quinta-feira, 3 de março de 2016

António, primo do Sinónio (de Deus)



O artigo de hoje do diário Hoje Macau, cujo link podem ver aqui, bem como aquele genial comentário a pulsar do sumo do contraditório que contém, fala de...vejam do que fala. Não poderia ter sido de outra forma: alguém que se identifica simplesmente como "António", e com uma lábia que não chega sequer a retórica, não se digna a contradizer um único argumento dos muitos que apresentei em mais de mil palavras. É um exercício fútil, um nada, e bastava simplesmente um "és mau e não gosto de ti" . Quem está desiludido sou eu, mas não perdi a esperança em que alguém inteligente venha refutar o que ali está, e terei o máximo prazer em acrescentar mais outras mil palavras, se necessário, pois foi quanto mais ficou por se dizer. É que a relação entre a Igreja, que nos oferece algo de que nunca poderemos desfrutar em vida, é no contexto dessa mesma vida demasiado constringente para que nos deixe ser vivida. Demorou-se séculos a se chegar a esta conclusão, ou parecida(s), que nos permitem hoje não ficar delimitados a preceitos que podem ou não ser os correctos. Sei que no limite há gente que fica por dentro a roer-se, e só não exterioriza o mais cru dos pensamentos de que está dotada a sua crença religiosa porque sabe que cairia no ridículo: Deus vai-me castigar, ah pois vai. Mas não rebaixemos o nível da discussão ao improvável, e permitam-me que deixe bem claro alguns pontos de vista.

Por mim, e no que toca aos crentes que aquele senhor ali refere, estes estão à vontade para exercer o culto quando quiserem, da forma que quiserem, e nos lugares reservados ao efeito APENAS. Enquanto isso, para mim, os lugares NÃO reservados ao culto devem continuar assim mesmo, como estão. Não me vêem a entrar numa Igreja e questionar o que ali está, pois não? E  tenho bases para o fazer, sabiam? Posso chegar a um altar onde está um boneco qualquer que determinaram designar de "santo", pegar numa das muitas passagens da Bíblia que condena a idolatria (vejam Coríntios 10:14 ou Actos 17:11, por exemplo), mas para quê? Que prazer ia eu tirar disso? Quando calha encontrar-me num local de culto, e isto acontece mais com outras confissões, especialmente não-cristãs e fora de Macau, comporto-me da forma que me é minimamente exigida. Não me vou comportar como um asno, mas também não vou copiar os praticantes que ali estiverem. Se me for exigido qualquer ritual, tenho a minha própria noção do que considero aceitável, e se por acaso o local me interessar, e será certamente por outras razões que não essa, posso acenar duas vezes com a cabeça em frente à imagem de Kapakumalokula, o deus-ouriço, que isso não fará de mim um seguidor. Certamente que não exigirão nada de humilhante, como arrastar-me de joelhos pelo chão, e já sei que sabem o que quero dizer com isto: Fátima, pronto, sejamos directos. Não obrigam ninguém, é certo, mas não desencorajam, ou fazem ver sequer que isto não é uma prática que aprovam, como fazem (timidamente) com as crucificações que se realizam perto da Páscoa em Pampanga, Filipinas. 

É essa a tal imagem de Jesus que mais me impressiona, não a do Sagrado Coração com qualquer coisa lá escrita ao lado, que só é blasfémia na interpretação de quem vê blasfémia em tudo. Gente que quer o regresso às amarras do Clero, que por muito que lhe custe, não se consegue livrar da imagem perversa e vilã que nos apresenta tudo o que sabemos desse tempo, quando o Estado e a Igreja  se complementavam, e repartiam o poder - não o de Deus, e nada que Jesus lhes tivesse deixado como desejo seu e de um dos seus pais. Era o poder dos homens: profano, falível, corrupto e mortal. Nada de especial que valesse a pena fazer com a perspectiva da salvação eterna. É isto que nos pede no breve instante que é a vida, quem depois nos abraça para toda a eternidade? Parece assustador, desculpem que vos diga. Quem ainda acredita numa vida de privações e sacrifícios, movido por uma promessa vã de glória (e como será, mesmo?) depois dela, precisa muito de sair de casa, olhar à sua volta, e pensar se uma coisa assim faz algum sentido. E não me venham com essa conversa da "Obra Social da Igreja", que é meritória, sim senhor, mas ao chamá-la para esta discussão, perguntando "o que contribuo eu para o bem comum" estão a desvirtuá-la. É que se eu for fazer o mesmo que a Igreja "por uma questão de coerência", como se disso dependesse também a razão da minha existência, era preso. Sim, e vocês eram presos também, porque pelo menos quer em Portugal, quer em Macau, os dois pontos onde converge a fé cristã, e de onde este tema é entendido da mesma forma no essencial, a Igreja goza de isenção fiscal, não paga impostos. Não estou a dizer que devem agradecer quando passam pelas pontes ou estradas pagas com o vosso dinheiro, mas será assim tanto exigir que não tirem os nossos cartazes, ou que não os censurem como não censuramos o que está dentro do que é o espaço onde a Igreja manda, a sua casa?

Eu não falaria tanto da Igreja se ela não me desse tanto para falar, e vê-se por aquele comentário em cima que no limite qualquer tentativa sua para me usurpar do meu direito adquirido à nascença de poder escolher qual quero, e se quero mesmo praticar alguma confissão religiosa, ficaria sempre sujeito à censura dos que fizeram uma opção diferente da minha. E foi essa opção que fizeram também os casais que em vez de um parceiro diferente de si, quiseram um outro do mesmo género. O que pensam quando encontram um casal dito não convencional com uma criança pela mão? Ficam a pensar no que vão fazer nessa noite, e se incluem ou não o pequeno? Ou se este os pode surpreender acidentalmente no acto carnal, e ficar "confuso"? Ou como já vi por aí alguém dizer, "perguntarem-lhe o nome do pai ou da mãe"? Como é que reagiriam se um estranho vos fizesse essa pergunta, e já agora como é associam tudo isto a Jesus? Se assim já soa a rocambolesco, o que dizer de uma instituição cuja prática assenta num historial nada condizente com a mensagem de paz e fraternidade que apregoa APENAS fora do âmbito destes temas fracturantes? E deixem-se de tretas com essa conversa do Islão e do Maomé, pois não é a nossa realidade, e só posso entender essa referência de duas formas: ou infantilismo, do tipo "falas mal da minha fé então também falo mal da tua" - e recordo de como chamaram de "barbárie" aos atentados que vitimaram os cartoonistas do Charlie Hebdo, recorrendo ao argumento do "sentido de humor" - ou inveja, e se não gostam da palavra, então nostalgia, de um tempo em que a Igreja podia fazer muito mais do que simplesmente condenar um cartaz num local público, e num estado laico. Não iam gostar, uma vez que tanto temem e criticam os outros. Deixem de ser básicos, pá.



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