terça-feira, 27 de outubro de 2015

Mal crónico nacional



Tomei a liberdade de partilhar este vídeo, colocado na conta do YouTube do próprio autor, e onde se vê José Luís Peixoto a falar do seu último livro, que dá pelo título de "O Teu Ventre", e que aborda a temática das aparições de 13 de Maio de 1917 em Fátima. Esta frase que acabei de escrever como introdução já seria mais que suficiente para eriçar muitas "sensibilidades", pois temos aqui um tópico que é completamente tabu, mas com a "nuance" de o ser apenas para um dos lados da discussão. Confesso que fiquei preocupado, pois tive conhecimento quer do livro, quer da pequena entrevista de Alberta Marques Meneres na RTP3 de forma abrupta, e gosto do trabalho deste autor, li 2 livros e meio (o que ficou a meio foi por falta de oportunidade, e já que me lembrei disto agora, um dia destes vou terminar), e não encontro nada naquilo que JLP escreve que me faça suspeitar de que estou na presença de uma fraude, ou de um cabotino, ou de um Chico-Esperto que vive à custa da banha-da-cobra que impinge aos mais ingénuos. Para entender melhor tudo isto, vou mostrar fiquei a saber do novo livro de JLP:


E aqui está, uma segunda liberdade que decidi tomar, ao não ocultar a identidade dos autores dos comentários ao "post" inicial no Facebook, da autoria de um Nuno Roby Amorim, que após uma rápida vista olhos sobre o seu perfil, parece-me ser alguém ligado à comunicação social. E não me preocupei em ocultar os nomes, pois a julgar pelo timbre dos comentários, isto é tudo "gente fina", cheia de certezas, e que sabe do que fala. E além do mais que problema tem? Não sinto que estou a violar a privacidade de ninguém, pelo menos tanto quanto o nome do escritor José Luís Peixoto é aqui achincalhado, e nem chego a perceber bem o motivo. Reparem no clima geral de galhofa, misturado com surpresa e descrédito, como se JLP tivesse ido à RTP dizer que viu um fantasma, ou que falou com Deus - e nem seria de esperar outra coisa, a julgar pelo primeiro comentário, de Teresa Marques, que estabelece uma comparação com Alexandra Solnado. Quem se recorda, ou pelo menos tem uma ideia disso, a filha de Raúl Solnado sentiu-se aborrecida aqui há uns anos com a falta de protagonismo (e dinheiro) e decidiu anunciar ao mundo que "conversou com Deus", que lhe transmitiu uma espécie de ensinamentos de "aeróbica celestial", que de seguida passou a livro, e foi obter lucro à custa de gente muito infeliz e problemática. Não me atrevo a chamá-la de "maluca", mas entende-se porque fiquei preocupado com JLP. E sem razão nenhuma para tal, no fim de contas.

O que JLP faz no seu novo livro, e isto é o que aquele vídeo me dá a saber, é abordar o mistério dos milagres de Fátima de uma perspectiva pessoal, ao mesmo tempo que o insere no contexto histórico e e social da época. Recorde-se que a data das alegadas aparições é 1917, há quase um século, em plena I Guerra Mundial, e em vésperas da epidemia da gripe espanhola. Localizando os factos no espaço, encontramos uma zona rural e periférica de um país pobre, embrutecido e analfabeto - e a julgar por isto que ali vemos não mudou muito - e as únicas testemunhas são três crianças, pastores, com menos de 10 anos de idade. Posto isto é suposto não duvidarmos por um segundo de tudo o que consta da versão oficial dos eventos, urdidos e abençoados por um regime ditatorial fascista, que em conluio com a Igreja, usou a religião como ferramenta para controlar o povo, mantendo-o ignorante e supersticioso, até hoje; não vejo outra razão para uma reacção tão forte ao novo trabalho de JLP do que isso mesmo, a persistência na crença em algo que muito possivelmente não aconteceu, mas que mesmo assim tem o seu valor em termos espirituais, só que isso não chega: questionar os milagres de Fátima é para os crentes o mesmo que lhes apontar o dedo na cara e chamá-los de burros, e ao mesmo tempo dando gargalhadas de escárnio. Eu respeito a fé dos outros, apesar de não ser uma pessoa de fé, mas para para os crentes a minha descrença ofende-os, e é o mesmo que lhes estar a chamar de parvinhos, e que estão presos a mentira sem pés nem cabeça. E de facto eles lá sabem com que linhas se cosem - quem os manda acreditar no Pai Natal? 

É aqui que Portugal ainda não mudou nada desde 1917: se não acredita, não fale, não comente, não se expresse de nenhum jeito, e o mais importante, "respeite", e se estiver a procissão e o andor com a  santinha a entrar pela sua porta adentro, sirva-lhe chá e torradas - isto vindo de gente que diz "não impor nada a ninguém". Não admira que "até o padre tenha rido", ó sra. Paula Machado, ele lá sabe porquê. Se não foi por algum motivo atroz, foi por saber que ainda basta fazer aquele sorrisinho pérfido de condescendência para neutralizar de uma assentada quaisquer provas que se possam apresentar que desmintam algo já de si tão difícil de engolir. E o livro do JLP não é "prova" de nada, e  ele deixa isso bem claro. Nem sei desde quando é que este autor ou qualquer outro são obrigados a ser rigorosos naquilo que escrevem, ou em alternativa medir as sensibilidades antes de produzir uma  única ideia original que seja. E ele bem que diz ter pesquisado, e que se trata de uma perspectiva pessoal, e até quase pede desculpa, haja dó! É que o santo ofício e o seu índex andam aí vivinhos da silva, e que o diga a Paula Veiga, que no outro dia "ouviu um comentário" (ena!), "em que alguém dizia: agora toda a gente escreve um livro". Só não se recorda é onde ouviu esse comentário, se no  "metro, no autocarro, na paragem, etc.". Veja lá bem se também foi isso que escutou, pode ter sido outra coisa, e terá confundido, baralhado, esquecido, "etc.". É da idade, pronto, desculpa-se. Reze mais, que não resolve nada, e acaba surda e gagá na mesma, só que depois vai para o Céu. 

Desconheço qual é a intenção inicial de Nuno Roby Amorim com este "post", pois é evasivo no seu comentário, mas que é suficiente para se perceber que faltam berlindes naquele saco - com que então "não temos Governo", e por isso não se pode falar de outra coisa, é isso? Em caso afirmativo, só me resta desejar-lhe as melhoras, se bem que não lhe vou estar a mentir e dizer-lhe que "isso passa". Até porque a mentira hoje em dia, à cotação que está no mercado, não é coisa que se dê assim, de barato. Basta ver como foi só preciso deixar o portão mal fechado para que entrasse todo o tipo de bicharada, que foi logo chamar ao escritor todos os nomes, entre "maluco", "drogado", e outros impropérios. Há ainda quem ache graça, caso do Alex Days, cujo comentário consiste apenas numa gargalhada parva. No vídeo não vejo que dê vontade de rir a bandeiras despregadas, pelo que só posso depreender que ali o Alex estava sentado nalguma coisa dura e alta, que o divertia à brava. Ah sim, e depois de tudo isto, tenho duas quase-certezas: 1) acho que a maioria daqueles comentários partem de pessoas que não viram a entrevista, e 2) nenhum deles vai ler o livro, mas não se inibirá de falar mal. Porquê? "Porque faltou ao respeito a Fátima", ou "falou mal de Fátima". Claro que isto é simplesmente falso - JLP não fala mal de nada, mas fala DO mal. É aquela pequena diferença, sabem, entre a gente triste e uma tristeza de gente, que se atira de unhas a dentes a quem, vejam só, "escreveu um livro", e logo "sobre Fátima". Será que o JLP ainda tem fresca na memória a visita que fez à Coreia do Norte? Que lugar horrível, não é mesmo, onde as pessoas são obrigadas a acreditar em mentiras, ou caso contrário sofrem na pele as terríveis consequências? Ainda bem que foi lá. Assim já não lhe custa tanto.


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