segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Como a gente (é) muda


...e passamos para o artigo do dia 21, que dá pelo título Como a gente (é) muda. E como se afundava na fossa da depressão, este vosso servo...

                                                                           I

Muito daquilo que NÃO se faz em Macau se deve a uma espécie de “tilt” administrativo, algo que não vemos, não sentimos, é inodoro e não-tóxico, mas que está lá, isso está. Cada vez que se apregoam chavões do tipo “capacidade de decisão”, “liderança” ou “meritocracia” (deixa-me rir), é sinal de que realmente há ou havia algo de que estávamos à espera desde que a RAEM viu a luz da noite de 19 para 20 do doze dos noventa e nove. O novo hospital público, eis um exemplo tão perfeito que nos grita aos ouvidos. Eu não acredito por um segundo que as calendas que se vêem gregas para as quais atiraram essa infra-estrutura que tanta falta nos faz, tão doentinhos que somos, pobrezinhos, se devem (ou deviam) a falta de terreno para montar a barraca hospitalar. Mesmo aquele argumento da falta de pessoal médico, ou de técnicos que operem o material hospitalar XPTO de que dizem dispor deixa-me com muitas dúvidas – não que seja mentira, atenção, mas com toda a certeza há dinheiro de sobra para tapar o problema que não é problema nenhum. O que faz falta é quem decida, quem assuma, quem dê um murro na mesa, em suma, quem afirme alto e bom som: “Sim! Fui eu quem mandou fazer esta treta, e depois? Acordaste hoje com vontade de levar nas ventas? Uh?” (Passo mais uma vez o exagero). O que temos são serviçais, e para que não se pense que estou a cometer alguma inconfidência, ou mandar larachas à socapa, acrescento que esses serviçais somos todos nós, sem excepção. É verdade que aqui a coisa pública funciona muitas vezes mal, ou não funciona, e isto pode-se talvez explicar pela falta de “fé na Santa” logo à partida, com pouca ou nenhuma confiança por parte da administração anterior (pré-transição, entenda-se), que sempre que tinha oportunidade sussurrava-nos entre dentes: “pisguem-se mas é daqui para fora”. Digamos que logo aí fica posta de parte a vertente romântica do “gostar por amor”. Eu pessoalmente julgo que muitos de nós – senão mesmo a maioria – ficaram na base do “…até me chatearem”. O que ficou, bem, é o que há, e aqui entre o ulular angustiante dos queixumes do costume temos como ruído de fundo os murmúrios que a nada de estranho nos soam: “…elevado grau de autonomia”, “Macau governado pelas suas gentes” – e este último já nem da cassete oficial consta, de tão ilusório e torto que nasceu, coitadito. E no fim com tudo descascado, lavado e temperado, temos o prato principal: ninguém decide, com medo de morrer decida (subtil, tão subtil). E quem decide? “É a China” – resposta padrão, como quem diz “cala-te e come a sopa”. E é isso mesmo que “China” aqui representa, uma palavra que nos poupa a considerações, conjecturações, teorizações das conspirações, todos esses “ões” que até ajudam a engolir mais depressa o comprimido – “ Ah pois…a China. Como é que me fui esquecer de uma coisa tão grande”. E pronto, quando quiserem a reforma administrativa, a “meritocracia” (outra vez e em internetês: LOL) e todas essas patranhas que queríamos ver por aí à solta descascadinhas e de cabelos ao vento, mas sempre soubemos que eram só gases, perguntem antes, ahem, “à China”. (Piscar de olhos).

                                                                            II

Vamos ter eleições presidenciais em Portugal, e parece que é já este Domingo. Ou no próximo. Sei lá? Juro pelo que quiserem que estava convencido que eram só para o ano que vem, imaginem só. E de facto a figura do Presidente da República de Portugal parece ter entrado no vasto leque de “coisas que não dão dinheiro, só chatices”. Para apicantar as coisas (ou torná-las insuportavelmente insonsas), tivemos lá nos últimos dez anos um figurão que fazia lembrar a Morte, ceifeira das almas. O Exmo. E Revendíssimo Cavalheiro a que me refiro (afinal, haja um bocadinho de respeito, bois. Perdão, “pois”) andou uma década aparentando estar a passar por um tormento, daqueles destinados aos danados do Inferno, deixados às mãos do próprio Demo, e que através do seu olhar fechado e impenetrável nos parecia querer mostrar que não há esperança. Ser presidente de Portugal é uma coisa que ninguém quer, mas “tem que ser”. E aquele santo que agora nos deixa, e vai tarde desde a primeira hora, resolveu sacrificar-se por nós, pecadores, e mesmo não sendo da Galileia, é de Boliqueime, que é mais ou menos o mesmo. Têm ambas as letras “a”, “i” e “e”, como podem ver. Ah, já agora, este ano temos 10 (dez) candidatos! Uau, e se antes era tudo resolvido entre candidatos indigitados pelos crónicos e alternantes funileiros do tachismo lusitano, estes agora marimbam-se para essa “seca” e temos dez patetas alegres, tão maus, que qualquer um que ganhe me deixa com vontade de me tornar apátrida. Desde que me lembro de assistir às Presidenciais (leia-se 1985, rei Marocas I), havia pelo menos um candidato que eu me importava menos se ganhasse. Hoje penso que aquela gente que tem vindo para a televisão dizer aqueles disparates e entrar em peixeiradas mil devia era ser toda presa. É como se vê, como a gente (é) muda.

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