quarta-feira, 8 de junho de 2016

Provedor do Leitor



Do artigo Tiananmen, e mais além recebi o seguinte comentário:

Anónimo disse...

"Toda a história da China, e são cinco mil anos, é feita do exercício totalitário do poder, sem lugar a uma oposição com voz, e muito menos na disposição de dialogar com ela. É na base do "quem não está connosco, está contra nós". Cinco mil anos. Como é que se vai implantar um regime democrático de matriz ocidental, parlamentar, e com eleições livres e sufrágio universal? "

Ai sim?? Então e os Chineses de Taiwan? Não fizeram também parte desses tais cinco mil anos de história?? E não tiveram mesmo assim coragem de avançar com as primeiras eleições directas em 1996?? E não foram também capazes de ultrapassar as grandes convulsões e polémicas dos primeiros actos eleitorais (com seitas secretas, compras de votos e tudo o mais à mistura)?? E não conseguiram passo a passo, lentamente amadurecer e tornar-se no caso de sucesso que temos hoje??

Já sei, vai dizer que são escalas completamente diferentes e que a China é um país bastante mais heterogéneo. Mas também o são países como a India ou a Indonésia (segundo e quarto mais populosos do mundo)! E não conseguem funcionar também com o seu modelo de democracia?

Esta lógica de que os chineses não estão preparados para a eleger livremente os seus líderes é como uma pescadinha de rabo na boca, um ciclo vicioso que acaba por ser um contrasenso.

Não estão preparados e portanto não é ainda altura de iniciar um processo democrático. E como não se inicia o processo, eles continuam a não estar preparados, e por aí adiante...

A verdade é que em pleno século XXI, a China é a única potência mundial que ainda mantem um regime autoritário. Ora, isto é como uma panela de pressão, onde as eleições de 4 em 4 anos são como a válvula de escape das frustações da sociedade. Na China não existe essa válvula... Com o abrandamento da economia, vamos ver quanto tempo isso vai durar.


Podia simplesmente remeter para  a leitura do artigo em causa para que ficasse demonstrada a falácia deste comentário que desdiz por desdizer, mas assim divirto-me mais, por isso cá vai.

Começo a pensar que devia mandar o rigor à fava, e para este artigo em vez de 2189 palavras bastavam menos de 20 para este camarada entender exactamente a mesma coisa: "O regime chinês é tipo, duhh, mas também os democratas, hello! E o quê, os chineses a votar? LOOL!". Já sei, "sou arrogante", mas antes isso que desonesto - agora tomar os outros por atrasadinhos mentais é alguma carreira com muita saída, é isso? Pergunta mais descabida; é não só uma opção convidativa de um emprego bem remunerado, como ainda parece que há pessoas que nasceram com um dom natural para a coisa.

Ora bem, "e os chineses de Taiwan?", pergunta o leitor, como quem dá a entender daquela passagem que reproduziu de forma completamente descontextualizada de que não fiz qualquer menção à ilha nacionalista. Espera lá, "ilha nacionalista"? Cinco mil anos? Para bom entendedor, meia palavra basta, portanto peço aos bons entendedores um favor: que façam um desenho aqui a esta alminha confusa? E ainda bem que vai buscar o exemplo de Taiwan, que aproveito para cruzar com o exemplo de Macau, que caso não saiba, também realiza eleições directas e com o sufrágio universal e tudo, ena! Acontece então que a "cultura democrática" dos chineses de Taiwan, com um tradição que remonta ao longínquo ano de 1996, como você refere e tudo, é tão exemplar, que os candidatos casineiros e outros para os quais isto de eleições é "uma formalidade chata", contratam da ilha "especialistas" em "métodos democráticos" de modo a que a população "vote em consciência"...neles.  Ainda bem que Macau é o que é, e além da exiguidade há ainda o facto das tais eleições decidirem apenas alguns lugares no órgão legislativo, que nem a metade chegam, senão íamos ter "lições de democracia" como aquela que Chen Shui-bian demonstrou na perfeição, a do "candidato mártir". Se estou a dizer que ele se sujeitou voluntariamente a levar um tiro? Sim, e sabe-me dizer quem é que tinha interesse em que ele morresse, e assim não pudesse continuar a "distribuição da fruta"? Um "amante da democracia", se calhar, não?

Agora mais a sério. Pergunta você "se eles ultrapassaram" tudo isso da corrupção eleitoral, e compra de votos e todo aquele chinfrim. Eu diria que não, e de facto Taiwan não é propriamente um bom exemplo, e desconfio que só se submetem a isto para poderem continuar a contar com a aquiescência dos Estados Unidos, que como deve saber são uma das partes interessadas em que Taiwan exista nos moldes que conhecemos. De outra forma, e pudessem eles subsistir sem esse apoio, e tenho sérias dúvidas que se incomodassem. E pergunto eu: quando é que pensa que a China "ultrapassaria" as dificuldades, e que com que tipo de problemas pensa que se ia debater? Sem qualquer pitada de exagero, este seria o cenário na eventualidade de se realizarem eleições na China nos trâmites que defende: milhares de partidos, uma vez que existiria o "direito de eleger e de ser eleito", então para quê sentar outro rabiosque no cadeirão do poder, se cada um pode sentar o seu?; candidatos rivais a matarem-se uns aos outros, bem como a eleitores que não conseguissem convencer; corrupção eleitoral a dar com um pau, e boa sorte em conseguir explicar às populações rurais que o seu voto, que é 1 (um) pode "mudar" seja o que for, e que deve investir nessa perspectiva em vez de receber uma nota de cem yuan logo ali e naquele momento; na eventualidade de se conseguir ainda assim levar com tudo aquilo adiante, julga que os candidatos derrotados vão aceitar democraticamente os resultados, ou que nascerão coligações em nome da governabilidade do país? Uma guerra civil, isso sim! E faça favor de não me apontar o dedo, uma vez que deixei além bem claro que esta falta de cultura democrática é sobretudo por culpa do regime, mas esses estão a fazer apenas o seu papel.

Eu não sei quanto ao senhor, mas eu não acho que valha a pena um banho de sangue, e sabe-se lá durante quanto tempo, só que para que o mundo durma mais descansado porque "há eleições na China". Não sei, talvez porque apesar de tudo adoro este povo, entre o qual há muita gente jovem, inteligente e com um futuro pela frente, que me fazem crer que algo pode mudar. Agora não me venha dizer que isto é assim, sempre em frente e pé no acelerador sem se importar com o muro que tem pela frente, ou com essa arrogância paternalista de que o que é bom para o Ocidente também só pode dar certo na China. Olhe que ensinar alguém a nadar atirando-o simplesmente ao mar pode ser perigoso, especialmente se esse mar estiver infestado de tubarões. Os dois exemplos que deu, da Indonésia e da India, foram tão infelizes que se saía melhor se usasse o exemplo da Rússia - podem ter sido uns bons 10 anos com a máfia a mandar naquilo, mas pergunte lá aos russos se não estão todos contentes com a sua "democracia"? A India e a Indonésia obtiveram a sua independência de potências colonialistas europeias, e assim sendo estava à espera do quê? Que preferissem um regime autoritário e totalitarista a continuarem sendo colonizados? E finalmente, essa de no século XXI a China ser a única potência mundial a manter um regime autoritário é já por si discutível, mas a China é única em muita coisa. Agora essa das eleições de 4 em 4 anos poderem servir de "escape", e assumindo que ainda estamos a falar da China, deixa-me intrigado: como sabe, se nunca realizaram eleições nestes termos em cinco mil anos? Ah, está só a "supor", a "adivinhar", assim como deixa também um generoso prognóstico para o crescimento económico do país. Deus lhe retribua em dobro tudo o que deseja, amigo. Boa noite e passe bem.

Leocardo



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