segunda-feira, 26 de outubro de 2015

M@rtir (... e metam mais tabaco)


Eu bem tentei evitar falar de Henrique Luaty Beirão, activista angolano que definha numa cama de hospital em Luanda devido a uma greve de fome que iniciou há mais de um mês na prisão, onde se encontrava desde Julho, acusado de preparar um golpe de Estado. Evitei porque há muito que desconheço sobre este caso, ou desconhecia, e não fosse pelo circo mediático que tem sido feito à volta deste infeliz, não teria a curiosidade tentar entender a sua motivação. E juro que procurei saber o porquê deste cidadão com dupla nacionalidade portuguesa e angolana optar por esta via extrema, absurda e contraproducente de demonstrar a sua oposição ao regime de José Eduardo dos Santos, mas não consegui, e senti-me culpado. Culpado por julgar não ter a sensibilidade para simpatizar com o martírio de um homem em nome da liberdade, por não perceber o que move este candidato a mártir dos amordaçados de Angola, dos que estão detidos por delito de opinião, e que tal como Cristo diz disposto a dar por eles a vida. E tem 33 anos, curiosamente. Desconfiei quando notei nos aficionados destas causas que têm como mote os direitos humanos e a liberdade de expressão uma reacção anormal a este caso. Vejo-os apelar à humanidade quando normalmente o tom utilizado é o da exigência, a caminho da ameaça, e sempre com muito paternalismo à mistura. Não vejo ninguém a chamar nomes feios ao presidente de Angola, e em vez disso quase que se implora que tenha misericórdia daquela alma, que aparentemente - e aqui vai o que eu não queria dizer mas é verdade - não sabe o que faz. E uma das coisas que fez sem saber foi transformar José Eduardo Santos num Pilatos, em vez de um Judas. Fez tudo errado, e prepara-se para cometer o maior equívoco de todos: fazer com o que o regime se veja livre dele, sem que para isso seja necessário sujar as mãos - ou mexer sequer uma palha, quanto mais.



Para perceber onde EU quero chegar, e não que Luaty Beirão pretende, pois isso é completamente impossível, vejam dois momentos neste vídeo: o primeiro ao 1:00, onde sob o nome artístico de "Ikonoklasta", canta um "rap" onde ataca José Eduardo dos Santos, que trata por "Zédu", nome familiar com que os angolanos se referem ao seu presidente; e o segundo a partir dos 5:50 onde o activista declama uma espécie de prosa contestatária onde critica...bem, onde se auto-critica, suponho? E digo isto por razões que são conhecidas, mas que podem ficar para tratar mais à frente. Vejam então os dois momentos do vídeo, tirem as vossas próprias conclusões, e depois comparem-nas com o que diz o site Esquerda.net, que chama a isto "heroísmo", aplaudindo a sua iniciativa de Luaty Beirão em "mobilizar a juventude angolana através da sua música", e que "aconteça o que acontecer" no fim desta greve de fome - e infelizmente teme-se o pior - o activista "já é um herói". Certo, e será levado em ombros, dentro de um caixão, enterrado, esquecido, e enquanto isso o regime de "Zédu" soma e segue. São capazes de mandar uma coroa de flores junto com uma nota onde se lê "obrigado". Estes cromos do Bloco de Esquerda, que só não vão lá porque agora andam ocupados em criar a sua própria "cantera" de "boys", para ir formar governo com os "chuchas" -  e por falar nisso, não é o "Zédu" também ele de esquerda, e o MPLA de ideologia marxista-leninista? Então e lá isso é coisa que se faça aos "camaradas", pá? Mais um exemplo da ofuscante coerência vindo destes comuDistas. Não é engano, não, é mesmo isso que eles são.

Nesse mesmo artigo o Esquerda.net alega que "ele [Beirão] e outras 14 pessoas foram presas, sob uma acusação absurda de preparar um golpe de Estado". Lançada a lebre do "absurdo", vou tentar racionalizar este conceito, defendido também pelos advogados do activista: "os jovens apenas liam um livro com soluções de luta pacífica contra o regime", e "mánada". Sem dúvida que parece estarmos aqui perante mais um caso de prisão arbitrária, própria das ditaduras, que cortam o mal pela raiz, indiferentes se dali se vai gerar algum mal (para eles, claro) ou não - o autoritarismo no seu esplendor. Mas que livro é este que propões "soluções de luta pacífica"? Será a Bíblia? Ah que disparate, "política" e "pacífica" só pode ser algo da autoria de Gandhi, ou Martin Luther King, ou por eles inspirado, certo. Errado.


Alguém me explica como que "solução pacífica" é esta que passa por "destruir o ditador"? Destrói-se pacificamente, portanto, assim como ao estilo da Revolução Cultural, talvez? Pendura-se um cartaz com palavras feias ao pescoço do tipo e leva-se-o em parada pelas ruas? Na, nem isso se pode considerar "pacífico", antes pelo contrário. Não sei até que ponto numa democracia funcional isto não seria suficiente para os jovens seguidores do evangelho da "solução pacífica destruidora" passarem pelo menos uma manhãzinha na esquadra (ou nos serviço secretos) a explicar uma ou duas coisinhas. Já se sabe que a liberdade de expressão em Angola não existe, e os tipos são uns sabujos desconfiados e fdp do pior que há, mas até onde iria essa liberdade se eu fizesse circular em Portugal um livro intitulado "Como destruir o presidente e reinstaurar a monarquia"? Será que lá no SIS ia toda a gente dar barrigadas de riso do que só poderia ser entendido como "uma boa piada", ou ignorar o que no fundo não passa de "opinião"? Nos Estados Unidos da América, onde compraram uma democracia muito jeitosa de que se orgulham muito de que passam a vida a gabar-se, basta alguém entrar com um passaporte com o nome "Hussein" para ficar duas horas a ser interrogado sobre as suas "verdadeiras intenções" em visitar "a terra prometida". Já agora, sabiam que entre os 14 activistas detidos juntamente com Luaty Beirão estava um tal de "Hitler Samussuko"? Entre a hipótese de ser "Hitler" da parte da mãe e "Samussuko" da parte do pai, ou andar muita confusão debaixo daquela carapinha, inclino-me para a segunda hipótese.

Espero que me esteja aqui a fazer entender: não tenho nada contra Luaty Beirão, admiro a sua coragem, e só posso mesmo concluir que quando ele se auto-intitula "kamikaze", e diz que aquela "é a sua missão", estava mesmo a falar a sério. O problema é que esta maltósia da esquerda "gira", para quem vigora o conceito do "rebelde sem causa", pensava que o rapaz estava apenas a cantar, pronto, e que no fim deu aquele "rap" muito giro, e tal. Talvez isso explique o desconforto pouco habitual com que lidam com mais esta "causa dos direitos humanos", levando-os a piar baixinho. É que este tipo de confrontação directa com um regime, sabendo dos métodos que utiliza para eliminar opositores e desencorajar a dissensão, só pode mesmo ser considerado uma forma de suicídio, só que muito mais lenta e com mais espalhafato do que cortar as veias, rebentar os miolos ou atirar-se de um décimo andar. E pelo meio acontecem "coisas estranhas", como em 2011, quando foi apanhado com 1,7 kg de cocaína à chegada ao aeroporto da Portela, alegadamente vítima de uma cilada. O próprio explicou num vídeo publicado no YouTube uma semana depois:



Pronto, damos-lhe o benefício da dúvida, mesmo que fosse mais fácil incriminá-lo armando a mesma cilada em Angola e não em Portugal, onde tem uma respeitável legião de apoiantes. Agora a parte do filme que não encaixa com o resto, e é logo a parte do meio: quem é afinal Luaty Beirão, e o que o distingue do comum dos dissidentes angolanos? É filho de João Beirão, falecido em 2006, e que ironicamente era próximo de José Eduardo dos Santos e do regime. As surpresas não ficam por aqui: o pai do inimigo mais mediático do regime de Luanda era nem mais nem menos que fundador e director da FESA - Fundação Eduardo dos Santos. Quem desconhecia este facto e consegue digerir tudo isto e ainda manifestar simpatia pela CAUSA, atenção a CAUSA, não a pessoa, então tem que me explicar como se faz. Temos aqui, como é conhecido aliás em Angola, "o filho ingrato do regime", nome que lhe assenta como uma luva. Questionado sobre este facto, Luaty Beirão disse que "não está obrigado a seguir a linha de pensamento do seu pai". Pois não, mas existe uma coisa chamada "meio termo", e outra ainda mais importante e que ele parece ignorar por completo e que se chama "bom senso".

O mesmo regime que o leva agora a este extremo, é o regime que fez dele o que ele é - no fundo pode-se dizer que não fosse pela proximidade com o tal "Zedú" que agora satiriza para lá do óbvio, tinham-lhe cortado as asas antes que ele pudesse acabar de dizer alto a frase "Abaixo o re...". Pimba. É o que acontece aos outros, a 90 e tal por cento dos angolanos que não tiveram a mesma sorte dele, que estudou nas melhores escolas de Angola, e depois da Europa. Quis ser "rapper", foi "rapper", teve tudo o que quis à custa do "tio", que foi depois detonar em vez de lhe dizer...obrigado? Sei lá, ele tem todo o direito de pensar e dizer o que quiser, e poderá depois acarretar com as consequências disso, portanto digam-me lá os "melhores seres humanos do que eu" que nunca estiveram em Angola e só têm acesso a saber o mesmo que toda a gente, qual o farol que vos faz encontrar neste personagem uma gota de legitimidade? E isto?



Quando fala da pobreza, da miséria, da corrupção e da opressão que grassam no seu país, fala com conhecimento de causa? Talvez, mas de que lado, da vítima ou do carrasco? Do inocente condenado ou do cúmplice que pactua com aquele estado de coisas, e que chega mesmo a falar do que só poderia saber graças à sua intimidade com o seu "inimigo de estimação". E digam lá, foram assim tão pouco condescendentes com ele quanto se pinta, os cães de fila das elites angolanas, de que ELE faz parte? Será aquela prosa em que fala dos que só criticam e não passam à acção, uma autocrítica, como referi mais acima? E agora a pergunta de um milhão de kwanzas, seja lá quanto for: o que pensa ele conseguir com isto, e o "isto" a que me refiro é "morrer". Morrer, ficar morto, quinar, deixar de existir, e consequentemente deixar de poder fazer seja o que for, e tudo porque "quer aguardar o julgamento em liberdade". Que raio. O julgamento, esse, está marcado para o mês que vem, e o seu advogado fez o que pôde para demovê-lo deste enorme disparate. O advogado e não só; reparem neste artigo de opinião do director do Correio da Manhã, que quase implora a Luaty Beirão "que coma". Ó meu amigo, a este ponto que tal dizer-lhe para não ser parvo, e deixar-se de merdas? Kamikaze? Ia, podes crer, check it out mudafucka etc., mas passo, obrigado, que dessa erva não fumo. Pode ser fácil para mim ter pena do moço, mas é-me impossível identificar-me com a causa. E porquê? Qual a validade deste martírio anunciado, deste calvário da era digital, que assim se torna antes num c@lv@rio? O que seria de Mandela se tivesse optado pelo mesmo caminho, em vez de ter passado metade da vida na prisão? Se ao fim de três meses encarcerado na sua cela na prisão da cidade do Cabo mandasse um "tweet" com exigências, ou caso contrário "recusava-se a ser símbolo da resistência anti-apartheid"? E que raio de comparação esta, não é mesmo?


Não, e pelos vistos não há limite até onde o ridículo pode chegar. Sei que estou a remar contra uma multidão que vai de olhos vendados, indiferente às cabeçadas que vai dando nas paredes, mas outra vez: percebem porque não percebo isto? Qual é a bota que não bate com a perdigota? Não quero insinuar nada de maldoso quanto às intenções de Luaty Beirão, mas nós que nem desta missa sabemos a metade, estamos plenamente cientes de que só ele, e através daquilo que ele (não) faz, é virtualmente impossível mudar seja o que for em Angola. E o regime aqui sai a ganhar por falta de comparência do adversário. E se nós estamos cientes, o mesmo não se pode dizer deste rapaz, que certamente levou longe demais uma obsessão derivada de alguma causa, que não tiver a ver com algum desequilíbrio do foro psiquiátrico, permanecerá para sempre um mistério. Lamento muito o que lhe está a acontecer, e lamento ainda mais pela família, especialmente pela filha dele, que em tenra idade fica a conhecer os totós do "vai em frente, força, que se morreres vamos estar aqui sentadinhos a debitar cagança, contribuindo para um mundo...de cagança, pronto, é o que há. E quem fez desta gente o corneteiro do batalhão? Já para a frente de combate, e depressa. Ou em alternativa deixem-se de tretas. Olha, metam mais tabaco. }

Sem comentários:

Enviar um comentário