domingo, 7 de setembro de 2014

GPDPide



O Gabinete de Protecção dos Dados Pessoais (GPDP) volta a estar na berlinda, pouco mais de uma depois de ter provocado um dos maiores "faux-pas" do ano (da história?) em Macau. O GPDP recebeu agora uma queixa quanto à utilização de "drones", pequenos aparelhos voadores não-tripulados, de que ouvimos falar pela primeira vez a propósito das incursões militares do exército norte-americano naqueles locais que não lembram ao diabo alguém meter lá os pés, tipo o Afeganistão ou aqueles sítios no Iraque onde só há pedras, e cabras, e os namorados das cabras, uns tipos com umas toalhas à volta da cabeça - e não foi por terem saído do banho, longe disso. Os drones vinham equipas com armamento, chegavam ali, entravam pelas cavernas e rá-tá-tá, limpava o sebo aos gajos. Fosse o "drone" capturado, não tinha maneira de confessar fosse o que fosse, e caso quisessem parti-lo aos bocadinhos (ou arrancar-lhe a cabeça, como é agora moda) não só não lhe doía como de onde aquele veio há muitos mais, e pode ser que um deles se "vingue" do seu irmão caído em combate.

Mas o que preocupa o GPDP (agora que há uma queixa) são os outros "drones", os mais pequenos e sem munições, a não ser uma câmera de filmar, e quando há coisas que voam e filmam, há gente preocupada que os filmem. É normal, podem estar a fazer qualquer coisa que não querem que alguém veja, ou que toda a gente veja, como meter o dedo no nariz ou a espreitar pelas fechaduras. Preocupados com o caso, os responsáveis pela protecção dos dados voltaram a emitir uma nota de imprensa, que se pode ver aqui. Uma nota menos vergonhosa e mais sóbria que as duas últimas, mas que mesmo não me deixa esclarecido quanto a 1) para que serve a lei dos dados pessoais e como pode ser interpretada (para qualquer coisa, começo a suspeitar) e 2) quais são as competências do GPDP. Começando por responder a esta última, temos o texto que é dado pelo Despacho nº 83/2007 do Chefe do Executivo, no seu ponto nº 2, e que nos diz o seguinte:

O GPDP é a autoridade pública a que se refere a Lei n.º 8/2005, exercendo as atribuições nela cometidas e responsabilizando-se pela fiscalização e coordenação do cumprimento e execução da referida lei, bem como pelo estabelecimento do regime de sigilo adequado e fiscalização da sua execução.

É bastante vago, temos que admitir, pois somos praticamente obrigados a recorrer à própria lei dos dados pessoais para saber se é legítimo o vice-coordenador andar aí pela rua com a polícia de modo a "coordenar o cumprimento e a execução da lei". Mas não é só isso que me preocupa, pois com a liberdade de fazer as interpretações que bem quiser, qualquer coisa pode ser passível de estar a violar a Lei dos Dados Pessoais. Aparentemente depende de quem estiver a fazer o quê. Não "o quê", mas "quem". Olhando para a interpretação desta nota de imprensa que fala dos "drones" que podem entrar pelo balneário das senhoras e filmar as bóias e a farfala das mesmas, lembrei-me disto:



Estão a ver? Pois, ignorem a voz daquele palerma, e vejam quantas pessoas aparecem neste curto vídeo. Cinquenta? Cem? Duzentas? Mais? Falo daquelas em que aparece o focinho, esse precioso "dado pessoal", que utilizei para "difusão (artº 3º, nº 2) e sem pedir autorização do "titular dos dados" (artº 6º). Agora pergunto eu: devia pedir o consentimento por escrito de cada um daqueles tipos, alguns deles (para não dizer quase todos), ou se quiser filmar sem me preocupar com o GPDP devia antes berrar bem alto: SAIAM TODOS DA FRENTE QUE EU VOU FILMAR, C...! E isto tanto serve para este vídeo para como uma fotografia qualquer onde apareça alguém que não é das nossas relações. Se um dia se quiserem juntar ao activismo, o melhor é apagarem tudo o que contenha outros que não vocês próprios, ou pessoas da vossa confiança. Repito: da vossa confiança. Mas parece que na sexta-feira, dia seguinte à emissão daquele comunicado, aconteceu mais qualquer coisinha.


Pois é, penso que a maioria dos leitores, assim como eu próprio, recebeu este SMS na última sexta-feira, enviado pela Direcção dos Serviços de Turismo, relativa ao Festival Internacionalde Fogo de Artifício, que tem amanhã o seu início. Alguns dos destinatários ficaram indignados ao receber a mensagem, e perguntaram logo "então como é, ó matulões do GPDP, vocês e os da vossa laia podem tudo?". Querem que eu responda mesmo? Podem, senão vejam:



E pronto, aqui está, levam com o artº 9º na tola e já almoçaram. Esta "Interconexação de dados pessoais" é a mesma lei que permite que sejamos filmados pelas câmeras que estão colocadas na rua, ou numa função menos obscura, que permite a transferência de dados como o nº do BIR, passaporte, salvo-conduto, etc. entre as entidades emissoras destes documentos e as autoridades. Acham que isto está em violação do artº 4º, e que o vosso número de telemóvel é um tipo de dado que esta lei não abrange? Ora, eles arranjam maneira de dizer que sim senhor, que é muito importante, isto dos fogos de artifício e tal, não vêem a malta toda a olhar para o céu e a dizer "uaahhh!!!". E não vale de nada socorrer-se da Lei Básica só porque vos pedem para votar num dos concorrentes, e ainda vos aliciam com "prémios" (cá para mim o juíz do concurso achou que aquilo era "parvo" e este ano não está para isso, e precisam que as pessoas votem; noutro ano qualquer diria que ganhava a China, mas este ano não sei). De nada vale dizer que o "concurso de fogo de artifício" não está previsto na Lei Básica, e por isso é "ilegal".

Se quiserem mesmo saber o caldinho em que estamos metidos agora com isto dos dados pessoais, recomendo que consultem na página do GPDP a secção de Pareceres, Decisões e Autorizações que aparece no lado esquerdo do ecrã, bem como os Resumos dos Casos, e vejam como isto é tão relativo, que o próprio Einstein ter-se-ia dedicado à floricultura em vez de elaborar a sua famosa teoria da relatividade. Ao pé deste GPDP, o CCAC são anjinhos (e são, coitados, anjinhos paraplégicos). Não se admirem se forem assaltados um dia no autocarro por um carteirista, e este retire o dinheiro e volte a meter-vos a carteira no bolso, não vá ser apanhado pelo GPDP. Mas pensam mesmo que é assim, que vocês se queixam de qualquer coisa e eles mandam lá o "Data team" para "proteger os vossos dados"? Exprimentem chegar lá e dizer que deram o vosso número de cartão de crédito a um "site" porno e que agora está nas mãos de uns gajos quaisquer na Nigéria. Ainda vos interpretam para lá um artigo de forma a que se entenda "quem te mandou seres tarado, ó palerma?". Pois é, assim a resposta àquela pergunta 1) para que serve a lei dos dados pessoais e como pode ser interpretada está encontrada: para nos f... .

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