segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Os velhos que trabalhem, ora
No seu último artigo para a revista Visão, reproduzido na edição de hoje do Hoje macau, o humorista Ricardo Araújo Pereira faz uma série de sugestões de como resolver o problema das pensões e das reformas. O "Gato Fedorento" recorre à sua habitual ironia para sugerir formas de nos "livrarmos" desse peso fiscal que são os aposentados, que teimam em continuar vivos, muito além do prazo de validade, e, imaginem, têm o desplante de exigir o dinheiro que descontaram durante uma vida inteira de trabalho. Com as baixas taxas de natalidade, o envelhecimento da população, e o aumento da esperança média de vida, o que fazer para que exista liquidez nas contas do Estado quando chega a hora de pagar as reformas? Simples: os velhos que trabalhem. Eles e só eles. Trabalhem até à morte, caraças!
A este ponto já estão alguns leitores a pensar: "Olha, o Leocardo passou-se de vez, ou está armado em parvo como é costume". Nada disso. Escutai, ó vis ignóbeis, e interpretai cada pérola de sabedoria deste vosso mais que tudo qual verbu divinu. Temos feito tudo ao contrário. Chegámos ao "buffet", enchemos a barriga com os pudins e não deixámos espaço para o resto. O que eu quero dizer é: goza-se primeiro, trabalha-se depois. Simples, estuda-se até aos 18 anos, ou até aos 25, no limite, caso se opte pela formação universitária - o que é sempre uma boa ideia, pois o saber não ocupa lugar. Depois curte-se a vida até aos 50 e tal ou 60, e depois trabalha-se até aos 80 e muitos, descontando para as gerações seguintes que estão ocupadas a curtir a juventude e a gozar a vida. A sucessão é garantida pelos adultos ociosos na casa dos vinte, trinta e quarenta, e quem paga tudo são os velhos, que depois de uma vida de curtição, devassa e luxúria, pagam a dívida até serem cobertos com umas pazadas de terra.
É difícil mudar tudo agora, assim de repente, e demoraria várias gerações até levar a cabo o plano na sua totalidade. Mas pensem nas vantagens. Aproveitava-se o esplendor da vida no ócio e na paródia, e logo que a artrite, o reumatismo e a disfunção eréctil ditassem as regras, toca a trabalhar para pagar a dívida, e proporcionar as mesmas vantagens aos que nos seguem. Imaginem que bom que era: os (poucos) jovens a curtir a vida na sua plenitude, e os (muitos) velhos a pagar-lhes as contas através do trabalho. E depois sucediam-se; velhos quinan, novos tornam-se velhos e filhos vivem da taxação dos pais. Lindo, lindo. Um homem chega aos 50 e poucos, e em vez de dar uma festa de despedida depois de anos de trabalho, pele encarquilhada e cabelo branco depois de desperdiçar a juventude às mãos do sacana do chefe e sujeito à filha-da-putice dos colegas, anuncia a sua empregabilidade: "a partir de hoje a festa acabou, toca a trabalhar". Dos fins-de-semana em Ibiza e dos verões em Punta Cana pagos pelos velhotes que bateram a bota e que agora ele substitui, ficam as memórias, e valeu mesmo a pena.
Claro que vamos encontrar problemas, os mesmos de agora, mas ao contrário. Os velhos vão-se queixar dos jovens na mesma, mas do lado do cima: "é uma chatice; vamos para o trabalho muito devagarinho, alguns de bengala e canadianas, e quase somos atropelados por esses jovens inúteis e as suas aceleras!". Os idosos mais abastados, proprietários de condomínios de luxo, não vão querer universidades nas redondezas, pois os jovens "desvalorizam o seu investimento". Os jovens vão protestar pela falta de "pubs" e discotecas, perante a hegemonia dos centros de dia: "Mais concertos "rock" e festivais de Verão, menos bailaricos!", gritarão eles. Enquanto actualmente muitos funcionários de aposentam por motivo de invalidez, nesta nova ordem vamos ter jovens na casa dos trinta a deixar a boa vida, fartos das noitadas e do sexo casual, e a prentender entrar no mercado de trabalho, ainda bronzeados do sol do sul França: é o emprego por motivo de tédio.
O impacto vai-se sentir nas relações humanas; duas colegas sexagenárias trocam mexericos no escritório, e uma delas confessa que "está a sair com um rapaz de vinte-e-tal anos", a outra, em choque, aconselha-a: "vê lá o que estás a fazer; esses rapazes só se querem aproveitar da tua experiência, e só pensam em sexo! fazem-no três vezes por dia!" - "Tens razão", diz a outra, envergonhada - "sou mesmo estúpida". E se ainda dizem que são os ricos que pagam a crise, porque não os velhos também? Vivam primeiro, aproveitem a Primavera da vida para fazer as vossas maluquices, e depois terminem em beleza trabalhando, uma actividade ideal para gente acabada, engelhada e descaída. A única excepção pode ser feita aos desportistas, que dependem da agilidade e da frescura física, dos músicos, actors e outros artistas, que fazem o que lhes apetece e ganham rios de dinheiro, e por isso a crise passa-lhes ao lado. Ah sim, ia-me esquecendo da mais velha profissão do mundo. Quer dizer, haja um pouco de bom senso, não é? Alé disso estas não descontam para a caixa...
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