domingo, 25 de outubro de 2015

Só não falava (mas acho que sabia ler)



Estou como o vidro, outra vez. Estava um dia destes a sentir-me nostálgico, e fui até essa maravilhosa invenção, o YouTube, recordar algumas memórias reminiscentes da minha infância/adolescência/juventude (não sei bem identificar as épocas, uma vez que fui sempre assim, inteligente e bonito). Paradoxo aqui, paradoxo ali, e lá me fui sentindo deliciosamente deprimido com a convicção de que tudo o que os miúdos vêem e ouvem hoje é uma bosta, e que no meu tempo é que era bom - mais uns anos e já começo a achar qualquer música popular "só barulho. É o início da decadência, apenas interrompida pelo conforto do abraço da Morte. Bom, e dizia eu enquanto estou vivo e as minhas faculdades mentais não entrarem numa fase de regressão irreversível, deparei com o "jingle" desta série, que imediatamente me deixou com um sorriso pateta nos lábios. Não me recordo do título da série em Português, talvez por ser uma daquelas traduções tão escusadas que mais valia ficarem quietos, mas através do nome da canção cheguei lá: "Maybe Tomorrow", do cantor "country" Terry Bush.


E a série era esta, "The Littlest Hobo", e agora que se dissipa a neblina da memória, penso que o nome em português era efectivamente "O Pequeno Vagabundo", que vendo bem as coisas até é uma tradução fiel à original. Ainda bem que não se caiu na tentação de lhe dar um título daqueles mesmo parvos, tipo "Farrusco, o vingador", ou "Cajó, o cão camarada".


A série internacional que passou também em Portugal foi gravada entre 1979 e 1985, e a estrela era (e digo bem, "era", e apostava qualquer coisa) um cão-actor que dava pelo nome de "London". Menos na hora das cenas mais perigosas, em que se usava um cão pateta qualquer, que dependendo do risco, podia ou não voltar a fazer outra. Pelo menos não pedia "caché", não deixava viúva e filhos, não era necessário preocupar-se com seguros nem nada - era só "carne para canhão". O enredo era sempre o mesmo em todos os episódios: guiado por uma força mística desconhecida (ou pelo cheiro a toucinho...), o animal chegava a uma cidade diferente todas as semanas, e socorria um humano que estivesse em dificuldades. Eu desconfiava, até porque os sarilhos tinham tendência para aparecer, ou para se agravarem com a chegada do cachorro. Mas pronto, estou aqui a falar de uma série "familiar/juvenil", portanto não se racionaliza, ou não se pensa tanto nesses detalhes. Mas o "London" representava mesmo, o raio do quadrúpede; como não podia falar, e não era capaz de explicar que perigo a pessoa que ia ajudar estava a correr  - às vezes nem a própria pessoa tinha consciência disso - ou que estava ali para ajudá-la. Os personagens humanos adoptavam-no na mesma, ainda que temporariamente, e no fundo isto não fica longe da realidade - afinal quantas vezes já não nos apareceu pela frente um cão qualquer que nunca vimos na vida, e resolvemos mete-lo no carro e levá-lo para casa, apesar de termos problemas sérios para resolver? Se por alguma azar formos mortos ou ficarmos presos, ele que trate sozinho do jantar, ora essa.


Aí está ele nas imagens, ora A LER o nome do sítio onde acabou de chegar, a levar uma espingarda, a saltar de pára-quedas, e depois de entregar as provas à bófia e meter o humano que acabou de ajudar na caminha, pede boleia para a cidade seguinte, onde lhe espera mais uma boa acção. Ah sim, mas antes disso: quando ficava o problema resolvido, o tipo ou tipa que o cão acabara de salvar explica a terceiros que contou com a ajuda do bicho "que lhe apareceu do nada, e...mas...onde é que ele está?". Depois via-se o "London" já pronto para partir na direcção do próximo destino, olhando para trás com as orelhas espetadas e a fazer olhos de cachorrinho mal-morto. E o humano fazia um ar resignado, de como entendeu tudo o que se tinha passado, e deixa o cão ir à vida. Outra vez, quantas vezes não nos aconteceu a mesma coisa? Mas é como digo: fiquei comovido. Recordar isto trouxe-me de volta ao tempo em que era inocente (pois...), e ignorante (mais ainda que agora). Fiquei mesmo como o vidro...


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