domingo, 13 de março de 2016

Falemos de nós - de mim e de vocês


Oh, mas o que... ai eu não posso! Outra vez?!?!

Boas. Começo por cumprimentar todos leitores; os regulares, que ainda vão sendo alguns, e sei que os há, e só é pena que não possamos trocar impressões directamente, mas entendo as vossas razões, mesmo que não as partilhe e as considere injustificadas, mas disso falamos depois; os ocasionais, que vêm aqui espreitar, e havendo tantas outras plataformas de redes sociais, já é uma grande honra para mim que aqui venham ler os meus disparates de quando em vez; os curiosos, para o bem ou para o mal, e entre últimos os que vêm aqui ver se me "apanham", são todos bem vindos, bem como quem aqui vier "cair" por acidente. A todos um bem haja, e ainda bem que aparecem: hoje queria falar um pouco mais a sério. Eu sei que não sou normalmente "sério", e para alguns isso é "mau", mas a verdade é que desde sempre tomei a vida com uma colher de açúcar. Tenho a convicção que deste jeito se não viver mais tempo, pelo menos aproveito melhor aquele que tenho, e o que me resta. Não estou aqui a despedir-me, sei tanto se vou morrer amanhã como qualquer um de nós, mas não tenho nenhuma razão especial para temer a morte, e não vou acabar com o blogue nem nada. Só gostava de ter um conversa que se calhar devia ter tido há mais tempo, mas pelos vistos até isto levo menos a sério que muita gente. Então aqui vai.

Vão-se passar dez anos no próximo dia 26 desde que criei este personagem, o Leocardo. Foi um bocado à pressa, numa tarde de Domingo durante uma folga dos estudos, para um exame que tinha na terça-feira dessa semana. Já tinha tentado "arrancar" com um blogue, e cheguei inclusivamente a começar um em inglês que não teve continuidade porque - e juro que isto é mesmo verdade - esqueci-me do password da página, que não me recordo se era da Blogger ou outra. A verdade é que nunca tive nem o tempo nem o engenho para me dedicar a uma tarefa dessa envergadura, e havia de se revelar isso mesmo: de grande envergadura. Podem pensar o que quiserem, acreditar ou não, mas o anonimato foi completamente acidental. Nunca, mas nunca me passou pela cabeça ter o impacto que recentemente soube que a personagem e o blogue tiveram, especialmente entre 2008 e 2011, altura em que fiz uma longa pausa para regressar em 2012, quando a minha identidade era já conhecida. O anonimato não foi premeditado, e talvez se tenha pensado que a ideia era cometer inconfidências ou "cortar na casaca" sem acarretar com as consequências. Na altura em que notei um certo desconforto da parte de algumas pessoas, estava seriamente a pensar em identificar-me, ou "desaparecer" tão depressa quanto apareci, mas após alguma ponderação, cheguei à conclusão que uma coisa levaria inevitavelmente à outra, e por isso fiquei como estava. E assim nasceu o monstro.


Urge alargar os horizontes, ter uma perspectiva do topo...da Guia.

Hoje só me arrependo do que não fiz, e a quem devia satisfações, tive a humildade para me retratar, e a felicidade de ver aceites as minhas desculpas e entendidas as minhas razões. Se a alguém fiquei a dever alguma coisa, não deve ter sido nada por aí além - todos sabem que estou disponível, e se não entenderem assim, paciência, é uma opção pessoal da vossa parte. Entendo bem, muito bem até, porque há pessoas que preferem ignorar, relativizar, ou até engolir um ou dois sapos, pois foi essa percepção que me levou a iniciar um blogue onde fiz o que ninguém até então se tinha "atrevido" a fazer. Fui isso mesmo, um atrevido. Mas a minha motivação era outra, a de guardar um registo diferente, algo que não conseguia encontrar e que ninguém mais fazia - e não sei porquê - ou citando Benjamin Disraeli, um dos primeiros-ministros britânicos da era vitoriana: "Quando quero ler um bom livro, escrevo-o"; aqui com pequeno "twist", é claro. Gosto de ler, praticamente tudo o que esteja bem escrito e possa despertar algum interesse, mas hoje orgulho-me de olhar para o arquivo do Bairro do Oriente e ver um legado que deixei a mim próprio, primeiro, e depois a quem o quiser adoptar. Penso que há um pouco de tudo para todos. Às vezes olho para algumas coisas que escrevi e encontro umas de que já me tinha esquecido, outras que me dão vontade de rir, outras ainda que hoje talvez não tivesse escrito daquela forma, e ainda algumas em que sinto mesmo que mudei de opinião - a gente muda, e nem sempre isso é sinal de inconsistência. Não gosto da palavra, mas pode ser um sinal de "maturidade". Não gosto porque me faz sentir velho, chato e refilão, alguém que quer ter sempre razão, e que a certo ponto as pessoas começam a desistir de convencer seja do que for, ou fazê-lo ver que está errado. Eu também erro, é lógico - toda a gente erra.

Errar é humano, mas errar constantemente e não querer dar o braço a torcer é ufano. Para não tornar a elaboração deste espaço um exercício de onanismo mental, desde a primeira hora escolhi duas pessoas a quem confiar o "segredo" (passou a ser, eventualmente) da minha identidade, e curiosamente duas mulheres: a que é casada comigo, e a quem seria complicado explicar o que me levava a passar por vezes duas ou três horas do serão ao computador, e uma colega, a pessoa mais discreta que já conheci, e que arrisco a dizer que nem sob tortura ia revelar quem eu era. Esta minha colega era a pessoa ideal para eu medir a aceitação do blogue, e sabem o que mais? É uma das católicas mais devotas que eu já conheci, topo de gama da fábrica de lavagens cerebrais da doutrina, e que nem sempre ficava indiferente aos meus "encontrões" com a sua fé - mas aí está: conhece-me, e mesmo aquilo que ela considerava "deboche", eu ia conseguindo fazer passar com a explicação dos motivos da abordagem e a perspectiva por onde olhava este ou aquele tema considerados "tabu". E olhem que não a enganei, nem a tomei por tolinha, e já me posso dar por feliz que ela "discorde mas aceite". E o que mais podia querer eu? Não tenho jeito para desevangelizar, nem um arrancador de dogmas ou aspirador de catolicismos. A minha mulher foi o balanço que eu precisei para que o blogue cumprisse o seu lado sínico de Macau sem cometer "gaffes" de maior. Claro que há ideias e opiniões pessoais com que nem toda a gente concorda, ou que até requeiram um gosto "exótico" para poderem ser digeridas, mas no que toca aos aspectos da mentalidade chinesa que aqui tratei neste espaço, podem crer que por mais que esperneiem, dificilmente me poderão desmentir. É que além da minha "sinóloga de serviço", como eu a cheguei chamar aqui no blogue, comecei ainda a procurar saber o que pensavam os meus colegas e conhecidos chineses, sempre sem querer parecer que estava a questioná-los. Da parte que falo de Macau, e da qual alguns textos são uma espécie de "jóias da coroa" do Bairro do Oriente, consegui informações preciosíssimas conversando com colegas macaenses, que me contaram episódios que tinham passado com eles, e que no contexto do tempo em que os situavam, estimulavam a imaginação, e permitiam-me juntar as peças a um "puzzle" de muitos passados e diferentes vivências, encaradas de forma diversa, que me ajudaram a entender melhor o presente. E depois há o x da questão: a comunidade portuguesa.

É aqui que quero chegar, pois falar da comunidade portuguesa é e foi sempre mais complicado do que falar de outra coisa qualquer. Esta semana fiquei a par de mais um lamentável incidente, e que sinceramente gostava de poder dizer que estou "chocado", ou "surpreendido", mas não posso. O que estou é triste, primeiro, pois atingiu uma boa pessoa, inocente e bem intencionada, e revoltado, pois veio revelar o lado péssimo de certas figuras, mesmo que algumas delas não tivessem no meu cartório um registo imaculado, mas isso é um problema que só a mim diz respeito. O mais chato foi mesmo ter ficado alguém magoado, pelo menos no seu orgulho e quem sabe na sua idoneidade, e logo numa fase em que não convinha nada ter que lidar com este tipo de "sujidade". E para quê? Para nada! Nada de nada, zero, népias, niente, nich, na-di-nha. Uma vergonha que tanta gente aparentemente com idade para ter juízo se tenha comportado desta forma tão agreste, tão inculta. Fosse eu mandar nisto tudo (expressão que já ouvi por aqui muitas vezes) e havia gente que ia precisar de sentar no canto da sala, virado para a parede com umas orelhas de burro presas à tola. Se calhar alguns já sabem do que estou aqui a falar, ou neste caso do quê: uma tese académica que se debruça sob o tema da comunidade portuguesa em Macau, do antes e do depois da transferência para a China. Não se agitem, deixem-se ficar sossegados até eu acabar, pois alguns de vocês ainda podem cair, fazer estardalhaço e espalhar cacos por toda a parte, de tão jarras que por vezes parecem ser. Ou vasos de porcelana chinesa, que diabo. Primeiro vamos fazer um consulta não ao psiquiatra, e bem que alguns andam a precisar, mas ao dicionário.


Com quatro letrinhas apenas, se resumem quatrocentas páginas

Para quem se esqueceu do que esta palavra quer dizer, e preferiu ir montado no burro coxo da honra  ferida ou do "orgulho patriótico", aí está: "proposição que alguém expõe", na primeira metade de definição. Não é dogma, nem lei, é proposição, que por oposto a suposição, que implica alegar ou afirmar hipoteticamente de modo a levar a uma indução, propõe discutir ou defender uma ideia ou ideias. Nem foi preciso discutir nada, e nem possibilidade de defesa se colocou sequer, pois suas ilustres espécimes do bípede lusitano vieram de imediato identificar-se com tudo de mau que imaginaram nas pérfidas cabecinhas, retirando conclusões de um simples artigo da imprensa que simplesmente noticiava a defesa de uma tese com 400 páginas. Bem sei que "para bom entendedor meia palavra basta", mas isto é exagero, e por falar em "palavras", aquelas que mais "beliscaram" os pedregulhos dos orgulhos foram da autoria...dos próprios - e recordo que foi uma tese elaborada com base em entrevistas feitas a elementos da comunidade - e já falo deste conceito, que tem muito que se lhe diga. Isto que aconteceu agora é bacoquice da pior, feio, mas tão feio que vai na contra-mão a toda a velocidade prestes a bater de frente com os mesmos princípios que alegam estar na origem desta vendeta sem pés nem cabeça, recorrendo a golpes abaixo da cintura e a argumentos de uma infantilidade embaraçosa, e com recurso a uma linguagem que em alguns casos faria a mais castiça das varinas poveiras corar de vergonha. E o pior de tudo foi constatar que nada daquilo que os indignou e deixou em sobressalto é mentira. Falta de espelhos em casa, talvez?

Comunidade portuguesa: nós. Nós todos, e não pensem que vou fugir com o rabo à seringa, por muito que me custe por vezes ser "agrafado" a certas enormidades destes meus "companheiros de estrada", que infelizmente não posso dizer serem tão raras quanto isso. Não me demito, mas em Macau, e em primeiro lugar, sou residente de Macau, com os mesmos direitos de todos os residentes de Macau, quer tenham aqui nascido ou não, que estejam cá há 30, 20, 10 anos ou seis meses (eu sei, nunca seriam residentes permanentes, mas passo o exagero), o que nem tenham posto cá os presuntos uma única vez, e nem saibam onde fica Macau e tenham obtido a residência por casamento, ou hereditariedade, ou que lhes tenha saído na versão chinesa da Farinha Amparo. Todos os residentes permanentes estão em pé de igualdade em Macau, e isso não faz nenhum deles com mais ou menos autoridade para tudo o que tem a ver com o território, incluindo falar dele, estudar a sua História, algo que até se recomenda, e mais importante, o direito a não ser agredido por quem pensa ter o rei na barriga. Com o tal estatuto de residente, podem-me atirar na cara as vezes que quiserem que "eu não nasci em Macau", que isso para mim só me dá a entender que o problema é da pessoa que repete constantemente essa cantilena. Pode ser que não tenha gostado de nascer cá, e irrita-lhe que eu tenha horizontes mais largos, ou que tenha noção das distâncias, sei lá, não sou psiquiatra. O que não sou também é neurologista, mas vamos lá mostrar esse nervo afectado para ver afinal do que é que se queixam os meninos.

Como devem ter percebido, tenho evitado usar nomes, e vamos continuar assim à medida que vou batendo a bota com a perdigota. Primeiro, somos TODOS "temporários" - até quem nasceu e viveu aqui toda a vida. No recente caso agora muito badalado do ex-procurador detido, por exemplo, um dos factos que nos foi dado a saber foi que o mesmo "teria passado a fronteira e preparava-se para sair de Macau". Ora, apesar de ser apenas uma hipótese, é possível que muita gente esteja a pensar que não estaria a sair de férias, ou com a intenção de regressar, e essa ideia ficou reforçada ao sabermos mais tarde que já tinha sido indiciado meses antes, e supostamente não podia sair do território. Se já tinha passado a alfândega, acham que foi com o nome dele? E para onde ia, viver uma vida de fugitivo, qual Richard Kimble? E acham que ele é caso único? Até os residentes de Macau mais modestos têm o seu "back up plan", então o que tem assumir que estamos todos aqui a título temporário? E isso quer dizer que queremos ir embora?

E vejam lá que a memória pode ser curta para muitos, mas para mim é elefantina. Conheci pessoas que durante dez anos repetiam a mesma coisa a cada um que se completava: "para o ano vamos embora". Alguns ainda cá estão, mesmo que tenham partido e depois voltado, e entre eles não falta quem repita a mesma ladainha. Conheci outros também que foram até lá "ver como paravam as modas", mas depois de perceberem que sofriam apenas de um "agigantamento" contraído em Macau, regressaram sem precisar de pensar três vezes. Outros não compraram habitação própria quando era recomendável porque "iam embora daqui a um/dois anos", e sei disto porque me diziam, e com um ar imperial, uma vez que a minha abordagem era na condição de que eu próprio tinha adquirido um imóvel, e estavam a dar-me uma de "olha que fizeste mal, sabes?". Pois é, desculpem eu ter sido atencioso, é que acontece que se vende um imóvel mais depressa do que se compra, é uma questão de dias, e eu estava MESMO a analisar as coisas desse prisma. 

E vamos lá ver uma coisa: quando é que fomos realmente "unidos"? Devemos ser a comunidade portuguesa no mundo com mais "tricas" originadas por política de cá e de lá, e como esses últimos aqui só ladram e não mordem, divisões originadas pela simples cor partidária. Patético. E já experimentaram falar BEM de alguém? Aposto que há um mais bem informado que vos diz que fulano ou fulana a que se referem "esteve preso", "é homossexual assumido" (aqui está um exemplo de "assumido" que me custa a detectar), "enfeita a testa do marido", "já comi essa gaja", "batia no marido", fritou, assou, cozeu, guisou, tudo como se fosse uma espécie de cartão de visita da pessoa de que se fala e eu nem conheço de lado nenhum para precisar de saber estas coisas. Claro que passam-me ao lado, e esta é daquelas coisas que em Macau já não têm importância nenhuma. Tenho a impressão que o incómodo que eu causava com o anonimato era não por causa do que eu dizia mas antes daquilo que eu poderia dizer, e quanto a isso só respondo: ACHAM?! Mas entendo a preocupação, pois claro, e até pedia desculpa por ter deixado um certo departamento onde trabalha uma maioria de portugueses de costas voltadas por cada um desconfiar que o outro era eu, mas isso é lá entre vocês, e antes sou eu que vos perdoa a presunção. E muito menos quem me considerava um "herói", mas quando ficou a saber quem sou fez como a raposa da fábula fez com as uvas. O que tenho a dizer a alguém que não viu em mim o seu "ideal romântico" ou "um produto com potencial de mercado", é que faça uma auto-avaliação, tente perceber o que lhe correu mal, e a partir daí procurar melhorar o seu carácter.


Guiné-Bissau, Filipinas, Brasil, Portugal...em Macau. Isto é lusoFOLIA

E qual é o papel que nos cabe, afinal, além do tantas vezes reiterado mas nunca plenamente concretizado de "plataforma entre a China e os países Lusófonos"? Precisamos de ter um, senão "perdemos importância"? Meus amigos, cheguei em 1993, vim trabalhar para o sítio onde ainda hoje estou com nomeação definitiva e a 10 anos de me aposentar, mais coisa menos coisa, e tive o privilégio de ter trabalhado com um grupo sempre heterogéneo, de gente de Macau, quer macaenses quer chineses, e antes de 1999 tivemos angolanos, cabo-verdianos, timorenses, portugueses do norte e do sul, homens e mulheres, jovens e menos jovens. Nunca me passou pela cabeça regressar a Portugal, mesmo tendo sofrido algumas pressões, mas isso pode ficar para umas eventuais memórias, e fui bem recebido, sempre bem tratado, apesar das diferenças próprias entre culturas antípodas. Não sou tratado com deferência nem negativamente descriminado por ser Português, e é lado a lado com estas pessoas de cá, com um esforço da minha parte para me integrar neles, e eles sem necessidade de me mostrar apenas o lado delicodoce do oriental, dos preceitos, dos cuidados com os gestos, em suma, são quem são e não escondem nada. E não se preocupem que eles não olham para nós como "conflituosos e desunidos", porque eles próprios têm a sua "intriga" para resolver - se a nossa é normalmente mesquinha, e deles é palaciana, com o esplendor, conspiração e traição, só faltam os venenos e...bem, aqui depende o que se entende por "eunuco", mas digamos que no sentido literal, é capaz de não haver nenhum. E os atrofiados não contam. 

Pode-se dizer mesmo que a única vantagem em ser português, é poder ficar à margem do enredo que decorre à volta do trono. Mas o mais curioso, e podem não acreditar nisto, a ideia que eles têm de nós é que somos "simpáticos" e que "devemos ser todos amiguinhos uns dos outros". E de facto a mulherzinha da mercearia aqui no meio da rua perguntou-me se eu conhecia os portugueses que viviam no prédio mesmo em frente à sua loja, e eu respondi que "não, porque havia eu de conhecer?", ao que ela retorquiu mal acabei eu de falar: "porque são portugueses". Meus amigos, eu assisti a portugueses que chegaram umas simpáticas criaturas, umas couves-galegas de folhagem borrachuda e num verde vivo, e que hoje não são mais que uns sacanas de uns pimentos assados e ensopados no fundo da salada. Podemos ser muito "democráticos", mas é lá (e é discutível). pois aqui no cantinho de baixo da China, onde é fácil aparecer na televisão ou no jornal, começa a crescer o pidezinho que temos dentro de nós, e se chegamos a dizer que "em Macau há falta de massa crítica", passados uns meses andamos a ameaçar porrada a senhoras porque escreveram um artigo sobre nós que não caiu bem. 

Há um ano e pouco, talvez mais, estava sentado com outro português num desses locais onde a malta se junta, e teci certas considerações sobre determinada entidade pública, que não eram as mais positivas, admito, mas não estaria a exagerar nem a disparatar. Foi aí que a pessoa que me escutava - e note-se que eu nem estava a falar alto, sequer - começa a fazer-me sinal com os olhos, como quem diz para eu ter cuidado com o que digo, pois há ali perto quem não possa achar piada. E de facto mesmo ao meu lado estava um indivíduo que desempenha funções nessa entidade (coisa fina, posso garantir), e à sua frente estava a sra. sua esposa, e não fosse por ela estar a abanar a cabeça numa moção de "sim" em câmara lenta, como quem diz "vê lá, vê lá" eu levava aquilo na desportiva, e continuava a conversa mais tarde noutro sítio. Só que aquela atitude como quem me tenta intimidar, e não estando sequer a falar do respectivo esposo nem nada que se pareça, daí que me viro para o meu parceiro e digo, agora em voz alta: "e depois, se não é mentira nenhuma nem é nada pessoal?". 

E este exemplo que eu dei no parágrafo é uma das nossas "heranças", e se por um lado ficou célebre o caso de um certo profissional liberal do Ocidente ter sido dispensado do seu emprego de uma maneira que ficou descrita como um atentado ao segundo sistema, perpetrado ironicamente por um português, ameaças de isso acontecer antes não faltaram por aí. Nem "wishful thinking", nem troça pela desgraça alheia, e numa certa medida, alguma "caixinha" com o intuito de afastar "indesejáveis". Mas acontece, pronto, e se acontece a uma outra escala com os locais, que são uma comunidade mais homogénea, o que dizer da nossa, de origem diversa, bem como diversas são as valências que trazem para Macau, e a meta que procuram atingir. Não há como discordar da ideia de Macau ser um "trampolim", pelo menos em parte. Inicialmente é, para muitos, que acabam por se acomodar.

O nosso papel aqui é o que se vê, e se eu nunca acreditei que ia dar certo tocar a reunir, era porque já tinha visto esse filme antes. Exacto, vi o filme, li o livro, ouvi o CD e fui à reunião uma vez e chegou. Tudo o que sempre se fez em Macau foi de uma forma que eu não chamaria tanto de amadora, mas antes de individualista. Há filmes que se fazem, discos que se gravam e livros que se escrevem porque não é muito difícil cumprir com os mínimos requisitos técnicos, apesar de no caso dos primeiros ser na mesma caro e dar trabalho, mas descura-se a qualidade, como se fosse só para a família e amigos - e mesmo esses aceitam por inerência, não sendo garantido que apreciem. E é esse o outro grande problema, uma mentira que se quer acreditar: só dizer bem do que se faz é "motivar" quem faz. Ora com falta de alguém que diga sinceramente "olha, gosto muito de ti, mas no teu lugar ia mas é trabalhar", há artolas que pensam que são os tais, e quando saem de Macau e batem de frente com as ventas no mundo, voltam ressabiados e com o rabinho entre as pernas - salvo raras excepções, que de tão raras todos sabemos de cor quais são.

Se nas artes e outros ofícios a tendência é que cada uma faça pela vidinha, ainda se entende, e o mercado de Macau nesse particular não é atractivo de todo, mas o pior é quando isto se verifica no âmbito associativo, das associações que nos representam, ou deviam representar. Uma vez, há muito tempo, participei da reunião inaugural de uma associação qualquer, daquelas que depois nunca mais se ouvem falar, e após a eleição do único candidato à presidência por unanimidade, tirou-se a fotografia da ordem, para assinalar a (ir)relevância do momento, e juro que isto é verdade: eu estava sentado num dos lugares mais próximos do palco, subi e meti-me de frente para o "passarinho", e sem saber como dei por mim empurrado para trás depois de "placado" por uns tantos compatriotas, que ostentando sorrisos de plástico que iam de orelha a orelha metiam-se em bicos de pés para se poder capturar a maior parte da sua moldura, enquanto os da frente esticavam os cotovelos para os de trás não lhes passarem por cima. São capazes de estar a reconhecer este boneco, ou não?

E nas associações que deviam ter importância, que nos deviam representar, e pior que tudo, a que ficamos indissociavelmente ligados por outras comunidades que se organizam e são mais solidárias, não andam muito longe do que descrevo aqui em cima, pelo menos na forma de como o todo se divide em cada um por si. Também há eleições com um candidato a ser eleito unanimemente, mas não é por falta de oposição ou de alternativas credíveis, mas porque estes preferem ser o nº 2 ou o nº 3 e poder mesmo assim meter a mão no pudim (entendam isto como quiserem). O mais grave, ou talvez agora nem por isso, é que estas associações encontram-se com altos dignitários locais, falam em nome da comunidade. Ou de parte dela, sei lá, o que sei é a ideia transmitida deste são e diplomático convívio é que "somos muito unidos". Os chineses pensam assim, e ficam surpreendidos quando lhes traduzo uma notícia qualquer, ou comento com eles alguma outra com grande impacto na nossa comunidade, mas que eles desconhecem por completo. Estranham sim os conflitos, e se lhes pedem para descrever um português-tipo, diz que "tem fato e gravata". Pessoas de fato e gravata portam-se bem, e "falam muito" (daí o título do artigo do HM de quinta-feira). 

E vejam só, em em menos de 400 páginas consegui pintar bem mais de 60 "bonecos", e sem recorrer a entrevista alguma - bastou observar. Eu adoro a comunidade portuguesa, quer dizer, são uma malta que chega aí com um entusiasmo mesmo baril, que vem mudar as coisas, fazer, vem para fazer e não para se encostar à sombra da árvore das patacas. O pior é a floresta que tem pela frente, onde andam perdidos outros que chegaram antes dele. Macau está estagnado e estagna quem quer vir mudar seja o que for, pois pela frente tem as vacas sagradas do imobiliário e afins, e o resto não tem importância, "não dá dinheiro". Numa daqueles colóquios dedicadas à questão da identidade macaense, um dos participantes apareceu citado num artigo de uma revista local dizendo que "onde aparece o dinheiro, a cultura vai embora", acrescentando "tão simples quanto isso". Fora de contexto não é assim tão simples, pois a cultura e o dinheiro andam de mão dada, e se "não há dinheiro, não há palhaços". O que o jovem maquista queria dizer exactamente, e como eu o interpreto era "onde há lugar aos interesses económicos não há lugar para a cultura". E é mentira?


Now, pay attention!

Tudo isto foi para vos dizer o seguinte: o que fizeram com aquela moça foi muito feio, nada democrático e ainda pouco digno do espírito da Portugalidade que dizem estar ali a defender. Que  vergonha. Podiam discordar, claro, não é a esses que me estou a dirigir, mesmo que me pareça um exercício fútil para quem não leu as 400 páginas da tese. Falo para os que recorreram ao insulto gratuito, à ameaça, à chantagem e tudo para descredibilizar alguém que pensem o que pensarem é um elemento da nossa comunidade também, como é o seu companheiro, um nosso conhecido que tem dado o seu contributo importante no registo da memória colectiva de Macau, e como se não bastasse vão contribuir com mais um elemento para a mesma comunidade. Que raio de mundinho, a que chega a criança. Não gostaram da palavra "mundinho"? É diminutivo de mundo, e que mundo diminutivo este, o de certas pessoas que através de interpretações questionáveis e recorrendo a argumentos xenófobos tentam prejudicar uma profissional, emitindo juízos até de carácter técnico que só lhes seria permitido fazer acedendo ao trabalho na íntegra, o que não aconteceu.

Há um certo indivíduo que eu até tinha em boa conta, e que veio dar a conhecer as suas verdadeiras cores, fazendo questão que o mundo inteiro ficava a saber. A forma ordinária com que se atirou com unhas e dentes a isto que considera "acto de patriotismo" só pode ser entendido como algum tipo de recalcamento, quiçá um complexo de inferioridade. Só assim se percebe o que o impele a estes actos dignos de um bombista verbal: é derivado do facto de se sentir "parente pobre" da lusitanidade, e por isso necessitar constantemente de validação. Eu não tenho qualquer preconceito dessa natureza, e para mim pode ser um esquimó, que desde que se sinta português e aja como um português de bem, para mim é um dos nossos. Este indivíduo, e naquilo que me concerne, não presta, até prova em contrário. Fica registado.

Não há aqui nenhum papão a olhar a ver como é que a gente se comporta, e que nos come se nos portamos mal. A China tem problemas maiores para resolver,  e desta região do sul já há Hong Kong para lhes dar mais que fazer. Temos que entender que se não conseguirmos ter aquele lugar especial na RAEM e na China que nos é reservado pela História, nunca foi só por culpa própria. Sozinhos nunca podíamos fazer nada, e o governo português oscila entre o esquecimento e o "deixa lá ver o que há ali que nos interesse". A sério, e é triste que de tempos em tempo se fale da viabilidade de compromissos que foram juras de amor eterno. Sabemos que a Escola Portuguesa está firme na RAEM, nem nos passa pela cabeça ficar sem ela, e por isso fico a pensar se os sinais que nos chegam de Lisboa têm alguma segunda intenção, ou se aquilo "é mesmo assim". 

Pode ser que andemos um bocado aos tropeções desde que iniciamos este caminho em 1999, e que alguns egos se tenham sobreposto aos interesses de todos, sei lá, não sou eu que mantenho os livros dessa contabilidade. Mas ninguém nos impede de ser uma das comunidades, ou transportando para o léxico futebolístico, "um dos três grandes": chineses de Macau, macaenses e nós. Temos ainda a contribuição de Pequim para integrar suavemente o território no seu regaço nos 50 anos que deu ao segundo sistema, atribuindo residência através do investimento a famílias do continente, e se calhar em vez de ficar preocupados teríamos antes de ficar agradecidos por esta "paciência de chinês". Esta paciência não sai beliscada de mais este lamentável acidente, mas tem razão quem ficar preocupado em que se teime em "partir a loiça", e que em vez de tentar salvar alguma dela, tente parti-la mais alto que o vizinho. A paciência também tem limites.

Esta é a minha opinião, de quem passou os primeiros dez ou doze anos não a querer "mudar Macau", mas a escutar, a olhar e a aprender, pois já percebemos que não se cai aqui de pára-quedas sem que nos fiquem a olhar de soslaio. Se quiserem tirar deste texto interpretações avulsas, a mim não me aquece nem me arrefece, que não estou em fim de gestação e posso muito bem ir com as duas perninhas sentar o cu das calças onde das V. Exas. queiram dialogar sobre os pontos que discordam. Mas é bom que tenham uma alternativa, que dizer apenas "não é nada" é um hábito local nada construtivo, temos que reconhecer. Eu tenho consciência de até onde me posso "esticar", e esta vai sendo uma virtude cada vez mais em desuso, mas não precisam de gostar de mim, e se insultam eu insulto de volta, e se o insulto vier identificado, também, com a diferença de que me dirijo a V. Exas. pelo nome. Se quiserem insistir naquela estratégia de me "desaconselhar" a quem procura para pedir algum tipo de colaboração ou outra ajuda da minha parte, força, isso dá-me vontade de rir. As pessoas que eu assisto sabem-no que o fiz sempre de forma descomprometida, pelo amor à cultura, e o meu amor não é pago. Já agora parabéns pela brilhante ideia de aconselhar aquela jovem promessa a "ignorar-me" (pelo que soube foi assim, senão tanto pior), quando tudo o que eu queria era ter a certeza se estava a lidar com pessoas honestas. Infelizmente não estava. É pena, e qualquer mácula que ficar de uma posição de arrogância e pedantismo, sacudo do capote qualquer gota de culpa. 

Sou uma pessoa da paz, não bebi muito chá quando era pequenino, mas acabei por compensar quando vim para Macau. Não odeio ninguém em particular (nem a Maria Vieira, nem o Pica-Pau, mas esses deviam era enxergar-se), e se não quiseram esclarecer alguma intenção da minha parte, e preferem ter mais uma mancha no fígado, porreiro, mas aproveito para reiterar a minha disponibilidade para vos atender e ajudar no que puder. Quando era anónimo fizeram-me uma página no Facebook para me elegerem "homem do ano 2010" (nem fazia ideia, fui lá parar por acaso em 2011), e ainda tive conhecimento da existência de um contra-blogue - e se não acreditam no que vou dizer, paciência - onde nunca entrei! A sério, foi na altura que decidi acabar com o primeiro blogue, mais por uma questão de estética do que outra coisa, e prometi a mim mesmo que não ia dar importância a esse tipo de provocações, e eventualmente os cómicos que se deram a esse trabalho desistiriam. Queriam que eu fizesse o quê, exactamente? Que saísse a correr semi-nu aos gritos pelas ruas, e a arrancar os cabelos? Ah sim, constou que "descobriram quem eu era". Mentir é tão feio.

E é com esta ideia tão válida que me despeço com amizade, agradecendo o tempo dispensado. Bem hajam! 

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