 1994, sendo então o único país do mundo a voltar atrás. Em 2006, por pressão da Igreja Católica que ameaçava destituir Gloria Arroyo por fraude nas eleições de 2004, a actual presidente voltou a abolir a pena capital, e comutou a pena a 1200 prisioneiros por crimes de sangue, o que causou a ira da população.
Na China existem ainda, em pleno século XXI, casos de pirataria dos mares, pilhagens, saques a aldeias inteiras e outros crimes hediondos. A população convive com a lei assim como em muitos outros países do mundo, alguns deles ditos democráticos (ver aqui o mapa dos países onde ainda se aplica a pena de morte, lembrando que o mundo não é só a Europa), aceita, e está consciente das consequências dos seus actos. Parece até a opção mais acertada, até a mais humana, atacar a China por causa da pena de morte, mas se os processos são segredo de Estado, e a sua natureza é desconhecida, o que nos faz julgar que é aplicada erradamente? E sem conhecimento de causa?
Mas supreende-me a hipocrisia da Amnistia Internacional. Já nem falo dos Estados Unidos, bastião das liberdades e direitos humanos, e os seus corredores da morte. No caso da Arábia Saudita, essa ditadura sanguinária, onde mais se aplica a pena de morte per capita, os executados são decapitados, os ladrões vêem as suas mãos decepadas e os homossexuais são internados em hospitais psiquiátricos, os números parece que não contam. E o país árabe sai das estatísticas com um sorriso nos lábios e uma maior sede de sangue, enquanto o mundo se entretem a apontar o dedo à China.
Caro Leocardo,
ResponderEliminarpara quem, como você, diz que é contra a pena de morte, este post parece-me um excelente exercicio de defesa da pena de morte. Ou melhor, em defesa da pena de morte na China. Pois ela já não lhe parece tão justificada nos Estados Unidos ou na Arabia Saudita.
Não da forma hipócrita como os Estados Unidos condenam a China ou da forma sádica como a Arábia Saudita executa os condenados.
ResponderEliminarEu não sou a favor da pena de morte, sou sim pelo cumprimento da lei nos países que me acolhem. E um pouco de conhecimento da realidade local também ajuda.
Cumprimentos
Todos nós somos pelo cumprimento da lei, o que não quer dizer que concordemos com ela.
ResponderEliminarAs leis do apartheid ou as leis que discriminavam judeus na alemanha nazi tambem foram cumpridas com bastante zelo por parte das autoridades.
E essa historia das realidades locais tem muito que se lhe diga.
Consegue-se sempre arranjar argumentos para justificar barbaridades
Caro Leocardo
ResponderEliminarEste seu post lembrou-me algo que me foi dito há 25 anos em Macau quando fundei com outros carolas a Associação de Patinagem. "Vocês estão condenados à morte. O Hóquei em Patins não vai vingar aqui".
Regozijei-me ao ler no 'Hoje' que a APM tem um plano para tentar (pela enésima vez) expandir a modalidade na comunidade chinesa. Essa foi a minha grande divergência com os meus pares dirigentes da associação ao longo dos tempos. Eu entendia que o Hóquei em Patins não se podia resumir ao Tap Seac e que teríamos de ir patinar para os bairros chineses, para Zhuhai e até para Cantão.
Hoje li que o actual presidente da APM está muito esperançado com a jornada de promoção da modalidade que se realizará no próximo dia 1 de Junho. Mas, a notícia dizia que a jornada irá decorrer "no espaço fronteiro à Escola Portuguesa". Pois aí é que está o erro. Enquanto os chineses continuarem a pensar que se trata de uma modalidade desportiva de Kwailous, não vamos lá...
Abraços.
a favor da pena de morte a criminosos,
ResponderEliminarquem e' contra a pena de morte ainda nao sentiu na pele o que e' sofrer com as injusticas e as maldades feitas por gente sem escrupulos, quando sentirem a perda de alguem injustamente ja' vao querer a pena de morte, garanto.
e ja' agora a vasectomia para todos os pedofilos no mundo, outra hipocrisia humana do politicamente correcto, acabar com esses cabroes,
e pergunto ao contraditorio se tambem nao e' a favor?!
Percebo o seu texto mas não concordo consigo no ponto em que fala dos crimes patrimoniais. Se no caso do homícidio se pode argumentar (embora eu seja contra a pena de morte) em tirar a vida a alguém que já a tirou, no caso da corrupção não há nada que a justifique.
ResponderEliminarImagine que um empresário incompetente e sem escrupulos corrompe um oficial no sentido de lhe dar a concessão da construção de uma infra-estrutura, uma ponte por exemplo. O empresário recebe o dinheiro, descura a segurança e corta na qualidade do material. Durante a construção da tal ponte meia dúzia de operários morrem por falta de condições de segurança; mais tarde a ponte cai por falta de qualidade matando dezenas de automobilistas e transeuntes.
ResponderEliminarO mesmo exemplo de um outro prisma: essa empresa ganha a concessão de todas essas obras nesse país/cidade/território onde a corrupção é endémica. As outras empresas de construção têm que fechar portas, mandando para o desemprego, e em muitos casos para a pobreza, centenas, senão milhares de trabalhadores.
Claro que não estamos aqui a falar de milhares de patacas, mas de muitos milhões. Ainda acha que não?
continuando LEOCARDO...
ResponderEliminarimaginemos que o edificio star world da concessionaria galaxy cai', mesmo tendo um responsavel da galaxy chamado de incompetentes, mentirosos, loucos e irresponsaveis os tecnicos do laboratorio de engenharia de macau que de 3 em 3 meses estao a analisar o declive do edificio...estes responsaveis do casino teriam que ser liquidados, obviamente